Theon

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Não havia ancoradouro seguro em Pyke, mas
Theon Greyjoy queria ver do mar o castelo do pai,
para voltar a observá-lo como o vira pela última vez,
dez anos antes, quando a galé de guerra de Robert
Baratheon o levara da ilha para se tornar protegido de
Eddard Stark. Naquele dia, tinha permanecido junto à
amurada, escutando o bater dos remos e o ressoar do
tambor do mestre enquanto via Pyke se tornar cada
vez menor com a distância. Agora queria vê-lo
crescer, erguer-se do mar à sua frente.
Obediente aos seus desejos, o Myraham abriu caminho para lá do cabo com as velas batendo, com o capitão amaldiçoando o vento, a sua tripulação e as loucuras dos fidalgos bem-nascidos. Theon puxou o capuz do manto, protegendo-se dos borrifos, e procurou a sua casa.
O litoral era todo feito de rochedos aguçados e falésias carrancudas, e o castelo parecia ser um só com as torres, muralhas e pontes esculpidas da mesma rocha cinza-escuro, umedecido pelas mesmas ondas salgadas, com as mesmas manchas de musgo verde-escuro que se espalhavam parecendo uma grinalda, salpicado pelos excrementos das mesmas aves marinhas. A ponta de terra onde os Greyjoy tinham erguido sua fortaleza projetara-se em outra época como uma espada pelas entranhas do oceano, mas as grandes ondas tinham-na martelado dia e noite até que a terra se quebrou e se estilhaçou, milhares de anos antes. Apenas restaram três ilhas nuas e estéreis e uma dúzia de grandes pilares de rocha que se erguiam da água como as colunas do templo de algum deus marinho, enquanto as ondas iradas espumavam e quebravam ao redor.
Lúgubre, escuro, ameaçador, Pyke erguia-se sobre essas ilhas e pilares, quase como se fizesse parte delas, com a muralha exterior fechando o promontório para defender a base da grande ponte de pedra que se lançava do topo da falésia até a maior das ilhotas, dominada pelo sólido núcleo da Grande Fortaleza. Mais adiante ficavam a Fortaleza da Cozinha e a Fortaleza Sangrenta, cada uma erguida na sua própria ilha rochosa. Torres e edifícios externos agarravam-se aos rochedos que os rodeavam, ligados uns aos outros por arcadas cobertas quando os pilares ficavam perto, ou por longas pontes suspensas de madeira e corda quando eram distantes.
A Torre do Mar erguia-se da ilha mais afastada, na ponta da espada quebrada; a mais antiga parte do castelo, alta e redonda, com o pilar de faces abruptas sobre o qual se erguia, meio corroído, pelo interminável bater das ondas. A base da torre tinha se tornado branca com séculos de acúmulo de sal, os andares superiores verdes com o musgo que rastejava sobre eles como um espesso cobertor, o topo irregular negro com a fuligem do fogo das vigias noturnas.
Por cima da Torre do Mar esvoaçava o estandarte do pai. O Myraham estava distante demais

para que Theon visse mais do que o pano, mas sabia qual símbolo ostentava: a lula gigante dourada da Casa Greyjoy, com os tentáculos contorcendo-se e se esticando no fundo negro. A bandeira voava presa a um mastro de ferro, tremendo e retorcendo-se quando era atingida por uma rajada de vento, como uma ave que lutava para levantar voo. O melhor de tudo era que, aqui, o lobo gigante dos Stark não voava mais alto, não lançava sua sombra sobre a lula gigante dos Greyjoy.
Theon nunca tinha visto algo mais entusiástico. No céu atrás do castelo, a bela cauda vermelha do cometa era visível através de nuvens esparsas e rápidas. Ao longo de todo o caminho entre Correrrio e Guardamar, os Mallister tinham discutido seu significado. É o meu cometa, disse Theon a si mesmo, enfiando uma mão no manto debruado de peles para tocar a bolsa de oleado acomodada no seu bolso. Lá dentro estava a carta que Robb Stark lhe dera, um papel que valia uma coroa.
– O castelo está como se recorda dele, senhor? – perguntou a filha do capitão enquanto se apertava contra o seu braço.
– Parece menor – Theon confessou. – Embora talvez seja só a distância.
Myraham era um navio mercantil de casco largo, do sul, vindo de Vilavelha com um carregamento de vinho, especiarias e sementes, que pretendia trocar por minério de ferro. O capitão era também um mercador de casco largo do sul, e o mar pedregoso que espumava aos pés do castelo fazia seus lábios rechonchudos tremerem, por isso permanecia bem afastado, mais longe do que Theon teria preferido. Um capitão de ferro com um dracar os teria levado ao longo das falésias e sob a alta ponte que ligava a guarita à Grande Fortaleza, mas aquele rechonchudo vilavelhense não tinha nem o navio, nem a tripulação, nem a coragem de tentar tal coisa. Portanto, passaram a distância segura, e Theon teve de se contentar em ver Pyke de longe. Mesmo assim, o Myraham foi obrigado a lutar ferozmente para se manter afastado daqueles rochedos.
– Ali deve ser ventoso – observou a filha do capitão.
Ele riu.
– Ventoso, frio e úmido. Um lugar duro e miserável, para falar a verdade... Mas o senhor meu
pai me disse um dia que lugares duros geram homens duros, e homens duros governam o mundo. A cara do capitão estava verde como o mar quando se aproximou, às reverências, de Theon e
perguntou: – Podemos nos dirigir ao porto agora, senhor?
– Podemos – Theon respondeu, com um tênue sorriso a brincar nos seus lábios. A promessa de
ouro tinha transformado o vilavelhense num lambe-botas sem vergonha. Teria sido uma viagem muito diferente se um dracar das ilhas o aguardasse em Guardamar, como ele tinha esperado. Os capitães de ferro eram orgulhosos e voluntariosos, e não reverenciavam ninguém pelo sangue. As ilhas eram pequenas demais para a reverência, e um dracar era ainda menor. Se qualquer capitão era um rei a bordo do seu navio, como era costume dizer, pouco admirava que chamassem as ilhas de terra dos dez mil reis. E quando se via seus reis cagando por cima da amurada e ficando enjoados durante uma tempestade, era difícil ajoelhar-se e fingir que eram deuses. "O Deus Afogado faz homens", tinha dito, um dia, o velho rei Urron Redhand, há milhares de anos, "mas são os homens que fazem coroas".
Um dracar também teria feito a travessia em metade do tempo. A bem da verdade, o Myraham era uma banheira chafurdante, e Theon não gostaria de estar a bordo dele numa tempestade. Apesar de tudo, não podia se sentir muito infeliz. Estava ali, não se afogara, e a viagem tinha oferecido alguns outros divertimentos. Pôs um braço em volta da filha do capitão.
– Chame-me quando chegarmos a Fidalporto – disse ao pai dela. – Estaremos lá embaixo, na

As Crônicas de Gelo e Fogo - A fúria dos Reis Onde histórias criam vida. Descubra agora