The Line

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Eu nunca beijaria um amigo.

Até agora, tenho exclusivamente beijado inimigos e funciona pra mim, principalmente por que eu adoro sexo regado em ódio e temperado com uma pitada de raiva. Acredito firmemente que é muito melhor ter um simples ex-namorado do que um amigo-que-virou-namorado-depois-nada, se é que faz sentido.

Eu tenho seguido essa regra por 23 anos e contando, por mais que tenha me aproximado de quebrá-la algumas vezes.

Na primeira vez eu tinha 13 anos. Todas as minhas amigas estavam começando a ter suas primeiras experiências "amorosas"—ou tentando, já que sempre terminava tragicamente mal. Eu e o Boruto sempre fomos próximos, o que me levou a ser, por vezes, a ponte entre ele e as garotas interessadas nele. Não que eu me importasse, mas acho que ele ligava, afinal, um dia, quando estávamos sozinhos em minha casa, me fez uma pergunta como quem não queria nada.

— Por que você continua tentando me juntar com todas as garotas lá da sala?

— Elas gostam de você, dê uma chance para pelo menos uma delas.

— E se a garota que eu gostasse fosse você? Ainda ia querer que eu desse uma chance para outra? — Senti um suor frio descer pela coluna, meu estômago de repente começou a revirar. 

— Você não gosta de mim, somos amigos. — Revirei os olhos e falei o óbvio, porém, nunca esqueci aquele dia. O olhar dele, a sensação de que meu coração iria sair pela boca. Senti as pontas dos meus dedos pulsarem; consigo reviver essa sensação agora, como um deja vu.

Pensando em retrospecto, parece mesmo que ele estava interessado em mim e que a pergunta não era hipotética. Mas era, e eu sei disso porque levou anos para que algo do tipo acontecesse novamente.

A segunda vez nós éramos um pouco mais velhos, em um cômodo um pouco mais lotado. Eu já tinha dezesseis anos e adquirira certa experiência romântica ao longo do tempo, sendo assim, era um pouco mais complicado tentar me tirar do sério. A festa estava indo bem, não lembro exatamente na casa de quem que era, por isso irei omitir esse detalhe. Mas a gente—o Boruto e eu—estava sentado no chão em um canto. Eu havia acabado de voltar de uns amassos muito confusos com um carinha da turma B e talvez meu cabelo e maquiagem estivessem fora do lugar. Tive essa impressão, pois quando sentei ao lado do meu melhor amigo, ele começou a consertar meus fios bagunçados. Eu ri, ele riu. Boruto deslizou a mão para minha nuca, e na tentativa de arrumar meu cabelo ele bagunçou minha cabeça.

Tinha algo sobre ele naquela noite, e em muitas noites seguintes, por um tempo. Os olhos dele iluminavam-se para mim como nunca antes, suas íris azuis de repente pareciam feitas de água, como se estivessem prestes a transbordar. Eu não falei nada do dia da festa quando ele me puxou para perto e me deu um abraço. Acho que foi isso, o abraço mudou tudo. Não havia experiência romântica que me preparasse para as coisas que eu senti enquanto os braços deles estavam ao redor do meu corpo. Ainda que eu seja a favor do diálogo, acho que posso dizer que, às vezes, algumas coisas não devem ser ditas. Pelo bem maior.

Percebe um padrão? Por mais que eu tenha a regra de nunca me envolver com amigos, meu melhor amigo infelizmente não tem. O que torna tudo mais difícil para nós dois. 

O que tornou tudo mais difícil ontem, o dia em que tudo deu errado.

Ele nunca tentou nada comigo—e eu nunca estive tão perto de quebrar de vez e sem reparos a única regra que eu tenho na vida. Por que eu estou solteira e o Boruto acabou de ficar solteiro e—droga, parece que tudo que ocorre na minha vida volta para ele. Fazia muito tempo que não ficávamos solteiros na mesma época, e eu sou uma pessoa que acredita que pode haver amizade entre duas pessoas incrivelmente atraentes. Uma amizade que pode se dar ao privilégio de ir a um jantar a luz de velas e tomar um bom vinho sem necessariamente ter romance envolvido. 

The Stories of Us: Coletânea BoruSaraOnde histórias criam vida. Descubra agora