Benjamin

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Eu passo muito tempo vendo seu diário. Por exemplo, estou andando na rua e folheando-o. As vezes quase bato nos postes. Por que colocaram eles na calçada? Foi ai que eu bati, mas não foi no poste. Foi em você. Quer dizer, alguém terrivelmente parecida com você. Como eu tenho sorte.
- Desculpa. - Ela disse. Até a voz é parecida. Se não fosse o sotaque, o cabelo escuro e eu não conhecesse sua família, diria que você tem uma irmã.
Seu diário caiu com a capa pra cima e o seu nome estampado ridiculamente colorido apareceu. Ela olhou pra mim desconcertada.
- É o diário dela?
- Hã?
Eu fiquei confuso.
- O diário da Eva. Por que tá com ele?
- Você conhece ela?
- Conhecia. Posso dizer que éramos amigas.
- Não vi você no enterro.
- Odeio cemitério. Odeio morte.
- Eu também, mas fiz um esforço por ela.
Ficamos em silêncio por um tempo. Até que ela resolveu falar.
- Já descobriu porque ela se matou?
Suas palavras secaram minha garganta. Ouvir que você se matou ainda me rasga por dentro.
- Não. E acho que ela não conta aqui.
- Talvez ninguém devesse saber. Talvez ela só tenha se cansado da gente.
- Existem várias formas de fugir das pessoas e nenhuma delas envolve suicídio. - Engoli seco outra vez.
- Não se você tiver certeza que vão te encontrar.
A ideia dela vagou pela minha mente um pouco. Você estava cansada de mim? Odeio ficar pensando na razão da sua morte. Agora todo mundo está tentando me enlouquecer?
- Não acredito que tenha sido por isso.
- Você não sabe como funcionava a cabeça dela.
- Nem você.
- Touché. - Ela sorriu.
É a primeira vez em meses que falo sobre você. Acho que nunca vou aceitar a sua morte. Você deveria ter pedido ajuda. Poderia ter me dado um aviso. E daí que você estava enlouquecendo? Eu aceitaria você louca ou de qualquer jeito, mas não posso te aceitar morta.
Aquela voz irritante do seu clone interrompeu meus pensamentos, de novo.
- Você pensa muito na garota morta?
- Ela nem sempre foi "a garota morta", costumava ter um nome.
- Falar sobre ela te irrita.
- Você me irrita.
- Que seja, ela escreveu sobre mim?
- Eu nem sei quem é você.
- Pode me chamar de Laura.
- Posso te dizer tchau também?
- Pode senhor "eu sou bom demais pra conversar", mas tem que prometer me ajudar.
- Ajudar com o quê?
- Me ajudar a saber o que tinha dentro dela.
Eu apenas acenei com a cabeça. Ela mal sabia a burrada que estava fazendo. A cabeça da Eva sempre foi confusa pra mim, mesmo quando ela me explicava. Agora não tenho mais a pequena Eva para me dizer porque está tudo errado. A mente de uma suicida é um enigma.Principalmente se ela morre.

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