Prólogo

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Não Revisado

Junho, 1819

O céu escuro e profundo traz certo conforto a monarca, ela observa como a vida noturna prospera, pequenos animais correndo pela vastidão do jardim, vagalumes enfeitam a paisagem e um filhote de urso perambula tentando encontrar um lago para buscar alívio na grande onda de calor, está mais quente do que o normal, até mesmo para o verão. Miranda suspira, bebendo um gole generoso do whisky e joga a cabeça para trás, mão esfregando o pescoço, a pele pálida e sensível já ruborizada. Nem mesmo o gelo parece ajudar a refrescar, é frustrante.

- Não vem se deitar, meu amor? - Genevieve pergunta, já vestida em uma camisola suave e pronta para dormir, esperava pela esposa há mais de meia hora para se deitarem juntas.

Os olhos azuis se abrem para encontrar a jovem em sua frente, sua aparência angelical contrastando com a escuridão atrás de si, o vento suave atingindo os cachos ruivos, olhos castanhos doces a encarando em expectativa e um sorriso suave, que a mulher sabe não ser totalmente verdadeiro. Não de uma maneira mesquinha, sua esposa não é assim, justamente o contrário. Genevieve, alguns anos mais nova, tinha outros planos para sua vida, desde a tenra idade demonstrou interesse na vida religiosa e desejava se tornar freira, até seu pai, um velho conde sem herdeiros além dela, pediu no leito de morte para que ela a desposasse. Elas mal se conheciam, aos poucos descobrindo serem totalmente opostas e quando a tocou pela primeira vez realmente sentiu como se pudesse quebrá-la, era frágil, inocente e, mesmo que em luto por seu destino roubado, tentando agradá-la. Estando logo nos braços dela, o dragão, título ganho com mérito. Não pode dizer que são apaixonadas, nunca houve desejo ardente, mas aprenderam a se amar e têm profundo respeito uma pela outra. Fizeram isso acontecer e no processo desenvolveram uma amizade que ambas valorizam.

- Eu já estou indo, Vivi. - ela alcança a mão delicada e deposita um beijo gentil nas costas, sente-a tremer sob o toque - Eu fiz algo errado? - mesmo tendo sido um casamento arranjado nunca fez algo que pudesse a machucar ou tocou nela com algo além de carinho e devoção.

- Os fantasmas...

E mais uma vez voltaram para o tema que vem tomando conta de suas rotinas noturnas há semanas, a vida de Miranda há anos. Desde que a avó, aquela quem homenageia com o próprio nome, caiu pelas escadarias após descobrir que o marido morreu em batalha e neste fatídico dia o sangue dos Priestly fora amaldiçoado. Cada um morrendo de formas misteriosas e sombrias, fazendo vítimas como seus primos, tios e até mesmo o pai, que morrera empalado em uma armadilha para onças pardas, sua mãe recebeu a fama de louca por dizer a todos ser perseguida por sussurros desde a morte da sogra, tendo paz apenas quando mudou-se para as Américas, sem alguém como companhia, exceto os criados de confiança. Mas Miranda nunca ouviu ou presenciou, apenas consolou a mãe que berrava de medo pelos corredores, depois de alguns anos tornou-se apenas uma lenda. A lenda que persegue seu sobrenome e atormenta aqueles que nela acreditam.

- Meu amor, não deixe as bobagens que ouve te afetarem assim, pode fazer mal a nosso filho. - a ruiva imediatamente espalma a mão sobre a pequena protuberância de forma protetora, em um trimestre o novo herdeiro de Wolveshire chegará ao mundo - E há guardas para te proteger, além disso estarei aqui para te proteger, apenas preciso me refrescar um pouco mais.

Isso parece tranquilizar a jovem e ela consegue sorrir genuinamente, se sentindo momentaneamente aliviada, sabe que quando a esposa lhe diz algo é como uma promessa velada. Porque Miranda não promete, mas mantém sua palavra. Sempre.

- E as meninas?

- Estão com minha irmã, elas não quiseram desgrudar dela. - as gêmeas, suas primogênitas, correram para a suíte real em busca das guloseimas e jogos de tabuleiro da tia, quem não viam há muito tempo - Elas estão bem. Agora tente descansar um pouco, foi um dia cansativo.

