Capítulo um: Faíscas

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Enchanted - Taylor Swift

Eu sempre observei, enquanto todas as luzes estavam apagadas, um pequeno corpo, dentre milhares e milhares de outros, soltava faíscas cor-de-rosa que escapavam de seu peito e iluminavam seu quarto como pequenos vagalumes.

Não sei ao certo quando começou, é difícil para eu memorizar datas, mas lembro-me que aconteceu pela primeira vez em uma tarde de outono, uma tarde comum como qualquer outra, onde todos os corpos debaixo do céu seguem suas rotinas previamente planejadas e vivem sem esperança de que algo novo aconteça.

O ser do qual estou falando, um corpo jovem e aventureiro, é conhecido no mundo dos homens como Jamily.
- Ou apenas Mily - Dizia ela, ao apresentar-se para novas pessoas.
Mily não fazia ideia do próprio brilho e, na verdade, demorou bastante para notá-lo.

Na tarde onde tudo começou, ela estava na escola, gastando o tempo do intervalo com algum passatempo corriqueiro quando vivenciou seu primeiro contato brilhante.

- Você também joga esse jogo? - Um corpo jovem, um de seus colegas de classe, parou ao seu lado de repente.
Ele era alto, talvez o mais alto de sua turma. Tinha cabelos ondulados na altura dos ombros, em tons castanhos, que combinavam perfeitamente com seu tom de pele. Seus olhos escuros eram como dois abismos nos quais você se perderia se olhasse demais, e ele tinha um jeito um tanto introvertido, ao olhar de Mily.

- Sim.
Respostas monossilábicas. Eram tudo o que ela era capaz de dizer quando sentia-se estranha.
Muito perto, pensou.
Não dava para dar um passo, a distância entre seu corpo e o dele era quase inexistente.

- Eu já joguei ele também. - O jovem pegou o aparelho das mãos dela enquanto falava sobre como finalizar aquela fase.

Mily permaneceu imóvel, apenas murmurava em concordância quando necessário. Sentia que sua voz havia sumido, a linha de raciocínio estava embaralhada e sua capacidade de fazer contato visual não existia mais.

E embora não tirasse os olhos do jogo e ouvisse atentamente a cada palavra, sua cabeça girava em torno do porquê.
Por que Lucas, que nunca antes havia trocado uma palavra com ela, parecia tão confortável ao seu lado?

Era sexta. O dia estava quase chegando ao fim, afinal, no céu o sol já retornava aos seus aposentos, e na Terra Mily assistia a última aula daquela tarde: geografia.

O professor havia pedido uma breve apresentação de cada um dos alunos.
- Me digam seus nomes, e que carreira vocês pretendem seguir ao término da escola. - Pediu ele, que tinha uma voz muito agradável e familiar. Era um homem de média estatura, cabelos enroladinhos, barba, sorriso no rosto e estilo despojado. É o tipo de pessoas que sempre se percebe em meio a uma multidão. Ele parece um pintor, pensou Mily, quando o viu.

O professor começou a apontar quem faria a apresentação da vez, e começou por ele, Lucas.
Mily não pôde ouvir todas as palavras, mas ouviu o suficiente para sentir o coração pulsar. Havia ali alguém que gostava das mesmas coisas que ela, alguém cujo coração batia mais forte pelo que ela tanto valorizava. Para ela, era incrível.

Alguns outros alunos revelaram seus planos futuros. Mily sempre gostou desse tema, julgava muito importante escolher a profissão que seguiria, e gostava de ouvir os sonhos de outras pessoas. Mas naquele momento, toda a sua atenção estava dispersa.

De repente, o olhar do professor, e de todos os outros que estavam presentes, voltaram-se para Mily. Mas ela estava concentrada demais nas palavras que acabara de ouvir, afinal, não é sempre que se vê alguém com as mesmas ambições que as suas.

Felizmente, aquela era uma pergunta fácil naquele momento. Ela já havia ensaiado muito sua resposta no ano anterior.

- Meu nome é Jamily e... Eu quero fazer design gráfico. - Respondeu ela, rápida, sentindo seu rosto queimar diante dos olhares fulminantes.

Aquela não era bem sua resposta ideal, haviam muitas outras coisas que ela pensava em fazer, como ser licenciada em letras, dar aulas de português e espanhol, fazer teatro, canto, aulas de música e dança, e escrever... Mas ela não pensou muito para responder, aliás, não tirava os olhos do jovem à sua frente. Uma faísca pequena, mas não o suficiente para ser invisível, ascendeu em seus olhos.

À noite, quando deitou-se para dormir, finalmente em silêncio e a sós com os próprios pensamentos, viu-se pensando na possibilidade de conversar com ele, com Lucas. Mas parecia cedo demais, parecia errado.

"Bobagem sua achar que conseguiria, você mal consegue manter uma conversa" foram as últimas palavras nas quais pensou antes de adormecer.
E quando adormeceu, pude ver, através da janela, que um pequeno feixe cor-de-rosa surgiu brevemente em seu peito, e desapareceu na mesma velocidade.

Corações Astros e Rastros de LuzesOnde histórias criam vida. Descubra agora