Catelyn

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O local de reunião era uma extensão coberta
de relva e semeada de cogumelos cinza-claros e de
tocos recentes de árvores abatidas.
– Somos os primeiros a chegar, senhora – disse Hallis Mollen quando refrearam os cavalos por entre os tocos, sós entre os dois exércitos. A bandeira do lobo gigante da Casa Stark ondulava e batia no topo da lança que ele transportava. Dali, Catelyn não via o mar, mas era capaz de sentir sua proximidade. O cheiro de sal era forte no vento que soprava do leste.
Os pelotões de abastecimento de Stannis Baratheon tinham derrubado as árvores para as suas torres de cerco e catapultas. Catelyn perguntou a si mesma quanto tempo o bosque teria estado ali, e se Ned teria descansado naquele lugar quando levara sua tropa para o sul, a fim de quebrar o último cerco a Ponta Tempestade. Conquistara uma grande vitória naquele dia, maior ainda por não ter havido derramamento de sangue.
Que os deuses permitam que eu faça o mesmo, Catelyn rezou. Seus próprios vassalos julgavam- na louca por ter vindo.
– Esta luta não é nossa, senhora – tinha dito Sor Wendel Manderly. – Eu sei que o rei não desejaria que a mãe se pusesse em risco.
– Estamos todos em risco – ela lhe respondeu, talvez com rispidez em excesso. – Acredita que desejo estar aqui, sor? – meu lugar é em Correrrio, com meu pai moribundo, e em Winterfell, com meus filhos. – Robb enviou-me ao sul, a fim de falar por ele, e será isso que farei – Catelyn sabia que não seria coisa fácil forjar uma aliança entre aqueles irmãos, mas, pelo bem do reino, era preciso tentar.
Atrás de campos encharcados pela chuva e de elevações pedregosas, conseguia-se ver o grande castelo de Ponta Tempestade erguendo-se para o céu, com as costas voltadas para o mar invisível. Sob aquela massa de pedra cinza-clara, o exército sitiante de Stannis Baratheon parecia tão pequeno e insignificante como ratos com bandeiras.
As canções diziam que o castelo de Ponta Tempestade tinha sido erguido nos tempos antigos por Durran, o primeiro Rei da Tempestade, que conquistara o amor da bela Elenei, filha do deus do mar e da deusa do vento. Na noite de seu casamento, Elenei entregara a virgindade a um amor mortal, e assim condenara-se a uma morte de mortal, e os desgostosos pais tinham libertado sua ira e mandado os ventos e as águas para demolir a fortaleza de Durran. Os amigos, irmãos e convidados do casamento foram esmagados sob as muralhas que desmoronavam ou atirados ao mar, mas Elenei abrigou Durran em seus braços, ele não se feriu, e quando por fim a alvorada chegou, ele declarou guerra aos deuses e jurou reconstruir Ponta Tempestade.
E construiu mais cinco castelos, cada um maior e mais forte que o anterior, só para vê-los esmagados quando os ventos de temporal subiam, uivando, a Baía dos Naufrágios, conduzindo à sua frente grandes muralhas de água. Seus senhores suplicaram-lhe que construísse no interior; os sacerdotes disseram-lhe que tinha de aplacar os deuses devolvendo Elenei ao mar; até o povo lhe pediu para ceder. Durran não quis escutá-los. E ergueu um sétimo castelo, o mais maciço de todos. Uns diziam que os filhos da floresta o ajudaram a construí-lo, dando forma às pedras com magia; outros afirmavam que um garotinho lhe tinha dito o que fazer, um garoto que cresceria para se tornar Bran, o Construtor. Independentemente de como a história era contada, o fim era igual.

Embora os irados deuses atirassem tempestade atrás de tempestade contra o sétimo castelo, ele se manteve firme e desafiador, e Durran Desgosto-Divino e a bela Elenei habitaram-no juntos até o fim de seus dias.
Mas os deuses não esquecem, e os ventos de tormenta ainda atravessam em fúria o mar estreito. Mas Ponta Tempestade resistiu, durante séculos e dezenas de séculos, um castelo como nenhum outro. Sua grande muralha exterior possuía trinta metros contínuos de altura, sem seteiras ou poternas, arredondada por todo o lado, em curva, lisa, com as pedras ajustadas com tanta destreza que não havia em parte alguma uma fenda, um ângulo ou uma falha por onde o vento pudesse entrar. Dizia-se que a muralha tinha doze metros de espessura no ponto mais estreito, e quase vinte e cinco no lado virado para o mar, uma dupla fileira de pedras com um núcleo interior de areia e cascalho. Dentro desse poderoso baluarte, as cozinhas, estábulos e pátios estavam abrigados do vento e das ondas. Havia apenas uma torre, colossal e redonda, sem janelas do lado virado para o mar, tão grande que servia de celeiro, caserna, salão de festas e habitação senhorial, tudo ao mesmo tempo, coroada por maciças ameias que a faziam parecer-se de longe com um punho com espigões erguido no topo de um braço atirado para cima.
– Senhora – Hal Mollen chamou Catelyn. Dois cavaleiros tinham emergido do pequeno acampamento ordenado sob o castelo e dirigiam-se para eles em passo lento. – Deve ser o Rei Stannis.
– Sem dúvida – Catelyn os observou avançando. Deve ser Stannis, mas aquele não é o estandarte dos Baratheon. Era de um amarelo-vivo, não do rico tom de ouro dos estandartes de Renly, e o símbolo que ostentava era vermelho, embora não conseguisse distinguir sua forma.
Renly seria o último a chegar. Tinha lhe dito isso quando ela partiu. Não pretendia montar a cavalo antes de ver o irmão bem adiantado no caminho. O primeiro a chegar teria de esperar pelo outro, e Renly não esperaria. É um tipo de jogo que os reis jogam, disse a si mesma. Bem, ela não era um rei, portanto, não necessitava jogar. Catelyn tinha prática em esperar.
Enquanto Stannis ia se aproximando, ela viu que ele usava uma coroa esculpida em forma de chamas. Seu cinto era guarnecido de granadas e topázio amarelo, e um grande rubi cortado em forma de quadrado estava incrustado no cabo da espada que usava. Além disso, seu vestuário era simples: justilho de couro com tachas sobre um gibão acolchoado, botas gastas, calções de tecido grosseiro marrom. O símbolo em sua bandeira amarela, como o sol mostrava, era um coração vermelho rodeado por chamas laranjas. O veado coroado estava lá, sim... encolhido e fechado no interior do coração. Ainda mais curiosa era sua porta-estandartes... uma mulher, toda vestida de vermelho, com o rosto escondido pelo grande capuz do manto escarlate.Uma sacerdotisa vermelha, pensou Catelyn, curiosa. A seita era numerosa e poderosa nas Cidades Livres e no longínquo leste, mas tinha poucos adeptos nos Sete Reinos.
– Senhora Stark – disse Stannis Baratheon com uma cortesia gelada, quando refreou o cavalo. Inclinou a cabeça, mais calva do que Catelyn se recordava.
– Lorde Stannis – ela respondeu.
Sob a barba bem aparada, seu pesado maxilar apertou-se com força, mas não a incomodou com títulos. Por esse fato, Catelyn sentiu-se devidamente grata.
– Não esperava encontrá-la em Ponta Tempestade.
– Não esperava estar aqui.
Seus olhos cavos olharam-na com desconforto. Aquele não era um homem dado a cortesias
fáceis.
– Lamento a morte de seu senhor – disse –, muito embora Eddard Stark não fosse meu amigo.

As Crônicas de Gelo e Fogo - A fúria dos Reis Onde histórias criam vida. Descubra agora