Insônia desejada

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Eu já não conseguia mais dizer quanto tempo havia passado desde o momento que eu havia tomado. Em alguns momentos pareciam que não faziam mais que poucos minutos, em outros, pareciam incontáveis horas. Não fazia a menor ideia de quanto tempo demoraria, mas eu tinha a plena convicção de que pouco a pouco eu ia perdendo mais das minhas capacidades.

Quantos haviam sido? Quantos comprimidos tinham naquela cartela? Eram 8? 10 talvez. Agora não mais importava, havia sido a quantidade suficiente para eu poder dormir um pouco mais. Finalmente havia me rendido ao sono dos justos, e finalmente, eu estava morrendo.

Eu não sei bem porque eu escolhi justamente esse método para tirar minha vida. Diferente de todos os outros, esse era o único que me permitia refletir, e agora, eu acho que uma parte de mim pode estar arrependida.

Ainda lembro com clareza de tudo que me trouxe até aqui, é claro. A angústia crescente que me tomou conta da minha vida nos últimos meses (talvez anos), é grandiosa demais e transformou tudo que eu era em um pedaço completamente inútil, uma sombra do que eu fui.

Ainda doem as marcas dos amores não correspondidos, e deixam cicatrizes enormes. Mas eu não faria isso por amor, pelo menos uma parte de mim quer crer que não. Eu acho que algo em mim vive uma realidade muito distante, e crer que eu não conquistei nada ainda.

E por mais que muitos possam dizer que eu ainda sou muito novo, a grande verdade é que eu não consigo associar qualquer sinônimo de sucesso ao meu eu atual. Mesmo estar vivo, agora parece mais um fardo do que realmente uma benção.

E na minha loucura de querer ser algo, penso em tudo que eu poderia ter, se a vida fosse diferente, se eu tivesse nascido de tal forma, ou tivesse mais tempo. Às vezes, se resumem a coisas muito pequenas como "e se eu tivesse mais algumas horas de sono?"

E agora parece claro o porquê de tal método. Dormir sempre foi aquilo que me tirou da dor, e mesmo que meus sonhos dançassem entre o limiar da loucura e da realidade, eu ainda assim consigo dizer convictamente que lá o sofrimento é menor.

Tudo isso pode não ser nada de verdade, e eventualmente meu coração se restauraria, bem como minha minha mente e minha alma. Mas agora é tarde, eu sinto cada vez mais minha consciência indo embora, e não creio que sobrou força em mim, mesmo antes de tudo isso, para aguentar mais um processo.

Eu estou triste, genuinamente triste. Não é algo passageiro, não são os ''baixos'' que a vida tem. Eu sempre estou angustiado, com um incômodo no meu peito que tira de mim até a capacidade de respirar. E dói, muito mesmo, e a cada dia que uma nova manhã se inicia, dói um pouco mais.

Talvez eu só seja uma pessoa egoísta e mimada, mesmo agora, com todas as minhas funções desligando aos poucos, eu sinto que existem desejos em mim que poderiam de alguma forma aliviar minha dor. Mas eu também sou consciente o suficiente pra saber que as feridas que eu carrego não possuem uma cura fora de mim, e a grande verdade é que sou fraco e medroso demais para prosseguir, afinal, viver é um ato de rebeldia e coragem constante.

E é horrível ser fraco desta forma, e possuir uma convicção efêmera. Quando senti os comprimidos em minha boca, eu estava eufórico pela realização de finalmente me ver livre de mim. Mas agora, eu estou tão assustado que sinto que o medo é mais mortal que os próprios remédios.

Que droga de vida em? Inútil mesmo no fim. E quantos arrependimentos ficam nesse momento, quantos desejos morrem, e quantas verdades permanecem ocultas. A realidade do meu ser é o descompasso das questões: Eu quero resolver tudo, mas padeço por não conseguir encerrar nada.

E deve está mais próximo do que nunca, pois sinto tudo ficar lento, minha mente ficar calma. Mas então por que meu coração está tão agitado? Senhor, como eu odeio sentir! Como eu odeio tudo isso, como eu odeio a vida, e como eu me odeio por ser tão fraco e patético.

Por que eu estou chorando se a decisão foi minha? Por que? Eu mal consigo me mexer, como eu ainda consigo chorar? Depois de tanto tempo tentando chorar, para aliviar meu fardo, eu consigo no momento mais desnecessário possível. Até nisso eu sou uma falha.

Eu só queria parar de sentir tanto, e que a vida fosse mais simples. Eu temo demais o futuro, o fracasso, a solidão, e o tamanho que esse desespero pode chegar. Cada novo dia, metade de mim morre, sem nunca efetivamente chegar a um fim, sem nunca efetivamente encerrar esse ciclo. Todos os dias eu sofro, e hoje, sofro por ter decidido morrer desta forma estúpida.

Não deve demorar mais que alguns minutos agora.

Eu penso muito em tudo que eu sempre quis fazer, e agora, eu sinto que nada era de fato relevante perante todo o resto. Eu realmente deveria ter morrido a muito tempo, antes da última memória que as pessoas terão de mim ser o amontoado de caos que eu sou.

Eu quis ser relevante, um exemplo, alguém querido e amado. Mas basta pouca coisa para me tirar do rumo. E apesar de tudo que me ocorreu, é sempre sobre mim, sobre meus pensamentos, meu ar, minhas fraturas e meu desentendimento com o abismo em que eu caí e quebrei meu espírito.

Que droga, consciência, até morrendo você me tortura.

Mas no fim, a pior parte é o medo que eu estou sentido da morte. Sempre fui fascinado pela ideia da morte, mas nunca por ela em si. Sempre achei que a morte era o que dava sentido à vida, e que a imortalidade era a pior das maldições.

Agora, tão perto do fim, eu sequer consigo me encolher, e as palavras deixam de fluir como deveriam. Eu estou morrendo... que loucura. Depois de tanto ansiar pela liberdade do fim, eu estou realmente com muito medo.

É o sono eterno, enfim.

Eu estou com medo, e talvez arrependido... e pela primeira vez em minha vida, eu desejo um pouco de insônia

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