CAPÍTULO 1

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CHARLOTTE


Toda família esconde segredos. Todas.

O que acontece dentro de uma casa, nunca é revelado totalmente aos que moram fora dela.

Algumas coisas, simplesmente eram tão dolorosas que uma história inventada era a solução. Uma história que não fosse tão trágica, uma não tão cruel, uma não tão nojenta.

Tudo isso para evitar olhares de pena, evitar conversas, evitar julgamentos, e até mesmo evitar investigações que não levariam a nada além do desgaste.

Alguns segredos são enterrados, alguns são revelados, e alguns vingados. Existem todos os tipos, e existe o da minha família, que reuniu os três em um só.

E bem, para chegarmos neste segredo é preciso voltar há muitos anos antes, quando ele, Ramon Juliard, meu pai, ainda era apenas um agente secreto americano em uma missão especial no Brasil. Aqui foi onde conheceu minha mãe e decidiu que por ela tudo valeria a pena, inclusive colocar a sua missão em risco.

Alguns anos depois, já exonerado, casado, com filhos e com uma nova carreira a se consolidar como um dos maiores produtores de soja do país, o passado dele retornou. Alguém prejudicado ainda na época que ele estava se apaixonando por minha mãe, buscou vingança pela morte de um dos seus. Esse alguém era cruel o bastante então eu fui raptada. A filha mais nova de quatro filhos, a única menina. Eu tinha seis anos.

E, ao contrário do que foi dito a população da cidade e para a polícia, não tinha sido um sequestro por dinheiro, muito menos por desconhecidos. Foi vingança, e meu pai soube disso no momento que fui levada.

Passei vinte dias com eles, vinte infernais dias que destruiu um pedaço da minha família, fez meu pai voltar a ser que um dia prometeu nunca mais ser para a minha mãe. Fez com que meus irmãos se tornassem obsessivos comigo, e eu conhecesse a verdade sobre minha família que eu ainda não conhecia.

Eu não era apenas a filha caçula de um fazendeiro. Eu era a filha de um agente temido demais agora aposentado, mas que ainda tinha inimigos demais.

Naquele cativeiro, aprendi muitas coisas, e uma delas é que nem sempre a frase: "Ninguém se cura machucando o outro." É a melhor escolha. Às vezes será necessário fazer uso de outra. "O mal que me fizeram sorrindo, irão colher chorando."

Anos depois, agora com vinte dois anos eu me considerava uma dessas pessoas que por um tempo teve os neurônios de bloqueios ativados, tinha alguns sintomas pós-traumáticos ainda, mas, nada que me impedisse de conviver em sociedade como foi nos dois anos que se passaram após o meu sequestro onde ninguém além da minha família sabia da verdade, nem minha melhor amiga, Nina que era a única além dos meus familiares que tinha o poder de me acalmar durante uma crise. Para ela, eu tinha sido raptada por um funcionário mau caráter que exigiu muito dinheiro do meu pai.

Talvez fosse aquele o motivo, que aos olhos dos de fora o jeito que eu fui protegida pelos meus pais e irmãos desde o meu sequestro era bastante exagerado. Mas, dentro de casa, cada um sabia, e cada um carregava um trauma particular sobre aquele fato.

Minha mãe nunca culpou meu pai, mas se culpou por não ter ido me buscar na escola naquela tarde. Meu pai não sofreu acusação da minha mãe pelo seu passado ter nos levado aquela situação, mas se culpou por ter confiado que estávamos seguros. Meus irmãos não poderiam ter evitado nada naquela tarde, mas cada um guardava dentro de si, a ideia de que poderiam sim. E tinha eu, que nunca culpou ninguém da minha família. Culpei pessoas, mas as certas. As que estava comigo naquele lugar.

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