Capítulo 2

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Colocaram-me em uma maca e fui posta em uma ambulância que levava para o hospital, minha mãe gritava pedindo que eu reagisse, mas eu me mantive em silêncio perdida em meus pensamentos, apenas levantava o olhar inexpressiva. Eu sei que ela estava preocupada, mas precisava entender que aquele não era o momento para falar qualquer coisa. Fui sedada, eu já não sabia mais o que estava acontecendo ao meu redor e quando acordei, estava em um quarto com paredes esbranquiçadas, era possível saber que eu estava num quarto de hospital só de sentir o cheiro inconfundível de álcool e desinfetante. Lá estava ela do meu lado, minha mãe estava com o corpo jogado em uma cadeira desconfortável esperando que eu acordasse.

- Mãe!? - disse com a voz trêmula, ainda um pouco confusa.

- Oh minha filha, que bom que você acordou - falou com os olhos ameaçando marejar.

Passei a mãe cuidadosamente pelo local que havia sentido o ferimento e notei alguns pontos na perna, porém não apresentava dor, talvez fosse efeito da anestesia.

- Acho que aqui nada vai nos impedir de ter aquela conversa de mais cedo - sorri como se um velhinho na fila do supermercado tivesse acabado de contar uma piada sem garça.

- Filha... Prometo que lhe contarei toda verdade, mas você acha que está pronta?

Fiz que sim com a cabeça e esperei.

- Naquela ligação eu estava falando com meu supervisor, eu sou uma agente do FBI e recebi instruções para ajudar em um caso junto com o ABIN, agência brasileira de inteligência. Eles me escolheram, pois corremos perigo se continuarmos aqui. Por um descuido, me deixei ser descoberta pelos inimigos e por isso precisamos partir por um tempo. Iremos começar uma nova vida em um novo lugar, talvez você goste... Vamos para Sergipe, um estado brasileiro totalmente diferente daqui.

No começo achei que fosse brincadeira toda essa história maluca de agente secreta, mas na medida que ela falava, parecia que se tornava realidade. Fiquei com muita raiva, como ela pôde esconder algo desse porte por tanto tempo? Nada justifica essa atitude!

Após essa informação, minha vida se transformou em uma montanha russa. Mudamos nossos cortes de cabelo e estilo de roupas, até porque iríamos para um país tropical, lá o sol não brincava em serviço. Minha mãe teve que mudar de nome, agora ela seria chamada de dona Beth Ferraz e todas mudamos de sobrenome junto com ela.

Não tínhamos casa e nem cidade fixa, vivíamos nos mudando e não foi nada fácil se adaptar naquele novo local, principalmente aprender uma nova língua, cá entre nós, falar português do Brasil é mais difícil do que construir um foguete que viaje no tempo.

Passamos alguns longos meses no Brasil e logo quando estava me adaptando a cultura, culinária e idioma, minha mãe foi chamada para um novo caso. Dessa vez voltaríamos para os Estados Unidos, ela teria que mudar de identidade de novo e nosso desafio da vez seria: viver a vida mais normal possível. Era incrível a tranquilidade que minhas irmãs encaravam a situação. Em meio a todo esse caos, eu me sinto perdida, acho que por elas saberem a verdade a mais tempo, conseguem lidar melhor com essas idas e vindas, talvez fossem imunes.

Como eu sinto falta da presença do meu pai nesses momentos, ele saberia exatamente quais palavras usar para me confortar e acalmar em meio a toda essa turbulência. Meu pai partiu em uma missão do exército quando eu tinha 11 anos e morreu em combate, isso fez com que meu mundo desmoronasse e mudasse completamente todas as áreas da minha vida. Agora sabendo disso tudo me veio o questionamento: será que meu pai sabia da vida dupla da minha mãe? Se sim, ele também mentiu pra mim, sempre confiei naquele homem, ele me passava segurança e parecia sincero. É como minha irmã mais velha costuma dizer: Nunca confie em um homem.

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Sentirei falta dessa vida, das pessoas que conheci e até mesmo da vida humilde que levei nesse meio tempo, mas de uma coisa eu com certeza não sentirei falta: o calor! Não sei se é o estado escolhido ou se todo país é assim, mas havia dias que era impossível sair de casa, sentia como se fosse derreter e virar uma poça d'água a qualquer instante.

O país em si é lindo, muitas florestas, praias, animais, diversidade de lugares para explorar... As pessoas parecem mais felizes e passam uma energia contagiante e acolhedora. Talvez um dia eu volte a morar aqui.

"Atenção passageiros, o voo internacional 3465 sairá em quarenta minutos, por favor dirijam-se ao seu portão de embarque."

A voz feminina ecoou fazendo-me desligar de meus pensamentos. Era o nosso voo, era hora de embarcar, em algumas horas estaríamos em terra firme no país que nasci. Eu estava com medo do que viria daqui pra frente, o quer seria da minha família e de minha vida. Teríamos nossa vida normal novamente?

Talvez eu preferisse nunca ter descoberto a vida dupla de minha mãe, tem sido muito cansativo não se apegar a nada nem a ninguém. Mas essa era a realidade atual e cabia a mim aceitar. Embarcamos no avião, faz tempo que eu não entrava em um. A sensação de ansiedade com uma pitada de entusiasmo crescia em mim a cada passo que dava naquele corredor estreito. Procurei a poutrona da janela, me sentiria mais confortável em voar admirando o horizonte.

- 'Vaza' tampinha - disse Anna, minha irmã do meio acabando com meu sossego e determinada a me tirar da poutrona.

- Não mesmo! Cheguei primeiro - juntei as sobrancelhas encarando-a.

- E eu sou mais velha que você, isso me dar mais direito - continuou, puxando meu braço.

Minha mãe viu toda situação e foi até nós para separar e resolver a situação.

- Vocês duas parem já com isso! Parece que ainda tem 11 anos. Não estão vendo que estão chamando atenção demais para nós? Temos que ser discretas!

Olhamos a nossa volta.

- Agora saiam da janela, eu irei nessa poutrona para acabar de vez com essas desavenças - continuou minha mãe séria.

Cabia a nós somente obedecer.

Patinando nas EntrelinhasOnde histórias criam vida. Descubra agora