Logelon

1 0 0
                                    

Embora a nevasca se avizinhasse rapidamente, o jovem senhor não parecia se incomodar. Não era como se nunca tivesse visto os grossos flocos brancos que caíam do céu como lágrimas correntes de uma viúva que perde o marido na guerra. Quando era criança, correndo e se escondendo pelos corredores da fortaleza em que crescera, costumava deitar-se no chão do pátio externo, alvo como um vestido recém-lavado, sentindo a neve cair sobre seu corpo, o toque gelado do céu lambendo sua pele, fazendo seus pelos se eriçarem a cada contato. Abanava os braços para cima e para baixo, mantendo-os junto ao chão e executando o mesmo movimento com suas pernas, mas para dentro e para fora.

Assim que se levantava, admirava sua obra de arte: um pequenino anjo branco que não duraria muito mais que todo o resto de neve que o envolvia. Mas aquilo era suficiente para arrancar-lhe um sorriso sincero dos lábios. Contra os protestos da mãe, afundava os pés nos montes de flocos cor de leite espalhados pela extensão do pátio, deixando marcas profundas que formavam várias trilhas confusas e o faziam sentir como se fosse um gigante das histórias que sua ama contava e que costumava atacar os reinos dos homens, todos feitos formigas sob seus pés, com nada capaz de detê-lo a não ser ele mesmo.

Às vezes, gostava de recordar aquilo, os cavalariços e servos do senhor seu pai corriam atrás dele pelos pátios, estábulos e dependências da grande fortaleza, procurando uma oportunidade de agarrá-lo, de fazê-lo parar e trancafiá-lo atrás das paredes de pedra cinzenta e úmida novamente, mas sua esperteza e velocidade eram um campeão para o qual eles não eram páreos. Pulava por cima dos obstáculos, derrubava alguns pelo caminho, tentando retardá-los ou fazer com que desistissem. Olhava para trás quando podia e, no instante em que se dava conta de que não mais o seguiam, procurava um refúgio seguro para parar, se esconder e recuperar o fôlego. Vez ou outra, era surpreendido por um deles, que o esperava nas sombras, e nessas ocasiões se punha a fugir outra vez, geralmente gargalhando por conseguir se safar tão fácil.

São velhos e lentos, não podem me alcançar. O gigante não cai tão facilmente. Por diversas vezes, trombou com os irmãos e os arrastou para a brincadeira, para o seu mundo secreto e fantasioso. Sentia que podia confiar neles, que os podia incluir. Podiam ser sua família de gigantes, embora nem sempre fossem tão velozes, o que o fazia pensar, em algumas ocasiões, que eram mais semelhantes a seus perseguidores do que a ele próprio. Pouco importava. Podiam ser seus irmãos no novo mundo assim como o eram fora dele. Entre os dois, a irmã era a que mais reclamava de suas invencionices. O repreendia por seu comportamento imparável e infantil, pela desobediência aos pais, mas, sobretudo por espalhar neve em seus vestidos bem trabalhados. Soava como a mãe. Podia ser um reflexo dela, considerando que a beleza em seus traços lembrava a dela: os cabelos pretos, os olhos azuis, os lábios carnudos na medida certa. Era bonita, sim, mas não mais que a mãe, com as longas madeixas negras caindo sobre os ombros ou trançadas e adornadas no alto da cabeça; os seios fartos e as largas ancas que prenunciavam suas nádegas redondas e igualmente grandes; a cintura delicada que a fazia parecer uma boneca de porcelana, somada à pele alva e clara que facilmente corava com o tempo frio. Não havia dúvida que a beleza de sua mãe era intransponível e insuperável, fosse pela filha, fosse por qualquer outra mulher que existisse. E quando pensava no aconchego de seu colo e na ternura de seu abraço, era uma campeã invicta.

Por fim, depois de toda a correria, dos esconderijos secretos e de ouvir as reprimendas da irmã, era apanhado por sua mãe, de cujo abraço não tentava se desvencilhar no instante em que ela o tocava.

Certa vez, deu por si encurralado pela muralha oriental do castelo. As paredes erguiam-se à sua volta como monstros ainda maiores do que ele imaginara poder ser um dia, salpicadas de branco, frias, bem trabalhadas e, ao mesmo tempo, desgastadas. Quando se virou, viu-a se aproximando. A senhora sua mãe não trazia no rosto nenhum traço de fúria ou cólera, pelo contrário. Parecia doce, serena como uma chuva de verão, como as flores que desabrochavam na primavera, nos jardins aos fundos da fortaleza, ou como as folhas que caíam silenciosamente das árvores no Bosque Milenar. Mesmo um gigante às vezes precisa se render. Ela abriu os braços na direção dele, num quieto chamado à casa e ele aquiesceu. Pensou em correr, em contorná-la, em passar por debaixo de suas saias, mas, no fim, era ela. Era o amor que tinha por ele pedindo que regressasse. Com o cabelo repleto de pequenos pontilhos brancos, que caíam para as roupas que usava, ele apenas deixou que ela o alcançasse e deu um passo em sua direção. No segundo seguinte, os braços dela o envolveram e os dele encontraram o pescoço dela, que havia se abaixado para erguê-lo no colo. Suas pernas se enroscaram na cintura dela e, devagar, ela inspirou seu cheiro de inverno e infância, deu um tapinha em seu traseiro e se virou para levá-lo embora. Fosse em qual mundo fosse, real ou imaginário, o melhor lugar para estar sempre seria em casa.

A Saga de Luz e Trevas: O Trono em Chamas - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora