Capítulo XII - Jogo doentio

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Voltar para casa não foi fácil. Anahí recebeu alta no mesmo dia, mas parecia ter passado muito tempo internada naquele hospital. Perdera tantas convicções em poucas horas que se sentia mais quebrada do que o próprio braço.

Sentiu-se, por dias, suspensa no ar, apática. Mesmo a tentativa de Alfonso de reaproximação, após o acidente na escada, não lhe causou nenhuma reação. Na verdade, a única coisa capaz de tirá-la da completa impassibilidade era a lembrança do dia em que descobriu não ter paternidade. Ou tê-la, mas não a conhecer, já que sua mãe assim decidiu.

A propriedade dos Herrera ainda era a mesma, mas Anahí havia mudado e, portanto, a percepção que tinha daquele lugar também mudara. Era irritante a convivência com gente minimamente feliz. Enquanto ela e Olívia perderam o ânimo, os adolescentes da casa viviam como se as cores do mundo estivessem ainda mais vívidas. Não tinham nada com o que se preocupar, afinal. Além do mais, com o início das férias escolares, a costumaz visitante havia chegado à vinícola para descansar, divertir-se e aproveitar todos os momentos que Deus concedesse para correr atrás de Alfonso. Angelique estava cada dia mais chata. Prendia-se às menores possibilidades de importunar Anahí. Fazia questão, ainda, de esbarrar no braço quebrado da mesma, só para atazanar. Essas pequenas provocações ressoavam na mente de Anahí como um acinte, pois, se tudo estava como sua mãe dissera, Alfonso gostava dela e não de Angelique e nada os impediria de ficarem juntos. Exceto o fato de que se Alejandro soubesse dessa informação, expulsaria Olívia e a filha de casa, deixando-as a esmo. Não era um valor apropriado a pagar para deixar uma mimada garota francesa sem chão. Ademais, até aquele instante, Anahí não tinha certeza sobre seus sentimentos por Alfonso. Outrora, enquanto irmãos, ele era tudo o que ela tinha de mais seguro naquela casa. Alejandro e Olívia não representavam um terço do que ele passou a significar para ela. Ele não a fazia de escudo, sempre a priorizava. E isso nunca acontecera antes. Era a primeira vez que experimentava tal sensação. Contudo, se o primogênito dos Herrera soubesse do quanto foi enganado por todos, inclusive por Anahí, como reagiria? Ela ainda poderia contar com ele como antes ou o sentimento de traição falaria mais alto? Levando em conta que Alfonso se afastara diversas vezes, Anahí considerava já ter uma resposta. Pior seria se ela finalmente tivesse certeza sobre seus sentimentos e, ao consultá-los, percebesse que só consegue enxergar Alfonso como um irmão.

Em certa tarde, enquanto o pôr-do-sol emoldurava a excelsa paisagem da vinícola, Diego foi até Anahí para conversar. Os outros brincavam e ele, como não gostava, foi acompanhar a única que não podia participar das brincadeiras. Um braço quebrado é um impedimento passageiro para muitas atividades.

- Tenho a impressão que mesmo com seu braço bom, você não iria querer participar de nenhuma brincadeira. – Concluiu Diego, subindo os degraus até a varanda onde Anahí estava.

- É, estou mais parecida com você hoje do que o normal.

- Na verdade, desde que você chegou do hospital está assim. E eu entendo, na verdade. O que minha mãe fez foi intragável.

- Parece que a Angelique e o Alfonso estão super próximos, não é? – Não de propósito, mas ignorando completamente o assunto iniciado por Diego, Anahí perguntou. Avistara, de longe, Angelique nos braços de Alfonso, jogando o corpo para trás, de olhos fechados, sorrindo. Ele, por sua vez, tinha um sorriso minúsculo no rosto, mas os olhos percorriam intensamente desde a ponta do queixo até o colo de Angelique. Anahí nunca viu aquele olhar de Alfonso para ninguém, nem para si mesma. Na verdade, se algum dia aconteceu, ela preferiu ignorar.

- Ah, estão mesmo. Parece que esse tempo todo ele a ignorava e, de repente, passou a olhá-la. Eles não se largaram desde que ela chegou.

- E não tem ninguém mais feliz que ela nesse mundo, aposto.

Primeiro Cálice: Vinho TintoOnde histórias criam vida. Descubra agora