Coração Selvagem

Capítulo II

    No dia seguinte, o sol nasceu dourando o horizonte quando o toque do meu telefone cortou o silêncio matinal. A voz animada de Marcos soou do outro lado da linha, embora não tão empolgada quanto antes. "Ei, Lucca, tudo bem por aí?"
    Sorri, contente por ouvir a voz de um velho amigo. "Está tudo bem, Marcos. O que está acontecendo?"
    Ele deu uma pequena risada. "Você não acreditará no que vou lhe contar. Lembra-se daquele sonho de infância de explorar o mundo? Bem, essa é sua chance de realizar isso. Eu tenho informações sobre um novo iate de luxo, projetado especialmente para proporcionar viagens incríveis para os ricos e cansados de sua própria rotina."
    Curioso, perguntei: "E como isso funciona exatamente?"
    Marcos explicou: "É uma ideia inovadora. Os ricos alugam o iate para escapar de suas vidas cotidianas. Eles podem levar quem quiserem e aproveitar todos os luxos que o iate oferece, desde destinos paradisíacos até entretenimento de alto nível. E adivinhe só? Eu consegui uma vaga para você!"
    Fiquei intrigado com a proposta, embora minha cautela permanecesse. "E o que eles esperam encontrar nessa viagem?"
    "Não se trata tanto do que eles encontram, mas sim do que eles criam. Eles buscam a experiência definitiva de conforto e relaxamento. E adivinhe quem é o sortudo convidado que pode desfrutar disso? Você, Lucca!"
    Eu ponderava sobre a oferta, considerando a possibilidade de escapar um pouco da minha própria rotina. "Essa é uma oferta tentadora, Marcos. Eu sinto que estou preso em uma rotina vazia ultimamente."
    Ele assentiu, mesmo que eu não pudesse ver. "Exatamente! Essa é a chance de experimentar algo novo e excitante. Você merece um pouco de emoção em sua vida."
    Concordei. "Você tem um ponto, Marcos. Talvez seja a hora de experimentar algo fora da minha zona de conforto."
    Ele riu, dessa vez com um tom mais contido. "Ótimo! Vou enviar todos os detalhes sobre a viagem para você. Tenho certeza de que será uma experiência inesquecível."
    Desligamos a chamada com uma sensação de expectativa no ar. Enquanto olhava pela janela, comecei a imaginar o que essa viagem de luxo poderia trazer. Pela primeira vez em muito tempo, uma centelha de empolgação surgiu em meu peito, a possibilidade de encontrar algo mais autêntico e emocionante do que a vida de luxo que eu estava acostumado. Com o convite de Marcos e a promessa de aventura em um iate criado para escapar da rotina, uma nova jornada começava a se formar diante de mim, uma oportunidade de encontrar um novo significado além das aparências superficiais.

    Quando a noite chegou e eu estava deitado em minha cama, pronto oara dormir, mergulhei em um sonho terrível. Vi o iate, o símbolo da minha busca por algo mais autêntico, afundando no meio do oceano. O terror tomou conta enquanto eu me via lutando contra as águas agitadas. Os gritos dos outros passageiros ecoavam em meus ouvidos enquanto o iate desaparecia sob as ondas.
    A agonia me envolveu, uma sensação de afogamento que parecia muito real. E então, num instante de pânico, acordei. Meu coração estava acelerado, e o suor frio grudava em minha pele. Olhei ao redor, meu quarto luxuoso, uma lembrança tangível da vida que eu conhecia.
    No entanto, o eco daquele pesadelo persistia, um lembrete de que, mesmo cercado por riqueza, não estava imune aos terrores que espreitavam nas sombras da minha mente. Enquanto a escuridão do sonho se desvanecia, eu percebi que precisava enfrentar não apenas o mar agitado do meu subconsciente, mas também a busca inquietante por um significado mais profundo em minha vida de ostentação.

