DIÁRIO PERDIDOPesquisa inacabada: os monstros do mar e suas habilidadesSEREIASDimensão do poder: desconhecidaForça: 6Ferocidade: 10Nível de perigo: 10Raridade: 10Como o mais temido monstro do mar por gerações, as sereias são uma espécie em extinção. Ninguém alega ter visto uma há mais de cem anos, mas todos sabem que, antes disso, a grande guerra quase exterminou os humanos. Provável que só o rei tenha os relatos sobre essa época e realmente conheça a dimensão do poder de uma sereia. A maioria dos caçadores, inúteis e arrogantes, nem mesmo acredita mais na existência delas. Os sussurros de marujos e as histórias dos mais velhos sempre as retratam como mulheres com caudas escamosas pegajosas, dentes afiados assustadores e alguns dizem que, apesar de não serem de grande porte, são fortes e capazes de praticar magia. Prefiro acreditar na lenda dos antigos Mahaina, que contam que suas habilidades de canto são inigualáveis e que sua inteligência e beleza são incomparáveis.
Yara— Serena? — ela pergunta quando a vê parada no barco, com pernas humanas, poucos metros à frente de Frederick.— Você a conhece...? — o amigo do capitão fala. Ele gagueja, na verdade. Está espantado. Talvez porque Serena não está usando nenhum tecido sobre o corpo.— Vim encontrar você. Achou que eu não descobriria? — Serena diz e dá alguns passos para frente na direção de Yara, que percebe que ela quase manca, mas consegue dar os passos sem cair. Como uma sereia de cauda vermelha, Serena já tinha feito muitas transformações. Porém, é novidade para ela que a amiga soubesse se transformar em humana.— Como descobriu onde eu estava? — Yara diz, caminhando na direção dela.— Acho que isso não importa agora, importa? — Serena parece magoada. Talvez porque ela partiu sem se despedir.— O que está havendo aqui? — Hunter pergunta, se aproximando de Frederick. Ele olha para Serena um instante, mas não fica com a expressão de espanto como seu companheiro, que ainda está com a boca semiaberta.— Essa é minha... — Yara olha para Serena. — ...irmã. Ela pode ir conosco também?Hunter olha para o amigo e de repente ambos estão surpresos e sem fala.— Está indo longe demais, vamos voltar. — Serena pega em seu braço e a puxa um pouco para trás.— Vamos conversar em particular. — Yara olha para a amiga com severidade e depois volta seu olhar para Hunter, esperando uma resposta.— Tá, ela pode ficar, sim. Claro — o capitão do navio responde finalmente.No mesmo instante, Frederick tira o pano que veste — a camisa, como ela ouviu os humanos chamarem uma vez — e se ajoelha aos pés de Serena, estendendo a roupa para ela.— Por favor, aceite isso, para que não fique com frio — ele diz. Serena olha para ele com desdenho, franzindo as sobrancelhas. Yara pega camisa da mão dele.— Vista logo, vamos! — ela diz a Serena. A amiga obedece e, depois de vestir a camisa, une as duas partes que se encontram na frente de seu peito e as fecha com as próprias mãos, mantendo os braços cruzados para segurá-la no lugar certo.— Pronto — ela fala, insatisfeita.— Posso falar com ela a sós um instante? — Yara pergunta a Hunter com o tom mais calmo que consegue.— Claro. Vamos, Fred. — Hunter puxa o amigo pelo braço e os dois saem de vista, deixando Serena e Yara atrás das enormes caixas marrons, sozinhas.— Como me achou? — Yara questiona então. Ela está feliz em ver Serena, mesmo não conseguindo demonstrar. Já sentia saudades da amiga, mas não quer que ela corra riscos desnecessários para ajudá-la.— Yelena me enviou — Serena diz. Yara arregala os olhos com espanto e tenta respirar fundo. — O que Yubaba fez com você é proibido. Ela quer que você volte comigo, e Yubaba será julgada.— E eu exilada — complementa.— Não — a amiga diz. — Talvez a própria Yelena vá atrás do humano e apague sua memória. Por favor, você não sabe...— Serena — Yara a interrompe. — Eu não quero Yelena cuidando de mim. Ela não é minha mãe. Ela é a rainha e tem que agir como tal, ou vão matá-la.Serena fica em silêncio por alguns instantes, pensando no assunto. Apesar de ríspida, esta é a verdade: sereias não se dão bem com lideranças fracas. Toda rainha tem que ser forte, firme e tão dura quanto a maioria das sereias. Do contrário, há revolta entre a Colônia, que se organiza para matá-la. Sempre que uma rainha morre, outra surge. É perigoso ser uma rainha displicente. Yara tem certeza de que Yelena sabe desse perigo.