Capítulo 2

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 Naquela manhã a cabeça de Ézer latejava devido ao exagerado consumo de álcool da noite anterior, tudo que ele queria era ficar em casa e sinceramente a ideia de passar o dia com Abigail não era ruim, sua esposa possuía uma presença agradável onde quer que estivesse e mesmo que ele não merecesse ela sempre lhe demonstrava carinho. Ele sabia que não era certo tratá-la daquela forma, sua consciência o acusava de que era constantemente tolo, rude e impulsivo. Ele sabia de tudo isso! Mas não queria ceder, não iria, seu pai havia lhe ensinado.

Ele ainda se recordava da cena e do dia em que decidiu que queria ser como ele:

Era tarde da noite, a chuva começava a cair e ele havia saído do quarto para petiscar algo na cozinha. Os criados haviam atendido a porta, uma mulher entrara e começara a conversar com seu pai, logo podiam-se ouvir tons exasperados de uma discussão acalorada que ele não pode compreender, um grito e o castelo voltou a ser como antes, silencioso.

Ao se aproximar da sala principal, Ézer até então com seus 14 anos, se deparou com uma mulher caída no chão aos pés de Lorde Hawkwood, ela não se mexia, nem poderia; o ar havia se esvaído de seus pulmões, seu coração já não batia mais e sua mão inerte caia ao lado de seu corpo. Como qualquer outra pessoa, Ézer devia ter ficado assustado ou assombrado com a situação, mas ele não era qualquer um; como seu pai vivia dizendo ele era um Hawkwood, herdeiro de tudo o que sua vista alcançava. Além disso, desde que aprenderá a andar, era levado a caçadas e quando tinha 8 anos já participava das negociações e planos diabólicos do pai para aumentar ainda mais a riqueza da família.

— Só os fracos cedem, só os fracos possuem compaixão e remorso — pegou um lenço do bolso e limpou a prata brilhante e afiada como se houvesse acabado de matar um esquilo — consiga tudo o que você quiser não importe o preço a ser pago e acabe com todos que colocarem a honra de sua família em risco, tudo para a glória da casa Hawkwood, lembre-se sempre disso Ézer. — finalizou o patriarca dos Hawkwood pegando um embrulho que estava sobre a poltrona e entregando a um de seus servos — livre-se disso; e disso — apontou para a mulher ainda no chão.

O servo com um olhar de assombro e confusão nos ficou parado no mesmo lugar e quase que inaudível perguntou ao seu senhor o que devia fazer.

— O mesmo que fazemos com todas as pragas indesejadas, jogue no rio, deixe na floresta para os lobos, NÃO ME INTERESSA! Mas tire essas criaturas daqui, AGORA!!!

Ézer viu o pai se servir de uma taça de vinho, sentar-se na poltrona e começar a beber saboreando cada gole; o menino se virou e caminhou lentamente até o quarto, trancou a porta e dormiu. Na manhã seguinte, quando acordou, parecia que nada havia acontecido, que tudo não havia passado de um sonho confuso que teve. Seu pai, sentado à mesa, saboreava uma fatia de queijo; usando uma roupa fina e um anel de ouro polido; a sala completamente limpa, sem nenhum resquício do que quer que fosse, a não ser pela falta do tapete de linho que ficava no centro. Naquele dia Ézer decidiu querer ser igual ao seu pai, rico, respeitado e sem medo de nada. No momento em que decidiu isso, era como se as palavras dele tivessem entrado em seu coração e enraizado em cada canto, sufocando qualquer sentimento bom que pudesse brotar ali, seu coração a partir daquele dia se tornou uma terra seca e árida, completamente estéril.

Voltando ao presente, enquanto estava cavalgando por suas propriedades, Ézer percebeu que o que lhe incomodava em Abigail foi o mesmo que fazia uma parte dele se sentir atraído por ela. Uma jovem bela, gentil, amável, dedicada e carinhosa, tudo o que ele não era. Ele não entendia porque não gostava de sua presença, o fato de estar no mesmo lugar que ela o incomodava e o que mais o irritava era quando ela começava a falar de Deus. Joana vivia fazendo-o, se lembra das histórias que ela contava, mas nunca deu atenção, lembrava também de seu pai proibindo a senhora de encher a cabeça de seu filho com lendas folclóricas — palavras dele — ele a considerava apenas uma senhora idosa e quase senil, que ainda era sã o bastante para cuidar daquela casa. Ele realmente não compreendia, passou poucas noites com sua esposa e no começo, ele percebeu que ela havia despertado algo novo nele.

Algo que o deixava — em sua opinião — fraco e vulnerável, aquilo o tornava covarde e tão miserável quanto aquelas pessoas que acreditavam que o amor e compaixão eram tão preciosos quanto receber o perdão de Alguém que ele nunca viu ou conheceu — por opção dele, é claro -.

Mas a verdade é que a luz que existia em Abigail não podia entrar em comunhão com as trevas que devoravam o coração e pensamentos de Ézer.*

O mau sempre estava ao seu lado, onde quer que ele fosse, pois o homem sempre deixava as portas abertas para ele, quando pensava coisas más e deploráveis, quando tinha maus olhos para tudo ao seu redor, quando deixava os ouvidos e olhos abertos para o mau mostrar e dizer o que fazer, quando levantava suas mãos contra o seu próximo, quando frequentava os piores lugares com companhias sem moral alguma e quando recusava qualquer pedido de Jesus para entrar em seu coração, mas permitia que as maldades enchessem ele com ganância, inveja, promiscuidade e orgulho.

Diferente de Deus, satanás não é educado, ele não pede permissão, simplesmente aproveita qualquer brecha e entra causando o máximo de estragos que puder. Se Ézer tivesse entendido isso e se arrependido antes que fosse tarde, talvez a história poderia ter tomado outros rumos.

*2 Coríntios 6:15

Luz além das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora