Efeitos colaterais

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(...)

— Não vou deixar que aquele beijo atrapalhe nossa amizade. - Digo frustrada.

Fabricio assente, não esboçando reação.

— Ok, se era só isso... - O mesmo toca meu ombro. — Até mais, amiga. - Enfatiza a última palavra que estranhamente me causa calafrios. 

— Até mais. - Digo antes de o ver indo embora em seu skate.

"... Amiga", repito mentalmente.

Ao chegar em casa no fim da tarde e passar pelo jardim, de súbito penso em ir até meu pai e abraça-lo forte, mas rapidamente a realidade pesa sob meus ombros e me sinto desnorteada por sua ausência. Como eu sentia sua falta. A melhor parte de tudo isso era poder vê-lo e abraça-lo sempre que eu precisasse. 

Eu corro para dentro, passando pela porta sem ao menos fechar. Me jogo no sofá da sala, fitando o teto. Acabo deixando escapar uma lágrima que desliza fria sob minha bochecha, sinto calafrios depois de começar a chorar freneticamente e minha garganta se comprime.

Nunca pensei que fosse perder meu pai de novo. A dor do luto como se estivesse sentindo pela primeira vez, mesmo depois de todos esses anos, parece um acordo tácito, algo preestabelecido.

"Depois de todos esses anos, Anita? Faz apenas algumas semanas desde que o papai morreu."

Minha memória parece me querer pregar peças, talvez eu estivesse descobrindo uma nova reação por ter aniquilado meu Floguinho. Ou tudo isso não passava de um sonho, toda essa coisa de eu ter trinta anos e viajado no tempo... O que era real?

Tento recobrar a razão.

Foi nessa linha do tempo que tentei evitar a morte do papai ao descobrir que ele já ficara sabendo de seu diagnóstico. Foi nessa linha do tempo que conheci Camila, antes de sua transição, minha grande amiga que viria a se tornar a escritora bem sucedida que encontrei em meu apartamento no futuro. -...

Foi nessa linha do tempo que me aproximei de Fabricio e me surpreendi com a pessoa de coração puro e irmão protetor que ele escondia ser. - ... E foi onde consegui impedir que Carol se envolvesse com o babaca do Eduardo, cortando o mal pela raiz.

Desde o início dessa aventura imaginei que estava recebendo uma segunda chance para mudar minha vida e a de todos ao meu redor. Mas, pensando bem, talvez, com sorte fosse apenas um castigo, uma piada de mal gosto.

Porque na pior das hipóteses eu estaria no juízo final, numa realidade simulada sendo observada de perto, caso cometesse o menor erro de conduta que fosse.

Afasto esses pensamentos malucos e me esforço em lembrar de quando passei pelo luto nessa mesma época mas minha mente parece um livro com páginas misteriosamente faltando.

A falsa sensação de que 2006 estaria sendo algo inédito em minha vida. Eu estava realmente reescrevendo meu passado.

Limpo meu rosto, passando minhas mãos sob a pele úmida com certo rigor. Sinto queimar um pouco pelo atrito das lágrimas salgadas na pele.

— Anita. - Ouço minha mãe e tento me recompor. — Advinha o que eu fiz pro jantar? - Vejo a mesma distribuindo os pratos e talheres pela mesa até que ela fita meu rosto se interrompendo e vindo ao meu encontro num abraço firme.

— Estou bem, mãe. Tá tudo bem.

— Não meu amor, eu sei que não está. Você não precisa fingir ser forte o tempo todo, não comigo. Seu pai se foi. E eu sei o quanto isso está sendo difícil pra você. Eu também já perdi meu pai, lembra? E agora perdi meu esposo.. - A mesma deixa escapar uma lágrima molhando meu ombro e me encolho culpada por não saber como conforta-la. Então, eu aperto o abraço.

— Deveria ser estabelecido um limite de perdas como esta durante a vida. Não é justo, mãe. - Digo depois de alguns segundos, me afastando devagar.

"No meu caso, a quantidade de vezes que eu passaria pelo luto do meu pai em 2006." Eu penso.


DIA SEGUINTE

— Tá vendo, Anita. Vê se eu posso com o ciúmes desse garoto! - Diz Carol se afastando do abraço de Henrique e sentando-se em sua cama aborrecida.

Eu reviro os olhos de onde estava, tomando um gole de chocolate quente, pouco interessada na conversa. Na xícara havia uma Carol campeã do campeonato regional da cidade de Imperatriz  estampada, o orgulho pela minha prima me preenche ao lembrar que futuramente ela estaria nas olimpiadas.

A internet da casa da Carol, não colaborava muito e seu computador conseguia ser mais lento que o meu. Mas, por ora, era tudo o que eu tinha, isso e mais o combo de aturar as discussões e segurar vela para o novo casal de Imperatriz. Fofos até certo ponto.

Teria de valer a pena, porque meu computador tinha ido para o brejo depois da minha última viagem no tempo e ainda me restavam esperanças de recuperar minha conta no floguinho para voltar para o futuro antes que Joel percebesse o que havia de errado e meu cerébro sucumbisse por eu ter que viver minha adolescência de novo.

— Oh, Carol. Você pode ir se quiser, por acaso eu falei alguma coisa? - Diz Henrique na defensiva.

— Nem precisou! - Diz cruzando os braços. — Com a cara que você fez quando eu falei que o Douglas convidou a gente...

— Ué, claro! - O mais alto ri em negação. — O cara era amarradão em você, e não tem nem tanto tempo. Agora você quer ir na casa dele, comigo ainda por cima!? Não sei se vou, não senhora.

— Foi ele que convidou a gente! É uma festa, todo mundo vai.

— Você sabe quem vai, Carol? - Eu me pronuncio pela primeira vez em meia hora, surpresa comigo mesma pela curiosidade.

— Hmm... Tá perguntando isso por causa do Joel, é?! - Diz especulativa.

Eu finjo concordar, desistindo com certo pesar de pensar na melhor maneira de perguntar sobre Fabrício sem gerar curiosidade, afinal, nem eu queria admitir para mim mesma esse interesse repentino no garoto, quanto mais para a minha prima e seu namorado, vulgo Henrique, meu ex-crush platônico que costumava ser meu melhor amigo.

Pérolas de se morar em cidade pequena... se interessar pelo macho da prima; no caso de Carol.

Ou da irmã; No meu caso.

Afinal, nem eu estava livre desse fardo, ou seja, eu nunca poderia culpar Carol por se envolver com Henrique, tendo eu beijado Fabricio, e sonhado secretamente com isso desde então.

Fabrício era meu novo segredo. Segredo este que eu escondia até de mim mesma.

— Não sei se ele vai prima, mas depois eu descubro pra você. O que eu sei é que todos aqui nesse quarto vão, e ponto final! - Diz gesticulando abertamente.

Henrique assente contrariado, e recebe beijos da mais baixa.


Continua. . .


Oi amores, obrigada pela leitura, conto com uma estrelinha de vocês! Agradeço a paciencia até aqui e os comentários no último capítulo, me motivou bastante a continuar e escrever este. Beijos!

Ps: Acabei de ver o anuncio oficial da terceira temporada de De volta aos 15, tô apaixonada, Anita de volta aos 18, mdsssss

Back to him - De volta aos 15Onde histórias criam vida. Descubra agora