Cinco
DESCARTE
Elisabete sempre foi uma mulher serena e inteligente. O que ela faria em situações como estas? Em momentos complicados sempre aparecia com uma solução e mostrava-me a decisão certa a tomar.
Todos falam por aí que atrás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher comandando a situação. No nosso caso, não era diferente.
A cumplicidade que existia em nosso casamento era de causar inveja a qualquer pessoa; apesar das discursões irrelevantes que todo casal tem, sempre nos entendíamos, e esse entendimento prevaleceu por quarenta e cinco anos de união.
Claro nem sempre é um belo mar de rosas. Quando se tratava de religiosidade o conflito surgia. À beira do fanatismo, numa época de nossa vida conjugal, a mulher não parava em casa e estávamos passando por uma crise financeira muito grande.
Meu pai a pouco havia anunciado minha remoção do seu testamento quando me demiti do emprego e de qualquer vínculo dele depois que recusou abençoar meu casamento com Elisa e nos amaldiçoar.
A situação que já era difícil havia se superado, ironicamente falando, pela quantidade de rixas judiciais entre advogados da empresa e defensores dos loteamentos do pai da minha esposa - um humilde fazendeiro herdeiro de grandes posses.
O processo que durou anos gerou muito prejuízo para a companhia do velho Felix, nas tentativas de recurso: aumentando ainda mais a obsessão dele pelas terras alheias.
O ódio entre os patronos foi crescendo até que chegou o ponto do ambicioso coronel encomendar o assassinato do meu sogro.
Por amor e pela paz entre as famílias decidi casar com Elisa e tentei uma negociação: não houve acordo com o senhor Felix muito menos para com a família da minha amada.
Quando descobrimos que seus parentes pretendiam vingar-se da morte de seu patriarca por meio do meu sangue, decidimos que era a oportunidade para fugir. Assim desaparecemos da vista de todos, com as roupas do corpo, apenas.
Pouco tempo depois descobri que empresários do grupo Doce Sabor haviam dado um golpe de mestre em meu pai e com o pé na bunda, o velho gastou todo o restante que tinha com farras. Quando se viu na miséria suicidou-se. Lutei pelos meus direitos, como sucessor, por muito tempo.
Elisa continuava com suas preces enquanto nossos olhos afundavam de fome. Logo que chegamos em São Paulo, morávamos de favor num rústico barraquinho de latão e madeira na casa de uma senhora viúva cristã - uma alma caridosa que nos acolheu, em 1970.
Elisa a amava como se fosse a própria mãe.
Minha esposa fazia sabão caseiro para vender enquanto eu catava latinhas para custear os ingredientes, e no vigor da casa dos vinte trabalhava como servente de pedreiro.
No ano seguinte, devagarinho, com o dinheirinho do sabão, investimos em uma carrocinha de salgados que deu certo: vendíamos muito, todos os dias da semana e em menos de dois anos estávamos tendo dinheiro para ajudar nossa acolhedora com remédios e morando juntos de aluguel em uma casinha simples, com quase nenhum móvel, mas felizes.
As coisas dificultaram para o nosso lado novamente quando Elisabete engravidou e começou a dedicar-se mais à religião. Não tinha paciência alguma para receber nenhum crente em minha casa - discutíamos muito cada vez que isso acontecia.
Estava ficando sem grana e nossa acolhedora havia falecido, pela idade.
Os gastos com o velório prejudicaram as despesas da casa bastante. Estávamos pagando as prestações dos móveis e fiquei atolado em dívidas. No fim das contas Elisa não conseguiu segurar a criança e sofremos muito com essa perda.
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Revelações de Alice
General FictionAlberto descobre que o destino de todos ao seu redor está selado nos desenhos da sua neta Alice. Ao tomar conhecimento deste mistério, o velho é dado como louco e abandonado em um asilo. O novo morador da casa de repouso percebe, pelas pinturas, q...