De fato, foi um dia cansativo e também cheio de compromissos por convenção, o casal veio ao castelo na capital para passar algum tempo com a família e também participar dos eventos sociais, como partidas esportivas, passeios de barco, piquenique e o duelo, qual Miranda foi uma parte ativa. Seu braço deslocado e os remédios na mesinha ao lado da poltrona são prova disso, mas mesmo assim conseguiu vencer de outro duque.

- Me juntarei a você em breve. - complementa.

Elas trocam um sorriso singelo e Genevieve aperta sua mão antes de voltar aos aposentos, andando a passos rápidos até a cama, correria se não estivesse grávida e se colocou debaixo das cobertas, agradecida pelas portas para a varanda, onde a esposa está, estarem abertas. O vento consegue chegar até ela e sabe que se precisar a ajuda está ali, é um pouco reconfortante.

Não muito depois ouve-se uma batida na porta, imediatamente chamando a atenção de Miranda e ela se levanta antes que a jovem possa se mover, não quer que ela se esforce muito, principalmente por seu estado. Presume que seja sua irmã, Miriam, pronta para entregar as duas crianças de quatro anos hiperativas, por mais que adore as sobrinhas nunca consegue acompanhá-las por muito tempo. Sempre diz que talvez seja a idade, esquecendo que a mãe delas é sua irmã gêmea. Ela está pronta para ouvir todas as desculpas esfarrapadas, mas ao abrir a porta não encontra nada além das paredes de pedra, a madeira atrás de si parece ganhar vida a empurrando para fora do cômodo, caindo de joelhos. No mesmo momento, um grito estridente é ouvido.

- GENEVIEVE! - grita tentando abrir pela maçaneta e ao não conseguir se empurra contra a porta, espera que os guardas façam o mesmo, só então percebe que ambos estão desmaiados em seus postos - GENE... - tudo é muito rápido, antes que possa gritar novamente ouve outro grito, este é distante, seguido por um baque, a voz morre no caminho.

A porta se abre misteriosamente, igual mágica e não há ninguém no quarto. Nem sua esposa. Uma rajada de ar frio bate contra seu rosto, varrendo o cabelo dos ombros e fazendo-a estremecer antes de entrar, as cortinas da porta da varanda estão inquietas, os vagalumes que ali estavam se foram e um relâmpago silencioso atravessa a escuridão. As velas se apagam e no breu procura pelos familiares cabelos ruivos, sem sucesso.

- Não... - com medo se aproxima da varanda, temerosa de que sua suspeita seja confirmada - NÃOOOOO! - o grito pode ser ouvido por todos ali, atrás de si forma-se uma fileira de criados e nobres na entrada do quarto, a irmã é a única que se aproxima, soltando um grito estrangulado com a visão, tomando-a nos braços tentando evitar que ela olhasse por mais tempo - Não, não, não... Miriam, não pode ser...

Ali, no mesmo jardim que admirava há meia hora, está sua doce esposa, deitada contra a grama recém cortada, olhos fechados, mão sobre a camisola, sobre o filho tentando protegê-lo. Se não fosse pelo sangue escorrendo atrás de si, qualquer um poderia dizer que Genevieve dorme despreocupadamente sob o céu veraneio. Em paz.

E essa memória ficou presa na mente de Miranda, de como perdeu a esposa, a mãe de suas filhas e uma grande amiga, e seu filho não nascido, duas almas inocentes ceifadas do mundo. Desejou que fosse ela mesma no lugar deles. Pela primeira vez não cumpriu a palavra, deveria protegê-los, ter ido se deitar quando foi chamada... E também, pela primeira vez, acreditou na maldição de sua família, odiou ser uma Priestly.

A chuva forte começa a cair mascarando suas lágrimas crescentes.

Seu coração se foi com Genevieve.

Olá, estou de volta com uma nova história, tentando me aventurar em duas coisas que nunca tentei antes, romance de época e G!P, então me perdoem qualquer coisa. Adoraria ler sobre a opinião de vocês, ideias, críticas construtivas, tudo me ajuda a fazer uma história melhor para vocês lerem, espero que tenham gostado. Até o próximo capítulo, beijos!

Priestly Curse - Mirandy G!POnde histórias criam vida. Descubra agora