11- A reunião decisiva

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Mas ainda só tinham começado os problemas sérios na montanha da água lilás.
Os jacalupis já não foram à continuação da reunião, no dia seguinte. Desceram logo a montanha com as cabaças para a troca. Só que, preguiçosos como são, levaram as cabaças cheias apenas até o meio. E, mesmo assim, demoraram muito mais tempo para descer que na véspera.
Entretanto começou o conselho, menos barulhento por causa da ausência dos jacalupis. Durante toda a noite o lupi-comerciante tinha estado a pensar. Antes da reunião, chamou os lupões e disse-lhes:
- Não se podem evitar as trocas com os carnívoros. Os jacalupis vão fazê-las,o apetite deles é grande. Ora devemos ser nós a fazer todas as trocas, como ficou combinado. Não devemos deixar o nosso direito nas mãos dos outros. É mesmo uma questão de dignidade. Se os jacalupis comerem carne, passam a comer menos fruta. Teremos assim todo o tempo para os negócios. Os cambutas que subam às árvores, já que não têm o dom para os negócios. A minha opinião é que deve ser coletivo da aldeia a fazer as trocas com os carnívoros. Quem quiser carne, come a carne. E sem moralismos piegas. São os nossos amigos que são comidos ? Sempre foram, muito antes da água lilás. Quem somos nós para decidirmos quem, na planície, deve comer quem ? Mas sou eu que inspecionou essas trocas todas, eu sou o inspetor-geral.
Os lupões concordaram. Uns ainda com hesitações, é certo, como o lupi-diplomata. Mas esse era mesmo o seu papel, não é assim ? O lupi-comerciante impunha autoridade, por ser muito esperto nos negócios. E todos viam que era o único que o jacalupi-capitão parecia respeitar, o que lhe conferia mais prestígio junto dos seus pares lupões.
Na assembleia apareceram pois duas posições agora muito nítidas. Os cambutinhas não queriam nenhum comércio com os carnívoros. Mas se contentaram. Já não tinham uma maioria absolutamente esmagadora como antes, pois tinham de levar em consideração a vontade dos jacalupis. E havia um novo campo, o dos que se abstinham. O primeiro a criar esse grupo foi o lupi-sábio, que se desinteressava, sempre dos grandes debates, ansioso por voltar para suas experiências, para ele mais importantes que tudo. Disse:
- Há duas opiniões, pronto, não se resolve nada. Vamos acabar com esta reunião inútil. Para o laboratório, lupi-cobaia.
O lupi-cobaia, mais os adjuntos do lupi-sábio, acompanharam o cientista. O lupi-kimbanda acabou por segui-los, embora a esposa, a professora, refilasse* com ele. Os cambutas que ficaram na reunião se olharam tristemente. Nem chegou a haver votação. Estava claro que o lupi-comerciante tinha ganho. Nem foi preciso o lupi-advogado fazer discurso.
Os lupões desceram a montanha, para ir avisar na planície que tinham decidido trocar água lilás com os carnívoros. Quando chegaram à base da montanha, ainda assistiram à confusão que lá havia.
Os leões e as onças estavam furiosos com os jacalupis, porque as cabaças só estavam a meio. E tiveram de trocar uma cabaça, com menos água, pela mesma quantidade de carne da véspera. As garras estavam todas de fora, preparadinhas para umas patadas nos jacalupis, que se escondiam uns atrás dos outros.
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Refilasse: respondesse asperamente.
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Os mabecos e as hienas protestavam porque não tinham conseguido arranjar nenhuma água. A chefe hiena admoestava o lagarto azul, seu agente, que não tinha sabido defender os seus interesses, amanhã vais fazer um contrato com o jacalupi-capitão, a minha água é de borla e sem falhas, senão... O lupi-diplomata teve de se manter no meio daquelas garras afiadíssimas e daquelas faces arreganhadas, para acalmar os carnívoros. Os jacalupis escaparam assim de deixar alguns pelos na planície.
Quando os carnívoros se acalmaram um pouco, em especial os leões e as onças, com a fala aveludada do lupi-diplomata e também por efeito da água lilás com que se lavaram, o lupi-comerciante tomou a palavra:
- Se esperarem um pouco, vamos buscar mais água.
Os carnívoros ficaram à espera, enquanto os jacalupis, mais tranquilos, se banquetaram com a carne-seca. Os lupões subiram à fonte para atestar* mais cabaças.
- Atulhem as cabaças todas, mas vamos vender só as metades - recomendou o lupi-comerciante.
- Eles refilam mas aceitam na mesma e ganhamos mais. Até porque o costume faz a lei. Lupi-advogado, prepara os argumentos.
Nesse dia arranjaram muita carne e os jacalupis estavam bem repletos. Mal conseguiram subir a montanha. Houve lupões que provaram a carne, já agora... Uns gostaram, outros não, lhes custava comer a carne dos antílopes que ainda ontem eram amigos. Não seria uma forma mitigada de antropofagia ?, se perguntariam mais tarde. O que interessa são os negócios, rezava o lupi-comerciante, que nem quis provar a carne.

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