    Acordei no meio da madrugada, ofegante, com o coração batendo em um ritmo descompassado. A fria luz da lua entrava pela janela, lançando sombras inquietantes nas paredes do meu quarto.
    No silêncio da noite, um pressentimento estranho se instalou. O mesmo iate que deveria ser minha porta para um novo sentido de vida agora se mostrava como uma visão aterrorizante. Não conseguia sacudir a sensação de que algo estava errado, que o pesadelo era mais do que apenas imaginação. Sentindo o frio gélido do medo percorrer minha espinha, peguei o telefone ao meu lado e disquei o número de Marcos.
    A voz sonolenta de Marcos soou pelo telefone. "Alô?"
    Minha voz estava trêmula quando falei: "Marcos, desculpe ligar a essa hora, mas tive um pesadelo terrível sobre a viagem no iate."
    Ele parecia surpreso, mas acordando rapidamente. "Lucca, está tudo bem? O que aconteceu?"
    Respirei fundo, tentando afastar o medo que me envolvia. "Eu sonhei que o iate estava afundando no meio do oceano. Foi horrível, Marcos. Eu me senti preso, afogando, enquanto todos gritavam."
    Houve um momento de silêncio do outro lado da linha antes de Marcos responder com calma: "Lucca, foi apenas um pesadelo. Não deixe que isso te assuste. O iate foi projetado para ser seguro e resistente. Nada de ruim vai acontecer."
    Tentei controlar minha respiração, mas o medo ainda se entrelaçava em minhas palavras. "Eu sei, mas é como se algo estivesse me alertando. Eu não consigo ignorar esse sentimento estranho."
    Ele tentou me tranquilizar: "Lucca, é natural se sentir um pouco assustado antes de uma grande mudança. Você está prestes a embarcar em uma experiência única. Não deixe que o pesadelo estrague isso para você."
    Eu queria acreditar nele, queria acreditar que tudo seria como ele dizia. "Você tem razão, Marcos. Talvez eu esteja apenas deixando minha imaginação correr solta."
    Ele soou mais animado. "Isso aí! E lembre-se, estou indo nessa viagem também. Nós vamos aproveitar juntos e fazer memórias incríveis."
    Assenti, mesmo que ele não pudesse ver. "Você tem razão, Marcos. Obrigado por me acalmar."
    Depois de desligar o telefone, deitei-me de volta na cama, olhando para o teto. O medo persistia, mas a voz tranquilizadora de Marcos trouxe um raio de esperança. Talvez o pesadelo fosse apenas uma manifestação dos meus próprios receios. Enquanto a lua brilhava lá fora, tentei afastar os pensamentos sombrios e me concentrar nas possibilidades emocionantes que a viagem poderia trazer. Ainda havia um toque de apreensão, mas com o apoio de um amigo e a promessa de aventura no horizonte, eu estava disposto a enfrentar meus medos e seguir em frente.

    Com os dias se aproximando rapidamente da aguardada viagem, resolvi fazer uma visita à casa da minha mãe. O contraste entre a grandiosidade da minha mansão e a simplicidade da sua casa sempre me lembrava das coisas essenciais da vida. Com o coração cheio de antecipação, fiz o caminho familiar até o lugar que sempre fora um refúgio para minha alma.
    O aroma acolhedor de uma refeição caseira pairava no ar quando entrei. Minha mãe estava na cozinha, envolta na preparação de algo delicioso. Seu rosto se iluminou quando me viu, e um sorriso caloroso se formou em seus lábios.
    "Querido Lucca, que surpresa maravilhosa!" Ela me envolveu em um abraço acolhedor, e eu me senti imediatamente em casa.
    "Senti saudades, mãe." Meu tom era cheio de sinceridade. "Queria passar um tempo com você antes da viagem."
    Ela me afastou ligeiramente para olhar para mim com carinho. "Vejo em seus olhos que há algo em sua mente, meu filho. Quer compartilhar?"
    Enquanto passávamos o tempo juntos, as paredes da casa pareciam se encher com as lembranças de tempos mais simples. Rimos, contamos histórias e compartilhamos momentos que eram verdadeiros tesouros. Era como se, mesmo por um breve momento, eu tivesse escapado das pressões da minha vida extravagante e voltado a um lugar onde as coisas mais importantes eram os laços familiares.
    À medida que o sol começava a se pôr, nós nos sentamos no quintal, observando o céu pintado de tons quentes e alaranjados. Minha mãe colocou a mão no meu ombro com ternura. "Lucca, não importa quão longe você vá, lembre-se de onde você vem e das raízes que você tem."
    Sorri, agradecido pelas suas palavras reconfortantes. "Eu sei, mãe. Esses momentos significam muito para mim. E você sempre será o meu porto seguro."
    Enquanto a noite avançava e as estrelas começavam a pontilhar o céu, percebi que essa visita à casa da minha mãe havia me dado a clareza que eu precisava. Com sua orientação amorosa e a conexão que compartilhávamos, me senti mais preparado para enfrentar o que estava por vir. A simplicidade da casa dela me lembrava que, independentemente da riqueza material, o verdadeiro valor reside nas relações genuínas e nas memórias que construímos.

    Faltava apenas um dia para a viagem que se aproximava rapidamente, e lá estava eu no terraço da minha mansão, observando o pôr do sol que tingia o céu com cores vibrantes. Uma mistura de esperança e apreensão preenchia meus pensamentos, enquanto eu refletia sobre a iminente jornada no iate.
    Enquanto o sol mergulhava lentamente no horizonte, a imagem do meu pesadelo ressurgiu brevemente na minha mente. O iate afundando nas águas turbulentas parecia quase bobo quando confrontado com a tranquilidade da paisagem à minha frente. No entanto, mesmo considerando o absurdo da cena, uma pequena faísca de receio ainda queimava dentro de mim.
    Eu tentava me lembrar das palavras tranquilizadoras de Marcos, da lógica por trás do projeto do iate e da improbabilidade de tal desastre acontecer. Afinal, aquele pesadelo era apenas isso - um sonho distorcido pela minha imaginação noturna. Apesar de tentar minimizá-lo como uma tolice, eu não podia negar completamente o nó de insegurança que persistia.
    Enquanto o céu escurecia e as primeiras estrelas cintilavam no firmamento, eu me vi envolvido em uma mistura complexa de sentimentos. A esperança competindo com a dúvida, a empolgação lutando contra o medo. Enquanto a escuridão da noite caía ao meu redor, eu escolhi abraçar uma perspectiva mais otimista, embora o receio ainda persistisse em um canto da minha mente.