Ágatha contava que nunca havia visto nossa mãe tão abalada e ao mesmo tempo empenhando-se tanto em manter-se firme para que nós não notássemos, o nosso voto de silêncio, nós tínhamos certeza, ajudou bastante naqueles primeiros anos.
Aquela altura em que ele foi embora, nossa mãe já tinha sua formação mas não havia procurado emprego e tinha zero experiência.
Em uma cidade pequena do interior, como eu disse, as notícias correm muito mais rápidas do que deveriam ou do que gostaríamos, mas nem sempre isso significa o pior. À medida que os moradores ficaram sabendo da fofoca, muitos se reuniram no ginásio municipal, onde eram feitas as doações de caridade da igreja da cidade, e junto ao Padre Inácio, organizaram uma remessa de doações de tudo que era possível para minha família: Comida, roupas, brinquedos, fraldas e até dinheiro em espécie.
Minha mãe costumava ser uma das pessoas que ajudava com as doações mas dessa vez ela era quem receberia. Alguns dias depois, quando levaram-na para o ginásio para buscar tudo que havia ganho, desabou a chorar e foi abraçada por vários vizinhos. Todos sabiam o quanto ela estava tentando ser forte e manter sua cabeça erguida, mas o medo de não ter como cuidar de 3 crianças sozinhas e sem um emprego era algo que já estava lhe rondando fazia um tempo. Naquele momento, ela recuperou a fé.
Não somente as doações nos ajudaram a nos manter nos primeiros meses, como alguns vizinhos se ofereceram para cuidar de nós enquanto ela fazia as entrevistas de emprego. Levou cerca de 10 semanas até que ela recebesse a tão aguardada ligação e caísse em um choro alto novamente: Foi aprovada para o trabalho de enfermeira no hospital municipal. A partir dali, tudo voltava a normalidade, mesmo sem meu pai por perto. O salário que minha mãe recebia como enfermeira era até maior do que meu pai recebia como operador da fábrica, o que fez com que nossa condição de vida ficasse um pouquinho melhor.
A casa, felizmente, era uma herança da família Jung, os pais de minha mãe. A Palavra "Jung" significa "Jovem" em alemão e mamãe sempre teve apreço por seu sobrenome. Nós 3 fomos registrados com os sobrenomes "Jung" e "Martins", o de nossa mãe e de nosso pai. Com o passar do tempo, entretanto, em uma criação sem o pai, todos fomos optando por escrever nas provas da escola e nos apresentarmos apenas com o sobrenome Jung. Era como se o sobrenome de origem portuguesa da família de nosso pai não tivesse nenhuma influência em nossas vidas. Nem mesmo nossos avôs paternos eram vivos para que pudéssemos conviver com algo significante deste lado da família.
Eu e meus irmãos sempre fomos muito unidos desde criança. Ágatha fazia questão de cuidar de mim e de Arthur mesmo que mamãe evitasse ao máximo pedir a ela que fizesse isso, pois não queria incumbi-la de uma função que não era dela. Era um prazer para Ágatha ficar conosco e nos divertíamos como loucos pelo largo pátio nos fundos de nossa casa. Como todas as casas do bairro, a nossa era grande e larga, com um telhado bem dividido ao meio, assim como a famosa arquitetura alemã dos imigrantes, e bordas brancas pintadas a mão que contornavam a larga varanda da frente, embelezada com as diversas flores que nossa mãe cultivava por hobby nos finais de semana.
A cor lilás da casa era de um tom agradável e nós a adorávamos. Por dentro, prevalecia a decoração e o bom gosto que Dona Amélia, nossa mãe, tinha para com a mobília. A única coisa que ela manteve de herança dos pais era uma cristaleira de madeira maciça que pertenceu aos seus pais na época em que moravam na casa. De resto, logo que se casou com meu pai, fez questão de ir mobiliando a casa conforme seu gosto.
Os dois quartos da parte de baixo eram ocupados por ela e por Ágatha, respectivamente. Eu e Arthur dividimos o quarto até meus 12 anos de idade, pois éramos mais novos e nos fazíamos companhia. Depois de certa idade e o surgimento da pré-adolescência, nossas brigas por privacidade e por espaço para trazer nossos amigos começaram a incomodar minha mãe, que retirou todo seu pequeno ateliê de costura do segundo quarto e o arrumou todo para mim, pintando-o com várias flores de lavanda.
Gostava tanto de ter meu próprio espaço, que a vontade de trazer minhas amigas para visitar a casa acabou tornando-se menos frequente. Preferia ficar sozinha o dia inteiro naquele quarto. Aquele era meu mundo particular.
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IRIS
Romance"Você quer se casar, ou fugir?" Era a frase da música Slide do Goo Goo Dolls que Dante e Alice cantarolavam um pro outro desde crianças a cada indecisão que tinham sobre qualquer assunto. A música era assim para eles: Um elo. Eles cresceram na cida...