Capítulo 13

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A primavera sempre fora minha estação do ano favorita. As flores espalhando pétalas por todas as ruas, os perfumes se misturando em cada parte da cidade. Os vestidos e as roupas frescas, o sol que iluminava mas não deixava insuportavelmente quente... Cada pedacinho da primavera me preenchia e me fazia sentir que um novo ciclo começava.

Completava naquele ano em Bagé, minha décima primavera por ali. Desde que minha família se mudou para lá, muita coisa mudou também. Minha mãe seguia trabalhando como chefe de enfermagem do hospital, minha irmã Ágatha se formou em odontologia, casou-se com Philippo, um estudante italiano de intercâmbio que conheceu na faculdade e esperavam o seu primeiro filho, o bebê Mathias

Meu irmão mais novo, Arthur há pouco havia se formado na faculdade de moda, com ajuda da mamãe que pagou o curso e abriu seu ateliê no centro da cidade, junto com seu parceiro de negócios e no amor, o Jean.

Já eu, me formei em música, como não poderia ser diferente, e me tornara parte da orquestra universitária de Bagé e estava recebendo propostas para ser violoncelista principal de orquestras de vários lugares do mundo.

Ao longo dos anos, a música, que já ocupava tanto espaço em meu coração, preencheu as lacunas que Não-me-toque havia deixado. Foquei-me em me tornar a melhor possível e, pelo jeito, tinha dado certo.

Aos 27 anos, ainda tocava em todos os concertos com o mesmo violoncelo que ganhara de Seu Santiago há 10 anos atrás. Esse instrumento era meu talismã e o que me incentivava a tocar com todo o meu empenho, como se ele pudesse ouvir de alguma maneira.

Todos os anos enviava à ele pelo menos uma carta por trimestre e lhe enviava presentes de todas as viagens que fazia viajando junto da orquestra pelo mundo. Queria que ele soubesse o quanto a música estava me levando longe e o quanto era importante para mim. Seu Santiago penava muito em entender as funcionalidades de um smartphone, mas os jovens do bairro atenderam seus pedidos e o ensinaram a mexer no smartphone para que pudesse fazer vídeo chamadas comigo de vez em quando.

Era incrível como ele não mudara nada ao longo dos anos. Nem mesmo envelheceu mais. Naquele ano ele completaria 90 anos e parecia estar muito bem de saúde e mais lúcido que muitas pessoas na sua idade. Não o via pessoalmente há pelo menos 5 anos, mas em todas as vezes que nos vimos, nenhuma havia sido em Não-me-toque, e sim em alguma outra cidade perto, quando ele estava visitando algum lugar atrás de instrumentos novos.

Eu acabara de sair de um relacionamento sério de que durou 2 anos com um colega de orquestra. Ele dizia que eu nunca me comprometia 100% com a relação e meus planos de cogitar morar em outro país a trabalho eram sempre os motivos principais das fortes brigas que tínhamos. Ele queria casar, ter filhos, uma família, e eu queria fazer música. Era inevitável que nossa incompatibilidade pusesse um fim em nós dois, mesmo que achasse que a música nos unisse de alguma forma. E por mais estranho que parecesse, eu estava tranquila com isso.

De uns meses para cá, minha mãe parecia inquieta e estressada, de um jeito que o trabalho nunca havia a deixado. Ela estava acostumada com os estresses do hospital e não se importava. Era parte do dia a dia e ela lidava bem com isso.

- Mãe, tá tudo bem? Você não está normal ultimamente. Vai me dizer o que está acontecendo? – Disse, sentando na mesa ao seu lado e lhe entregando uma caneca de chá.

- Você tem razão, não posso ficar engolindo isso sozinha mas, não queria envolve-los nisso, vocês já sofreram tanto... – Ela estava inquieta. Desde que nos mudamos para Bagé, a proximidade entre todos nós se tornou mais forte e conforme fui amadurecendo, me tornava muito mais amiga de minha mãe e a apoiava em muitas questões da casa.

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