Feliz dia dos Pais

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Hoje é dia dos pais. Tenho 16 anos. É a primeira vez que sinto a ausência dele tão forte. Nunca chorei o buraco no peito que você deixou. Hoje sinto vontade.
Talvez seja a terapia, que tem me ajudado a reconhecer certas dores. Ainda há muito em mim para curar. Muita dor que me recusei a sentir, feridas gigantes em que só coloquei band-aid. Escrevo para entendê-las.
Senti-las.
Não gosto do som do seu nome. Me sinto mal de escrevê-lo, pensar nele, de falar ele. Mas não quero e tampouco acho que você mereça o título de pai.
No fundo, queria que você não existisse. Passei anos fingindo que você não existia, e agora me sinto obrigada a encarar sua ausência. Ela ocupa vazios gigantes dentro de mim. Faz eco.
Tenho tanta coisa pra falar. Tanta coisa. Não quero falar.
Preciso.
Sinto raiva de você. Muita. Queria que você tivesse morrido. Que jamais soubesse que existo, que ET's tivesse te abduzido e apagado sua memória pra te fazer esquecer de mim, que estivesse sob ameaça da máfia e por isso nunca tivesse se aproximado.
Queria algo que me fizesse acreditar que sua ausência ia além da sua responsabilidade, que você quis me conhecer, me amar.
Quero me agarrar a idéia de que você quis ficar, mas não teve escolha. Que quis ser meu pai.
Você não quis. Você teve escolha.
Foi escolha sua me abandonar.
Sinto raiva porque queria que você fosse diferente. Queria que tivesse me ensinado a nadar, que me levasse no estádio pra ver os jogos do nosso time, que tivesse levado café na cama no meu aniversário, que tivesse me dado banhos gelados na noites de febre, que estivesse lá na minha formatura do ABC, que estivesse lá quando entrei no IF, quando ralei o joelho, que fosse o colo que eu precisava. Queria que tivesse me dado conselhos sobre garotos, que tivesse me levado no shopping, comprado livros comigo, ido ao cinema comigo.
Queria que você se importasse comigo. Você nunca sequer me perguntou minha cor favorita.
Eu odiava aquelas sapatilhas que você me deu. Aquelas roxas que você comprou sem sequer perguntar antes se eu gostava.
Eu odiava sapatilhas. Não gosto delas e nunca gostei, mas usava aquelas quase todo dia. Usei até rasgarem.
Pra minha versão de sete anos, elas eram a promessa de que você voltaria na semana seguinte, que iria me levar na sua casa, que iria me apresentar pra sua família, que de alguma forma, eu seria parte da sua vida.
Não foram.
Eu tinha sete anos. Sete. Minha primeira memória de você foi criada aos sete anos.
Que tipo de monstro compra presentes, faz promessas, dá abraços e some? Você.
Eu era só uma crianca.
Cinco anos até você voltar. Eu tinha 12 dessa vez. Mais quatro anos sumido.
Aos 16, quando você, tendo acesso direto a mim, não se dignou a me dar um "feliz aniversário, filha." eu decidi colocar um ponto final nessa história. Passei muito tempo vivendo com sua presença de fantasma. Me assombrando. Não quero mais isso. Não permito.
Cresci achando que deveria atribuir a alguém o dia dos pais. Meu avô. Minha mãe. Meu padrinho.
Eles não são meu pai. Não são você. E jamais serão.
Não mais. Esse ano não.
A partir de agora atribuo esse dia a você. A sua ausência. Ao buraco no meu peito. Me recuso a preencher sua falta. Quero me lembrar da dor que suas ações me causaram, porque se você tentar voltar, não vou permitir.
Sinto raiva de você. Cresci achando que deveria te amar mesmo sem te conhecer, que era minha responsabilidade estar pronta pra te acolher na minha vida, independente de quando você chegasse, e de quanto tempo ficasse.
Me culpei por não te amar. Me culpei pela sua falta.
Se eu fosse mais bonita, se eu fosse mais inteligente, se me destacasse mais na escola, se falasse mais baixo, se me parecesse menos com a minha mãe. Se não fosse eu.
Eu era uma criança.
Hoje sei que não te devo absolutamente nada. Nem sequer meu perdão.

Feliz dia dos pais, pai.

The Sirens Song - Poesias [CONCLUÍDA] Onde histórias criam vida. Descubra agora