— Certo. — Serena soa um pouco mais triste agora. — E qual é o seu plano? Procurar o humano e levá-lo de volta, como Yelena sugeriu, para escapar do Exílio?— Sim. Você vai chamá-la para a Enseada de Cristal e eu vou levá-lo até lá. Ela apaga a memória dele, comprova minha inocência e pode até mesmo dizer para as outras que o matou longe da Colônia, onde é mais seguro — Yara explica.Serena apenas pensa por alguns segundos e depois acena com a cabeça, concordando com o plano.— Mas será perigoso — Yara complementa. — Os humanos parecem não saber da nossa existência, mas também não são burros. Tem muito que não conhecemos e demonstrar isso pode levantar suspeitas.— Eles são maus, Yara. Perversos e assassinos. Não deve confiar neles. Ao menor sinal de descoberta, temos que...— Que o quê? — ela fala, sentindo um engasgo na garganta. — Que matá-los? E aí nós seremos como eles. Perversas e assassinas.A amiga sereia olha para a lua e tenta recuperar algum fôlego respirando fundo. As coisas iam fugir do controle, mais cedo ou mais tarde. É isso que a expressão de Serena sugere.— Está bem. Vou fazer o que me pede. Vou te ajudar o máximo que puder, mas tem que me prometer uma coisa — Serena fala.— O quê?— Prometa para mim que, quando acharmos o humano, voltaremos para casa. Eu não sei o que fez você salvá-lo e o que sente por ele, ou por este mundo, mas me prometa que não vai se perder aqui. Nosso lugar é no mar. Isso aqui é só um contratempo.Yara já havia pensado sobre isso. Por mais que não se sentisse bem no mar com as outras sereias desde o início de sua existência, ali também não é o seu lugar. O mundo humano é nada menos que uma grande bagunça. Eles são escravos de ouro, de bens, de posses e há muitos perigos que ela ainda desconhece. Ficar não é uma opção viável na mente de Yara agora.— Prometo. Achamos o humano e voltamos para o mar — ela diz. Serena balança a cabeça, concordando, e então passa a mão nos cabelos.— Bom, então... Pode me explicar quem são eles e o que faz neste barco? — a amiga pede.— Eles são marinheiros e vão nos levar até as Ilhas de Prata. Descobri que o humano que salvei era de lá — Yara explica.— Descobriu como?— Uma loja. Acho que esse é o nome — Yara começa a narrar. — Logo depois que saí do mar, andei e encontrei uma loja que tinha vários pertences à venda. Vi uma figura, desenhos. Acho que um mapa dos reinos em volta. O nome "Ilhas de Prata" estava no mapa com um círculo de prata com um rosto e signos gravados. Esse era o desenho que vi num tecido no barco que o humano estava. O barco que pegou fogo e que o derrubou na água, antes de eu o salvar.— Certo — Serena fala. — Então é para lá que vamos. Confia nesses marinheiros?— Não confio em nenhum humano, mas até agora me trataram bem — Yara responde.— Bom, vou ficar à sua volta sempre e qualquer problema nós saímos — Serena declara.— Primeiro, acho melhor acharmos uma roupa para você. Eles nos encaram de forma estranha se não estivermos vestidas — Yara conta o que percebeu e lentamente as duas começam a andar rumo ao centro do navio.— Yelena me disse que somos atraentes para eles — Serena conta em voz baixa enquanto elas passam por alguns marinheiros que estão trabalhando, mas mesmo assim as encaram sem piscar.— Atraentes? — Yara soa confusa.— No sentido físico. Para acasalamento ou coisa do tipo — Serena explica.— Então temos que tomar cuidado.Mal Yara terminou de falar, Frederick e o capitão se aproximam e param de frente às duas a uma distância razoável.— Já estamos chegando em alto-mar — Hunter diz. Yara o encara. O modo como ele parece tranquilo e confiante é diferente de outros humanos que ela observou. — Vocês já se resolveram?Ela olha para a Serena e vê que a amiga está encarando Frederick. Ele, por sua vez, continua olhando para ela com um olhar hipnotizado.Atraente para eles. Acho que Serena é a grande atração do momento.— Sim — Yara responde Hunter. — Tem algum lugar em que podemos ficar? Reservado?