II| Uma Aliada

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"Se não acabarmos com a guerra, a guerra acabará conosco".

- H.G Wells

A MORTE TEVE PIEDADE DE VOCÊ GUERREIRA

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A MORTE TEVE PIEDADE DE VOCÊ GUERREIRA. Mais três centímetros para o lado e teria se juntado aos corpos dos nossos inimigos. As palavras da enfermeira ecoam na minha mente.

Observo ela mascar as ervas curativas no pilão.

— O rei mandou uma carruagem. — Ela tenta me consolar com essas palavras, mas provoca o efeito oposto.

Encaro minhas mãos sujas de sangue e terra. 

— Quem venceu a batalha? — Falo pela primeira vez desde que acordei.

A enfermeira me encara; olhos opacos e nublados se entreolham, se reconhecem. Outra alma tão mutilada quanto a minha.

— O nosso rei, guerreira.

Estamos em uma guerra sanguinária com os Austríacos há décadas. As dezenas de conflitos travados levaram o nosso país ao limite, o povo anda faminto pelas ruas. Enquanto isso, o rei e a nobreza se deliciam com os vinhos mais refinados e exibem suas vestes constituídas de ouro e prata. 

A enfermeira aplica as ervas mascadas no meu ferimento. 

Essa não é a primeira vez que a morte me nega como se eu fosse uma bastarda, as cicatrizes espalhadas pelo meu corpo são uma prova disso. 

Há rumores silenciosos percorrendo o reino: a guerreira do rei foi amaldiçoada por uma bruxa e condenada a viver até que a guerra chegasse ao fim. 

Estúpidos. Penso.

Só conheci uma bruxa e seu poder se limitava a acelerar o crescimento de plantas.

Entro na banheira de madeira, a água é tingida de marrom assim que entro. A lama que usei para me esconder dos inimigos recobria minha pele. 

Enquanto me limpo as memórias da guerra vêm à tona. 

Os homens que matei e seus gritos antes de serem levados para morte em contraste com o cheiro da carnificina e som barulho das bombas, isso me leva ao limite. 

— Guerreira, a carruagem chegou. — A enfermeira bate na porta.

Visto a armadura forjada de ferro, refaço a trança no cabelo úmido, e por fim reergo a muralha ao redor do meu coração e mente. 

Quando retorno, finalmente vislumbro o medo nos olhos da enfermeira. A parte escura dentro de mim se delicia com a reação.

— Abra a porta. — Ordeno.

Ela hesita, tentando se acostumar com a mudança brusca do meu comportamento. 

O ar está esfumaçado pelas cinzas dos corpos inimigos. 

O rei havia mandado a melhor carruagem para aquele lugar devastado, a criança faminta dentro de mim se encontro de repulsa e vergonha.  

— Por que você demorou tanto? O rei não gostou da notícia de sua melhor guerreira estar ferida. — O informante do rei sorri perversamente. — Ele preparou um presentinho para você.

Aperto os dedos em um punho e a palavra seguinte desliza da minha língua antes que eu possa me conter: bastardos.

— Você ousa difamar seu rei? — O guarda brada, mas podia ver seus olhos cintilarem. 

— Ela está confusa por conta das ervas que tomou, é um dos efeitos trocar as palavras e falar baboseiras, meu senhor. — A garota mente. — Coloquei em uma agenda todos os medicamentos que ela precisa tomar.

Ela me entrega um caderno de couro.

O informante nota a mulher que cuidou de mim, seus olhos se demoram no corpo dela.

O guarda está trajado com a roupa branca do exército italiano, o tecido está manchado de sangue.  Não tenho dúvidas que fez isso para ostentar orgulhosamente as vidas que havia ceifado. 

— Vamos. — Ordeno, inquieta. 

Assim que a carruagem começa a se mover dou um último olhar para a enfermeira. 

Meu espírito sabia que havia encontrado uma aliada, os nossos olhos carregam uma rebelião escondida nos confins da nossa alma, mas tão ardente quando o fogo que arruína os corpos inimigos. 

O gosto de esperança inunda meus ossos, meu corpo ganha uma centelha de vida. 

Eu seria o fim do rei tirânico, assim como ele foi o meu.

O Rei TirânicoOnde histórias criam vida. Descubra agora