Tyrion

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Tinham-no prevenido para vestir roupas
quentes. E Tyrion Lannister seguiu fielmente o que
lhe disseram. Usava pesados calções forrados e um
gibão de lã, e tinha posto por cima o manto de pele de
gato-das-sombras que arranjara nas Montanhas da
Lua. O manto era absurdamente longo, feito para um
homem com o dobro da sua altura. Quando não
estava montado, a única maneira de usá-lo era enrolá-
lo à sua volta várias vezes, o que o deixava parecido
com uma bola de pelo rajado.
Mesmo assim, sentia-se contente por ter escutado o que lhe tinham dito. O frio na longa adega úmida atacava os ossos. Timett decidiu recuar para a superfície depois de experimentar brevemente o frio que fazia lá embaixo. Estavam em algum lugar sob a colina de Rhaenys, nos fundos do palácio da Guilda dos Alquimistas. As paredes de pedra úmida estavam salpicadas de salitre, e a única luz que havia ali vinha da lamparina selada de ferro e vidro que Hallyne, o Piromante, transportava tão delicadamente.
Delicadamente, sim... e aqueles eram, com certeza, frascos delicados. Tyrion pegou um para inspecioná-lo. Era redondo e avermelhado, uma gorda toranja de barro. Um pouco grande demais para sua mão, mas Tyrion sabia que caberia confortavelmente na de um homem normal. A cerâmica era fina, tão frágil, que mesmo ele tinha sido prevenido para não apertar com muita força para que não a esmagasse. Sentia o barro áspero, granuloso. Hallyne disselhe que era intencional.
– Um frasco liso é mais passível de escapar da mão de alguém.
Fogovivo escorreu lentamente para a boca do frasco quando Tyrion o inclinou para espiar lá dentro. Sabia que a cor devia ser um verde lodoso, mas a luz fraca impossibilitava-lhe confirmar.
– É espesso – ele observou.
– É por causa do frio, senhor – foi a resposta de Hallyne, um homem pálido, com mãos moles e úmidas, e maneiras obsequiosas. Estava vestido com uma toga listrada de preto e escarlate, ornamentada com zibelina, mas a pele já estava um tanto remendada e roída pelas traças. – À medida que for aquecendo, a substância fluirá com mais facilidade, como o azeite para as lâmpadas.
Substância era o termo que os piromantes usavam para o fogovivo. Também chamavam uns aos outros de sábios, o que Tyrion achava quase tão irritante como o costume que tinham de sugerir as vastas reservas secretas de conhecimento que queriam que ele pensasse que possuíam. Em outra época, aquela tinha sido uma guilda poderosa, mas nos séculos recentes os meistres da Cidadela

tinham suplantado os alquimistas em quase tudo. Agora, restava apenas um punhado de membros da antiga ordem, e já nem sequer fingiam transmutar metais...
... Mas sabiam fazer fogovivo.
– A água não o apaga, segundo me disseram.
– Assim é. Uma vez que se incendeie, a substância arderá violentamente até se extinguir. E vai,
ainda, se infiltrar em roupa, madeira, couro, até mesmo aço, para que também se incendeiem. Tyrion recordou o sacerdote vermelho Thoros de Myr e sua espada flamejante. Até mesmo um fino revestimento de fogovivo podia arder durante uma hora. Thoros precisava sempre de uma
espada nova depois de um combate, mas Robert gostava do homem e estava sempre feliz em fornecê-las.
– Por que não se infiltra também no barro?
– Ah, mas infiltra – Hallyne respondeu. – Há uma adega por baixo desta onde armazenamos os frascos mais antigos. Os do tempo de Rei Aerys. Ele preferia mandar fazer os frascos em forma de frutas. Umas frutas muito perigosas mesmo, senhor Mão, e, hummm, hoje mais maduras do que nunca, se compreende aonde quero chegar. Selamos com cera e enchemos a adega inferior de água, mas, mesmo assim... Na verdade, eles deviam ter sido destruídos, mas tantos dos nossos mestres foram assassinados durante o Saque de Porto Real, que os poucos acólitos que restaram não deram conta da tarefa. Muitas das reservas que fizemos para Aerys foram perdidas. Só no ano passado, duzentos frascos foram descobertos num armazém situado por baixo do Grande Septo de Baelor. Ninguém foi capaz de se lembrar de como eles tinham ido parar lá, mas estou certo de que não preciso dizer que o Alto Septão estava fora de si por causa do terror. Assegurei-me pessoalmente de que os frascos fossem transportados em segurança. Mandei encher uma carroça de areia e enviei nossos acólitos mais capazes. Trabalhamos apenas de noite, nós...
– ... Fizeram um magnífico trabalho, não duvido – Tyrion pôs o frasco que estava segurando no meio dos outros. Cobriam a mesa, em filas ordenadas de quatro, que se estendiam pelas sombras subterrâneas adentro. E para lá daquela havia outras mesas, muitas outras mesas. – Estas, ah... frutas do falecido Rei Aerys, ainda podem ser usadas?
– Ah, sim, com toda certeza... Mas com cuidado, senhor, com o máximo de cuidado. À medida que envelhece, a substância fica ainda mais, hummmm, instável, digamos. Qualquer chama pode incendiá-la. Qualquer faísca. Calor em excesso, e os frascos se incendeiam espontaneamente. Não é sensato deixá-los ao sol, mesmo que por um curto período. Uma vez que o fogo se inicie no seu interior, o calor faz com que a substância se expanda violentamente, e em instantes os frascos voam em cacos. Se outros frascos estiverem armazenados nas vizinhanças, também explodirão, e assim...
– Quantos frascos vocês têm atualmente?
– Esta manhã, o Sábio Munciter disseme que tínhamos sete mil, oitocentos e quarenta. Esse número inclui quatro mil frascos dos dias do Rei Aerys, com certeza.
– As nossas frutas maduras demais?
Hallyne assentiu com a cabeça.
– O Sábio Malliard crê que sejamos capazes de fornecer um total de dez mil frascos, como foi
prometido à rainha. E eu concordo – o Piromante parecia estar indecentemente satisfeito com aquela expectativa.
Considerando que nossos inimigos lhe deem o tempo necessário. Os piromantes mantinham a receita do fogovivo como um segredo bem guardado, mas Tyrion sabia que o processo era demorado e perigoso. Partira do princípio de que a promessa de dez mil frascos era um alarde

As Crônicas de Gelo e Fogo - A fúria dos Reis Onde histórias criam vida. Descubra agora