Quando já estava dentro do terminal lotado de pessoas, vi um borrão amarelo dando partida e se afastando lá fora, até sumir de vista. Apesar de ter certeza que jamais veria aqueles dois novamente, não pude deixar de pensar qual seria a próxima parada de Joe e Zach, Eu só queria, mesmo que por alguns segundos, sentir a sensação de ser totalmente livre, como eles.
O barulho de vozes e passos do terminal cada vez mais lotado me arrancou dos meus pensamentos. Parecia tentador simplesmente sentar por alguns minutos e pensar sobre tudo o que tinha acontecido nas últimas horas. Minha mente parecia dominada pela adrenalina e o meu coração batia forte já há tanto tempo que simplesmente parecia normal sentir as batidas aceleradas, quase querendo saltar do meu peito. Mas, eu não tinha tempo para sentar e processar nenhum acontecimento. Precisava encontrar o balcão mais próximo e comprar uma passagem para San Francisco.
Antes, chequei o relógio dourado em meu pulso, que marcava 10:09 da manhã. Por que parecia que umas 30h já haviam se passado desde que entrei naquele ônibus?
Às 10h, meu pai ainda continuava no trabalho e minha mãe estava no clube, ao lado de suas amigas – ou deveria dizer colegas de trabalho? E era um horário perfeitamente aceitável para eu estar ajudando no bazar da igreja. Portanto, eu ainda tinha tempo, antes que os meus pais descobrissem tudo e acionassem quem fosse preciso para me rastrear onde quer que eu estivesse. Naquele momento, eu desconfiava que nem mesmo a lua seria um esconderijo tão confiável contra a fúria de Martha e Fred Collins.
Talvez eu devesse simplesmente pegar o ônibus e voltar para casa. Me contentar com a faculdade Luterana de Letras. Não devia ser tão ruim assim, não é mesmo? Estudar por quatro anos ao lado de dezenas de garotas que nem ao mesmo sabem o motivo de estarem ali, falando sobre casamento e o nome dos futuros herdeiros...
É, até mesmo a fúria dos meus pais parecia uma opção melhor em relação a um futuro como aquele.
Enquanto minha mente trabalhava pensando nas opções limitadas de futuro que eu teria ao escolher voltar para casa, meu corpo continuava na missão de localizar o balcão e comprar as passagens. E, bingo! O balcão estava logo à minha direita, um pouco escondido por uma fila de homens, mulheres e crianças que esperavam a sua vez. Todos pareciam tranquilos demais, mas por que eu pensava que não estariam? Talvez a adrenalina de fugir de casa já havia começado a afetar meus neurônios.
Entrei na fila, logo atrás de um senhor alto e com os cabelos brancos quase completamente escondidos por um chapéu caramelo. Abri a mochila para checar se todos os meus pertences continuavam ali e suspirei aliviada ao ver a câmera bem guardada, assim como todas as minhas roupas.
Enquanto a fila a minha frente diminuía, e me aproximava ainda mais do balcão para comprar as passagens, comecei a ouvir a voz simpática da atendente que pedia os documentos. 'Bom dia, senhora. Como posso ajuda-la? O próximo trem para San Diego sai em uma hora. Seus documentos, por favor".
Certo. Então era simples. Era só eu pedir a próxima passagem para San Francisco, entregar meus documentos e...
Espera. Meus documentos.
Eu já tinha idade suficiente para viajar sozinha, mas a passagem seria emitida no meu nome. Isso significava que, a partir do momento que Martha e Fred descobrissem o meu desaparecimento, eles me encontrariam em um instante. E assim que o trem chegasse em San Francisco, eu já teria uma viatura me aguardando para me escoltar de volta para casa.
Meu Deus, Alice. Como você podia ser tão burra?
Sai da fila com um susto, com medo de até mesmo a menor proximidade daquele balcão pudesse denunciar o meu paradeiro. Não sem antes assustar uma criancinha ruiva parada atrás de mim, que começou a chorar e pedir colo para a mãe, que agora me olhava feio. Sem conseguir pensar no que faria a seguir – na verdade, sem conseguir pensar em qualquer coisa – desatei a correr para fora do terminal. As mulheres, em seus vestidos comportados, me olhavam feio e precisei lembrar como eu me parecia para elas: como uma adolescente rebelde e definitivamente sem uma boa família, com meu short jeans e óculos escuros.
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Próxima parada, Liberdade!
RomanceENEMIES TO LOVERS | TRIÂNGULO AMOROSO Em 1975, 'era de ouro' da Califórnia, Alice Rose Collins decide fugir dos pais conservadores para realizar o seu sonho de se tornar uma artista. Ela esperava encontrar desafios ao escapar de casa mas, definitiv...