O ENFORCADO

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Quando consegui passar por aquelas muralhas sem ser morto, pensei que ter adentrado essa cidade era uma benção. Agora, me questiono se não teria sido melhor correr pra longe, até onde meu corpo conseguisse andar, pois mesmo sem saber o que há lá fora, qualquer lugar parece melhor do que Moriah.

Em menos de um dia, soube de coisas que não só me deixaram confuso, mas me causaram um frio na barriga que vêm me incomodando até então. Não consigo compreender os ideais dessas pessoas, não consigo acreditar em suas crenças e muito menos posso me permitir segui-las. Apesar de não ter memórias e não me lembrar de quem eu sou, de uma coisa agora eu tenho certeza. Não quero e não vou continuar aqui.

— Você já perdeu muitas pessoas? — perguntei a Hyunjin — Sabe... Para o sacrifício.

— O que você acha? — respondeu irônico e empurrou minha cabeça pro lado. Com um pincel e tinta preta, ele pintava com cuidado a pele abaixo do meu maxilar, tentando imitar a marca que ele tinha no pescoço e evitar que eu fosse assassinado pelos guardas quando deixasse aquele porão. — Desde que a cidade foi construída o sacrifício acontece uma vez por mês. Todos os cidadãos, servos, e guardas, seguem a Corte até o morro mais alto da cidade, onde todos os que completam quarenta anos de idade naquele mês são sacrificados na frente do Portal.

— Por que aquele velho não foi sacrificado, então? —perguntei mordendo um pedaço de pão que ele me deu pra comer — Aposto que ele tem muito mais que quarenta anos.

— Toda a Corte é o elo entre Deus e a humanidade, eles serão os últimos a serem sacrificados. Só morrerão quando toda a humanidade tiver sido liberta.

— Isso é injusto demais, vocês não se revoltam com isso? — ergui o pescoço para olhá-lo nos olhos. Hyunjin bufou e empurrou meu rosto novamente —Eles são os únicos que podem envelhecer nesse lugar!

— Eu já sei de tudo isso que você está falando, idiota. Se se revoltar contra a Corte fosse o bastante, eu não estaria mais vivendo nesse inferno, mas adivinha só? Todos os Profanos foram mortos também, então qual é o sentido de se revoltar? Vamos morrer de qualquer forma.

— Nunca ninguém conseguiu fugir daqui?

— Apenas duas pessoas. Emily e Bang Chan. Eles eram apaixonados um pelo outro, mas Emily estava de casamento marcado com um servo da Corte. Servos podem escolher a mulher com quem querem se casar. Então, Bang Chan conseguiu a permissão do próprio profeta para também se tornar um servo. Ele foi treinado por meses e quando finalmente recebeu o título, ficou encarregado de jogar os corpos dos profanos no Rio Moriah. Durante a noite, Emily se escondeu em meio aos corpos dispostos na carroça, e quando Bang Chan atravessou a muralha naquela madrugada, os dois nunca mais voltaram.

— Nossa — respondi surpreso, sem saber como reagir, e dei mais uma mordida no pão — Ele deve ter demorado muito pra conseguir fugir.

— Cerca de um ano. Emily, inclusive, chegou a se casar com o servo, mas dizem que ela nunca se esqueceu de Bang Chan.

Fiquei imerso nos meus próprios pensamentos, me questionando se era possível amar alguém tanto a ponto de ir contra uma cidade inteira e sua profecia assassina pra viver esse amor.

— Espera — me virei na direção dele e Hyunjin revirou os olhos quando o fiz borrar a pintura no meu pescoço — Não deveria ser proibido as pessoas se casarem nesse lugar? Elas podem acabar tendo um filho e a intenção não é que todo mundo... Morra?

— Ninguém enxerga o sacrifício como a morte, não percebeu isso? Pra eles o sacrifício é a libertação, é apenas o começo da eternidade ao lado de Deus, inclusive, alguns até se voluntariam ao sacrifício antes dos quarenta anos. Ter um filho, pra eles, significa que no futuro terão mais uma alma pra libertar, mais uma glória pra ser oferecida aos céus. A reprodução não será proibida enquanto as videntes não receberem um sinal de que Deus condena isso.

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⏰ Última atualização: Oct 18, 2023 ⏰

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- 𝙋𝙍𝙊𝙁𝘼𝙉𝙊𝙎: 𝘾𝙞𝙙𝙖𝙙𝙚 𝙑𝙚𝙧𝙢𝙚𝙡𝙝𝙖;  (𝑚𝑖𝑛𝑠𝑢𝑛𝑔)Onde histórias criam vida. Descubra agora