- Lian, eu recebi hoje. Ontem, na verdade, mas esqueci de te dizer.
Eu sorrio imediatamente.
- Kamahla, ainda bem!
Nossa, a melhor notícia da manhã. Dinheiro ultimamente se tornou o alvo de alguns problemas nas nossas vidas, devido a não estarmos focados em algo especificamente. Quer dizer, a gente sabe o que quer fazer, mas não temos a oportunidade de fazer ainda. Pois pra fazer precisamos de dinheiro e o dinheiro é exatamente o que a gente não tem.
Mas eu tinha uma pequena quantia guardada em sete cadeados e eu não tinha o suficiente para ajudar minha amiga. Porém agora ela tinha recebido mais cedo e podia comprar seu ingresso.
- só tem um probleminha, amigo. – a voz dela muda no stelk e meu coração atrasa uma batida.
- que?
- liga o modo visual.
Quando eu ligo o holograma que surge é dela, ainda com cara de sono e um dos olhos parcialmente inchados e vermelhos.
- isso não é o que eu tô imaginando, é?
- acredito que sim.
- Kamahla, que merda!
- é, eu sei.
Só podia ser brincadeira que minha amiga ia ficar doente só por ter recebido, não né?
- Kamahla, e eu vou com quem agora?
Não que eu tivesse problemas em ficar sozinho. Ultimamente eu estava completamente oculto, praticamente me forçando a ter alguma coisa social. Mas eu sempre vou na Ternópoles com ela... E hoje era tão especial...
- eu não sei. – ela me responde.
Eu suspiro devagar.
- tudo bem. Se cuida. Passa soro nisso aí, tá bom?
- tá bom. Que livro é aquele que você postou? O cheio de marcações? É tudo isso mesmo?
E daí em diante o assunto muda completamente, mas a ausência dessa peça na minha vida ainda fica na minha mente. Eu tinha chamado outra amiga minha, mas o pai dela ainda era muito protetor com ela e não a deixava passar a noite fora – isso por ele nem saber pra onde ela ia.
Eu tenho um grupo de pessoas que não são amigas de fato, mas sempre estão presentes nos eventos. Porém, parece que a mesma maré de azar que assola eu e Kamahla também pegou todos. Ou seja, com eles eu não podia contar.
Havia convidado meu professor de dança, mas o mesmo disse que preferia passar o domingo chuvoso em casa, deitado e comigo esquentando ele. Rapidamente o dispensei e parti pra outra tentativa.
Chamei outras três pessoas que conheci num aplicativo adulto mas todas estão com outras coisas marcadas.
Eu realmente estava sozinho.
- eu não sei o motivo de ainda pedir pra Vitória fazer as coisas pra mim. – eu reclamo enquanto me olho no espelho. Meus cabelos cacheados estão incrivelmente baixos, quase rente minha cabeça, os lados raspados. Eles ainda são loiros mas eu havia descolorido as pontas.
Essa parte estava legal, mas a merda estava onde eu não conseguia enxergar, na parte de trás, onde eu havia pedido pra minha irmã passar o descolorante.
E como consequência, ela passou demais e manchou minha cabeça.
- o que é, inferno?! – a voz dela vem de longe.
- tu fez merda no meu cabelo, cretina!
- mandou eu fazer, então se vire!
- nunca mais te peço nada!
- um favor que me faz!
Eu rosno pra mim mesmo no espelho, encaro meus olhos castanhos e ponho a minha gravata borboleta.
O in the shadows é um evento onde eles disponibilizam canetas, pulseiras e tintas neons para as pessoas, e a festa toda virava uma loucura de desenhos e música alta. A maioria ia com camisa branca pra manter um padrão, mas eu não ia estragar a única camisa cara que tinha com tinta – principalmente por minha mãe ter me dado. Então eu ia como um dos strippers: sapato, calça preta colada e gravata borboleta.
Ficou legal, meu trapézio, ombros e peitos ficaram mais evidentes, a gravata chama atenção pra essas partes e o que me deixa feliz, já que são as partes que malhei no último dia, então os músculos estão em mais contraste.
Dando um sorriso pra mim mesmo eu tiro a gravata e saio do banheiro.
A manhã foi se arrastando rápido, o dia estava assustadoramente chuvoso, já que aqui no litoral é difícil isso acontecer. E nada demais estava acontecendo, além de implicar com minha irmã e o namorado dela – além de fofocar com minha mãe.
Eu estava entediado quando recebi uma mensagem no stelk: meus pais saíram, vem cá pra eu te chupar.
Encarei o vídeo passando no projetor e penso duas vezes.
Mas quem negava uma chupada quando estava no tédio?
Quarenta minutos depois eu estou de volta em casa, extremamente suado e sorridente.
- e aí, como foi? – minha irmã pergunta.
- não é da sua conta.
Eu rio e vou pro meu quarto, arrancando camisa e bermuda. Preciso de um bom banho. Coloco música no meu stelk e canto alegremente. De alguma forma meu humor estava nas alturas.
Porém nada interessante aconteceu durante toda a tarde, depois de fofocar mais um pouco com minha mãe e debochar da minha irmã eu decidi começar a me organizar para a noite.
- Lian, a gente vai descer. – minha mãe surge na porta do meu quarto.
- boa viagem.
- olhe aqueles bolos no forno.
- tudo bem, levem a outra chave.
- pra?
Eu olho pra ela.
- talvez quando voltarem não estarei mais aqui.
Ela cerra os olhos pra mim.
- se você tiver pensando em sair hoje, pode...
- ah, minha querida, não se preocupe.
Ela me lança um olhar assassino.
- então eu quero voltar e você não estar aqui.
- eu quero saber quantos anos eu tenho.
- e eu quero saber quem mora na casa de quem.
Eu fico mudo e ela se dá por satisfeita.
- se o meu bolo queimar ou ficar cru eu dou na sua cara. – e ela sai.
Sorrio comigo mesmo, voltando a cantar. Minha mãe tem um instinto superprotetor, mas as vezes eu acho que isso ultrapassa as vezes, principalmente quando ela não demostra ter confiança em mim – não que eu não tenha dado motivos antigamente. Mas eu mudei.
Mudei muito. Principalmente nos últimos quatro meses.
Mas eu vou pro in the shadows essa noite. Ah, se vou.
A noite chegou e começou a avançar rápido. Minha família estava de volta, menos o namorado da minha irmã que tinha ido pra casa, e eu já estou terminando de me arrumar. Acabei colocando minha camisa de botão branca mas com a promessa de tirar assim que entrasse na Ternópoles.
Minha mãe abriu a porta do quarto e paralisou.
- pra onde vai?
- sair.
- e o trabalho amanhã?
- amanhã é feriado, mãe.
Ela fica calada por um momento.
- aí vou passar mais uma noite preocupada?
- sem motivos. Eu já falei que sei me virar no mundo. E pra onde vou é mais seguro que qualquer outro lugar. Relaxe.
Ela me olha. Então minha roupa.
- gravata borboleta?
- eu tenho que usar em alguma coisa.
Então ela sai.
Termino de me vestir, ponho meus anéis e pego minha carteira, já que não pago por ser divulgador oficial da casa noturna sobra mais dinheiro pra comprar água. Lanço um olhar de deboche pra minha irmã e saio de casa esperando meu carro chegar.
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In The Shadows - a noite dos demônios
Ужасыbons DJs, pessoas sexy e tinta néon, tudo o que Lian esperou encontrar no festival da boate que frequenta. No entanto Lian não esperava que, em meio a novas amizades, iria dar de cara com demônios vindo diretamente de outra dimensão com desejo de sa...