O grande salão parecia se estender até a eternidade, um espaço amplo e majestoso, como a vastidão da própria dor, se abria sob um teto celestial. Suas paredes continuavam por todo o horizonte e até tocar o firmamento, eram de uma superfície de pedra prateada, lisa e imperturbável, refletindo a luz pálida do luar. Entre as duas paredes se encontrava uma espécie de espelho, uma barreira prateada, alinhada milimetricamente e tão majestosa quanto o resto do local. A cada passo que ecoava no silêncio, uma sensação de melancolia enchia o ar, como se a própria atmosfera carregasse o peso da despedida iminente. Um canal sereno e límpido cortava o salão de um lado ao outro, brilhando com a luz das estrelas acima, como um mar de lamentos silenciosos, suas águas escuras refletiam a dor daqueles que ali estavam reunidos.
No centro do salão, uma plataforma elevada estava coberta por um tecido escuro e fluido, como uma noite infinita que toca o chão. Sobre essa plataforma repousava um barco esculpido em madeira escura, ricamente entalhado com padrões florais intrincados. Esse barco carregava o corpo de uma mulher, cuidadosamente vestido com vestes negras enfeitadas com flores da mesma tonalidade.
As flores negras, chamadas de "Noxflora", possuíam um aroma doce e melancólico. Seus delicados e esguios caules se entrelaçavam com as bordas do barco, criando uma coroa escura e majestosa ao redor do corpo. As pétalas profundamente negras pareciam absorver a luz ao redor, como se estivessem capturando a essência da escuridão.
Enquanto os acólitos da Ordem entoavam cânticos suaves, o barco desliza até a superfície da água e começa a se mover conforme o movimento calmo do canal. O reflexo do corpo e das flores nas águas enegrecidas pela noite, criava uma imagem quase surreal, como se estivessem deslizando em direção a um espelho mágico. Os cânticos ecoavam pelo salão, suas palavras como um suave consolo para os corações quebrados. Os olhos de todos estavam fixos no barco, à medida que ele começava a seguir sobre as águas, como um mensageiro silencioso conduzindo a alma da falecida em sua jornada final. As flores negras balançavam com a brisa imaginária, um gesto sereno e delicado em homenagem àqueles que partiram.
À medida que o barco se aproximava da grande passagem entre os reinos, a atmosfera parecia vibrar com uma energia sutil e a barreira etérea a brilhar com seu suave resplendor prateado. Com uma última nota triste dos cânticos, o barco tocou o véu entre os reinos dos vivos e dos mortos. Por um momento, o espaço pareceu suspenso em silêncio, como se o próprio tempo segurasse a respiração. A sensação da perda era palpável, um suspiro compartilhado por todos os presentes. A atmosfera pareceu vibrar com uma energia sutil, o véu parecia brilhar por um breve instante e então, a barreira se fechou com um último tremor, deixando para trás um vazio que ecoava com a tristeza da despedida e a suave ondulação das águas.
O rito de passagem estava completo. Uma alma havia cruzado a fronteira, transcendendo os limites da vida e da morte. Enquanto os vivos permaneciam no grande salão, cercados pelo silêncio e pela melancolia, a lembrança daquela passagem permaneceria, uma imagem que seria selada na memória de todos, como um tributo à eternidade da existência.
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Ciclo Eterno
Short StoryEm um mundo onde a morte é apenas uma passagem para outro estado de existência, os mortos-vivos são vistos como seres sábios e respeitados. Um jovem acólito é designado para uma ordem ancestral que mantém o equilíbrio entre os reinos dos vivos e dos...