— Claro — ele diz —, me acompanhem.Elas seguem o capitão até uma série de cabines que ficam abaixo do convés do navio. O lugar parece cheio de madeira e umidade, mas é distante do restante da tripulação o suficiente para Yara. Serena olha com medo e desconfiança para cada passo adentro que dão. Logo eles param na porta de um cômodo que aparenta ser grande e bem iluminado.— Aqui pode ser a cabine de vocês — Hunter diz. — Se precisarem de alguma coisa, estarei na minha cabine ali... — Ele aponta para um cômodo no fim de um grande corredor. — ...ou na ponte do navio.Yara balança a cabeça em concordância e, na sequência, entra no quarto com Serena, fechando a porta. Assim que entra, ela repara que existem algumas estruturas que enfeitam o cômodo. Uma delas tem portas de madeiras e trancas. A outra é pequena, comprida e parece ser macia na parte de cima. Yara está louca para descobrir o nome, mas perguntar seria suspeito.— Imagino que esteja tudo de acordo com o que você planejou — Serena diz, tocando todas as estruturas do ambiente. As mãos dela pousam em um pequeno constructo transparente com algo brilhante dentro. Fogo. Yara reconhece que é a mesma chama que queimou o navio na superfície que ela vira. Mas essa chama é muito menor e fraca. Pelo visto, ela que ilumina o quarto.— Sim, só tem uma questão que precisarei da sua ajuda — Yara fala.— O que é?— Eu prometi três diamantes como pagamento — Yara diz. — Você pode descer até a enseada e pegar alguns?Serena a encara com descrença.— Como faria para consegui-los se eu não estivesse aqui? — ela pergunta.— Ah, eu pretendia tentar pedir a algum peixe para pegar.— Mas está sem seus poderes, não está?— Como sabe? — Yara se surpreende.— Não se pode abrigar dois poderes de uma vez— Serena fala. Yara desconfia, mas não pergunta mais.— Eles estão aqui. Latentes. Acho que posso usá-los apenas uma vez, em emergência, e se a situação estiver favorável. Não sei. Mas, já que está aqui, você consegue.— Claro — Serena fala. — Vigie a minha partida então. Vou pegar agora.— Enquanto isso, procuro algo melhor para você se vestir — ela responde.— Ah, mais uma coisa, seu amiguinho amarelo está aqui — Serena diz. Yara fica surpresa.— O quê?— Ele passou por mim quando saí de Selenia e me seguiu. Não sei por quê. Mas veio atrás de mim até aqui.Yara sai veloz da cabine, correndo pelo corredor e subindo as escadas direto até extremidade do navio. Ela olha para baixo, à procura do amigo, e se dá conta de que Serena está certa: ela consegue vê-lo nadando rapidamente, como se seguisse o barco esse tempo todo.— Saia agora daí. Saia já — ela tenta comunicar a ele.— Vou nadar agora — Serena diz, se despindo da camisa. — Depois pensamos no que fazer com ele.A amiga pula de volta no mar e Yara observa, esperando que seu amigo peixe a siga pela água. Mas não acontece. Agora mais perto de Yara, ele nada rápido para acompanhar o movimento que a grande embarcação faz sobre a água.— Se continuar nadando assim atrás de mim sem comer, vai morrer. — Com esforço, Yara tenta usar seu poder para se comunicar com seu amigo. É em vão. Ela não sente nem mesmo uma centelha dele. O que disse a Serena é quase uma mentira. Em caso de urgência, é provável que ela não tivesse poder suficiente para usar. Yubaba foi bem clara: devia guardar o poder para seduzir o humano e fazê-lo segui-la até a enseada. Esse é o único jeito de controlá-lo.Yara sai às pressas para o rumo das cabines, tentando se concentrar em achar as roupas necessárias para ela e Serena como prometeu. Devagar, ela passa por um dos marujos e resolve se comunicar.— Onde está Frederick? — ela pergunta. Ele a encara com um olhar estranho. Ela não conhece essa expressão.— Está na ponte — ele responde.— Obrigada, senhor...?— Dann. — Ele dá um meio-sorriso.— Obrigada, Dann — ela fala, seguindo em frente, tentando descobrir onde fica a ponte de que todos falavam. Procura até encontrar Frederick na parte de cima do navio, perto de uma roda mediana que ele mantém tocando e girando quase o tempo todo.— E meu ensopado de cogumelos? — ela pergunta. Frederick sorri ao vê-la. Antes, ela o achava repulsivo e irritante, mas está começando a simpatizar com ele.— Ah, Vossa Senhoria — ele fala, fazendo uma reverência. — Já está sendo cozido. Pedi para o cozinheiro preparar.— Hum... Obrigada — ela responde, sem saber muito bem o que falar.— Sua irmã também vai comer? — ele pergunta.