Desgraçado! Ele sabe que aqui não, ele me provoca com o olhar, com o sorriso, com as mãos dele guiando toda uma orquestra, não faço ideia se isso é tão satisfatório para mim apenas, as mãos dele quase gritam sem som o que devemos fazer. Segurei um pouco mais firme o violino, olhei meu irmão de canto que estava tão concentrado que parecia intocável, e eu sabia que a minha deveria estar assim, mas é tão difícil.
Vamos, tenho que me concentrar querendo ou não. Eu sou a Spalla, de qualquer forma, eu tenho que esquecer das mãos dele, sem me desconcentrar das mesmas.
Tocamos algumas músicas, nem perto de todos os nossos árduos ensaios, nos dias de apresentação tudo parece tão fluido e leve que ninguém poderia imaginar os curativos nos dedos, dores nas costas, braços cansados e tudo mais. É tão fácil tocar, é tão gratificante ver uma plateia inteira aplaudir. É, sem dúvida, umas das melhores sensações do mundo.
Depois daquelas mãos abençoadas do Michel.
Reverenciamos a plateia e enquanto saiamos com os instrumentos, eu já imaginava aquelas mãos na minha cintura, o suor, os toques e todo o resto.
Enquanto saíamos do palco, meu irmão passou o braço sobre meus ombros e falava mil e uma coisas, especialmente o quão feliz estava. Estava tudo incrível, até eu ver o Michel beijando entre um sorriso a Laila.
Merda.Merda.Merda.
Ainda me pergunto a razão do universo ter colocado aquele homem na minha vida e arrancado ele feito cera quente.
Para motivos de tortura interna, lembrar do dia que ele a apresentou para nós é inevitável. Nós não estávamos exatamente juntos, mas, desde que eu entrei para a orquestra que ele rege, nós paramos de nos ver, ele disse que não ficaria com ninguém da orquestra por motivos de profissionalismo. E por que eu não quis uma relação séria. Convenhamos, eu não tenho experiências boas em ter relacionamentos sérios. Parece que toda vez que alguém assumia algo comigo, era só ladeira a abaixo, ou seja, eu com certeza dou muito azar.
— Lorena! Você tá me ouvindo? - Lorenzo gritou comigo.
— Inferno, eu tô ouvindo, pra que gritar! - Respondi em tom baixo.
— Eu estou empolgado, eu acho que a mãe veio!
Olhei seu rosto de forma indecifrável, ele sabe que a Kelly não viria jamais em uma apresentação, mesmo que nós implorássemos por vários meses por mensagem, não adiantava. Afinal, por mais que o Lorenzo não saiba, ela dizia para o pai que o motivo de ter ido embora eram os filhos.
Eu só o abracei mais forte, o que o fez sorrir como criança.
Quando estávamos prestes a passar pelo casal do ano, o Michel fez um sinal para mim com a mão, meu irmão também viu, e junto comigo, seguiu em direção a ele.
— Lorena, preciso conversar com você, pode ir no meu escritório amanhã? - Ele perguntou de forma suave.
— O do centro? Ou do parque? - Perguntei com indiferença.
— O do centro. Às nove, podemos almoçar juntos caso a reunião demore.
— Ok, estarei lá.
Que merda, eu não queria estar lá, mas provavelmente é algo sério. O que me resta é tentar ao menos parar de pensar nas mãos dele. Em busca de pelo menos um pouco de paz.
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Notas
RomanceQuando algumas portas se fecham, outras se abrem. Para Lorena, isso se deu com uma perda dolorosa, de pouco em pouco coisas vieram a tona e remexeram seu passado. A vida dessa violinista nunca mais seria a mesma.