Rent adentrou o grande salão de pedra da Atalaia Rochosa. Era um dia tempestuoso, com raios que clareavam o aposento com rápidos flashes, que eram seguidos por fortes roncos capazes de sacudir as paredes do castelo. No entanto, gotas de água que caíam do céu eram inofensivas para o grande comandante de Zemantis. Eram como lágrimas de viúvas: não representavam perigo algum, exceto o de ficar molhado.
Abriu as pesadas portas de mogno, avermelhadas e reluzentes, ganhando acesso à varanda delimitada pelas ameias e merlões e cuja visão permitia enxergar as montanhas que circundavam a fortaleza e o Mar Pedregoso, que se estendia para o horizonte rumo ao sul, com águas que agora eram o retrato da revolta e do desassossego. Era possível ver as ondas quebrando nas rochas relativamente distantes, que mantinham Atalaia Rochosa em segurança, apesar de sua localização. Rent Piquet inspirou, saboreando o cheiro da chuva, o ar gelado e pesado das montanhas acariciando seu rosto nas partes em que a barba o deixava exposto, os cabelos tremulando, agitados pela precipitação que desabava cada vez mais forte.
São os sinais da guerra chegando. Em breve, a paz não passará de uma lembrança. Gritou por um criado, que veio correndo, com olhos esbugalhados, enquanto enxugava as mãos no avental que trazia à cintura. Ordenou que lhe trouxesse cerveja. Embora de nascimento nobre, Rent abominava a ideia de não poder consumir certas coisas de que gostava. Sabia que os nobres senhores em Brumus consideravam a cerveja uma bebida inferior, destinada aos mais pobres, embora ela estivesse presente em muitos banquetes e festas nos castelos. Nas tavernas, estalagens e bordéis, a cerveja preta era quase tão consumida quanto o vinho trazido do continente vizinho e das Ilhas de Peixes. Muitos plebeus que bebiam vinho nas vielas e esquinas de Zema se gabavam do feito e arrotavam grandeza, coçando a barriga e berrando ordens como se fossem grandes lordes e cavaleiros. O general sabia que um jarro de vinho não transformava um estalajadeiro em rei, tanto quanto uma oração não transformava uma puta em sacerdotisa, mas mesmo assim, não se importava com o que os plebeus bebiam ou deixavam de beber. Contanto que não o afetasse, desejava que bebessem até o próprio sangue.
O criado retornou, trazendo um corno de cerveja preta artesanal importada de Tarugon. O general bebeu-a rapidamente, lambendo os lábios, e exigiu mais. O pequeno homem franzino e de longos cabelos lisos escuros voltou a deixá-lo e apressou-se a encher o corno.
Uma rajada particularmente forte de vento atingiu Rent Piquet como um soco no estômago, entrando pelas portas e janelas do salão e o preenchendo como água preenche uma banheira para se lavar. O tecido do uniforme do general se agitou levemente, vibrando em seu corpo, seguro apenas pela costura que o prendia ao pulso, à cintura e aos pés. Usava uma túnica verde escura sob o gibão de couro marrom, atado a um cinto preto do mesmo material, com calças largas de lã, que tinham as extremidades ocultas pelas botas pretas de couro macio que vestiam seus pés.
Rent observou as nuvens que avançavam contra o castelo. Eram escuras, densas e pesadas. Seu interior se iluminava a cada novo relâmpago e, vez ou outra, um raio era expelido do meio delas, atingindo a terra com força e imponência, num clarão exuberante e tenebroso, letal a quem o desafiasse. Via a si mesmo naqueles raios, como se fossem espelhos que refletissem sua imagem. A terra abaixo seria o povo; as montanhas, aqueles vermes que rastejavam pelo chão e ousavam desafiá-lo, meros seres desprezíveis que não podiam ameaçá-lo, de fato. Os rios e mares agitados eram como seu exército, que podia submergir a população a qualquer momento, afogando-a e fazendo-a perceber que resistir era inútil. Nascera para governar, sabia disso, e era o que fazia com mão de ferro e pulso firme.
O jovem criado retornou uma vez mais e entregou-lhe a cerveja no exato momento em que outro raio foi cuspido das nuvens, beijando o mar e dando a impressão de que uma criatura enorme e monstruosa emergiria dali. Os olhos do jovem se arregalaram outra vez e Piquet pode vê-lo tremer de leve. Levou o corno aos lábios e bebeu metade do líquido preto que desceu de forma suave e amarga por sua garganta.
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A Saga de Luz e Trevas: O Trono em Chamas - Livro I
RomanceKrigerland é um vasto e diverso continente formado por quinze reinos. O centro do poder está em Fortebranco, na cidade de Kavan, localizada no reino nortenho de Elysian. O recém-coroado rei Noah I Desmond precisa assumir o controle de seus súditos...