— Ela talvez coma uma daquelas outras opções que você citou. Ela adora peixe, mas não estranhe se ela for arranjar a própria comida. Ela é bem independente — Yara tentatranquilizá-lo com antecedência, imaginando o estranhamento que possivelmente traria a visão de Serena mastigando e engolindo um peixe de uma só vez.— Anotado — ele diz. — Precisa de mais alguma coisa?— Na verdade, precisamos de roupas — Yara pede.— É, eu reparei — Frederick comenta e depois balança a cabeça. — Por que sua irmã estava sem roupas quando chegou?Yara morde o lábio inferior, pensando em uma explicação plausível.— Nós somos vítimas de um naufrágio. Nosso barco pegou fogo perto da praia, e Serena estava um pouco perdida — é o melhor que Yara consegue inventar. Frederick parece pensativo e horrorizado ao mesmo tempo.— Nossa, então são as únicas sobreviventes?— Pode conseguir roupas para nós, ou não? — Yara o corta, sem muita paciência.— Posso, sim. Tenho algumas na minha cabine. De outras passageiras que tivemos. Vou pegar e já levo para você — ele diz.— Obrigada — Yara agradece e depois, com passadas breves, ela retorna ao meio do navio. Ela sabe muito bem que o certo seria ficar na cabine, escondida, levantando o mínimo possível de suspeitas, sem interagir com ninguém. Mesmo assim, ela se preocupa com Serena, com seu amigo peixe, com a possibilidade de ficar sozinha naquele cômodo novo. Desviando dos olhares dos marinheiros, ela prossegue então para a amurada do navio e olha para o mar. Seu amigo ainda está nadando ao lado da embarcação. Ela o encara, procurando uma solução para essa questão.— Com licença. — A voz de Hunter tira Yara de seus pensamentos.A sereia de cauda roxa o encara com um olhar firme.— Sim? — ela diz.— Frederick disse que vocês queriam roupas. Deixei algumas lá em sua cabine.— Ah, certo — ela responde.Hunter dá alguns passos à frente e para ao lado de Yara.— Você está com algum problema? — ele pergunta.— Não. Por quê? — ela disfarça— Parece aflita — o capitão responde, a fitando com tranquilidade, mas a analisando. Ela desvia do seu olhar direto e olha para água, avistando seu peixe, ainda nadando, como se sua vida dependesse disso. Yara nunca entendeu muito bem por que ele sempre a seguia desde que ela salvou sua vida. Mas a companhia dele é agradável para ela. Ela daria tudo para tê-lo a bordo com ela também.— Eu sinto falta de um amigo — ela fala. Hunter continua a encarando calado. — Mas você não pode me ajudar com isso. A não ser que saiba capturar um peixe bem escorregadio em movimento.É inesperado, mas Hunter sorri.— Acontece que capturar criaturas do mar é a minha especialidade — ele diz. Uma sombra de medo passa por Yara quando ele diz a palavra "criaturas".Ele é perigoso? Um caçador de seres do mar?— Entendo. Então como se captura um peixe? — ela pergunta. Hunter dá um passo para frente, observando seu rosto.— Precisa-se de uma rede geralmente... se quiser que ele ainda saia da água vivo.O estômago de Yara se embrulha ao perceber que ele captura animais marinhos vivos ou mortos.— Mas ele não ficaria muito tempo fora da água, não é?— Não se o não colocar em um tanque com água. — A resposta dele é simples, como se tudo ali fosse óbvio.— Bom, talvez um dia eu tente — ela diz e sorri. Hunter balança a cabeça e fica pensativo. — Se me der licença, eu...— Espera. — Ele dá um passo, se aproximando dela.— O quê?— Eu quero te fazer uma pergunta.Yara teme a possibilidade de ser descoberta. Ou diante da ideia de que ele possa estar sequer desconfiado. Não deveria ter feito tantas perguntas suspeitas, não deveria ter tocado no assunto do peixe.— Faça.Os olhos dele são de um tom azul muito claro. Da cor das águas do Mar de Prata.— Qual é o seu nome? — ele pergunta sorrindo.Ela sorri de volta, percebendo que de fato não disse a ele em nenhum momento e, com uma pontada de alívio por ser algo tão trivial, responde:— Yara.
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Canção das Profundezas
FantasyTodos nós já ouvimos falar sobre as lendas das sereias que habitavam o Mar Negro - contos de pescadores, terrores que a coroa espalha para amedrontar os marinheiros. Mas e se fossem reais, quais as chances que os humanos teriam? Depois de cem anos...