Serena
A sereia vermelha nada com velocidade após sair da Enseada de Cristal, como se sua vida dependesse disso. E depende. Ela não gosta nada da ideia de deixar Yara sozinha com humanos. É perigoso. Catastrófico, até. Ela não se perdoaria se algo acontecesse com a sereia roxa. Então, uma vez em posse dos diamantes, ela nada o mais rápido que pode de volta ao Silent Mary. Não é difícil encontrá-lo de novo. Ele está não muito à frente de onde Serena o havia deixado. Aproximando-se, ela se transforma com cuidado na forma humana outra vez e sobe a bordo pelo mesmo lugar que usou antes, mas desta vez tenta ser mais discreta, para não ser vista. O tecido que o humano havia dado a ela para se cobrir está no mesmo lugar em que o deixou quando se despiu e pulou no mar. Ela o pega de volta, o veste e caminha até a cabine onde deve estar Yara.Assim que entra na cabine, Serena percebe que Yara não está lá. Já preocupada, ela coloca os diamantes dentro de um lugar tampado e aparentemente seguro, e depois se dirige à porta para sair.Espera, isso não estava aqui antes.Serena visualiza um monte de tecidos espalhados pela cabine.Ah é, Yara disse que arranjaria.Então, com pressa, a sereia começa a procurar alguma vestimenta que lhe servisse. Ela encontra uma da mesma cor que sua cauda e que se assemelha a que Yara estava usando antes. É alguns centímetros mais comprida, e não tem mangas caídas, apenas alças. Ela a veste antes de sair da cabine e se dirigir à parte central do navio.Serena encontra a maioria dos marinheiros, inclusive o que havia lhe dado o tecido, sentados no centro do navio, comendo. Yara também está lá, com um objeto nas mãos que está cheio de algo que parece ser comestível. Quando Serena se aproxima, os olhares dos humanos se voltam totalmente para ela, a deixando desconfortável. Ela tenta ignorar e disfarça seu incômodo para não parecer intimidada.— Sente-se aqui — Yara fala com uma voz alegre e indica um objeto ao lado dela.— O que é isso? — Serena aponta para o objeto com comida enquanto se senta.— Ensopado de cogumelo — ela responde. — Não tem carne.Serena tenta segurar a cara de nojo. Não tem certeza, porém, se foi bem-sucedida ou não.— Onde conseguiu isso?— Me deram — Yara diz. — Você quer comer algo também? Peixe?A sereia olha em volta e vê que a maioria dos homens ou tem nas mãos um peixe espetado em um palito de madeira, ou um objeto igual ao de Yara com algo dentro. Ela sente o cheiro de siri.— Não, já comi mais cedo — responde, ainda de péssimo humor. É um dia difícil para ela. Navegar com humanos. Sentar-se com eles. Conversar com eles. Serena não foi criada para isso. As histórias de suas irmãs sereias falam apenas de como eles são tão vis e hostis que poderiam matar uma sereia apenas por saberem que é uma sereia. Sem nem ao menos um ataque. Eles também não matam para se alimentar. As lendas dizem que matam por diversão e uns aos outros também, por razões fúteis.Serena ouve um pigarrear. O humano que havia lhe oferecido o tecido para vestir a encara por alguns instantes. Ela repara que seus olhos são de um tom escuro de castanho. O seu cabelo espetado e meio avermelhado balança com o soprar do vento. O olhar continua fixo no dela, então ela o encara de volta com hostilidade.Céus, por que não param de me olhar? Estão pensando em como me matar?— Por que não conta uma de suas famosas histórias, capitão? — um dos homens fala enquanto eles comem.— Não, não — Hunter responde. — Eu odeio contar histórias. Frederick é que é bom nisso.Serena olha para ele. O humano que lhe deu o que vestir tinha nome. Ela tenta mentalizar e lembrá-lo.— Não sei, não estou muito a fim... — Frederick diz, abaixando o olhar.— Ora, vamos Fred. Sei que adora contar histórias — Hunter incentiva. Serena está prestes a se levantar e sair dali, puxando Yara pelo braço, quando ela ouve:— Era noite sem lua, frio como no inverno gelado ao sul — Frederick começa. — Estávamos navegando na costa de Prada já há cinco dias, desviando de alguns saqueadores que queriam roubar a carga. Já tinham feito duas malditas tentativas, mas falharam.Saqueadores? O que é isso? Um monstro da terra?— E então nós sentimos um movimento estranho na água — Frederick continua.— Estranho como? — um dos homens pergunta.— Como se a felicidade estivesse esfriado e fôssemos morrer congelados — Frederick explica. Dá uma pausa. Serena encara o chão. — Então ouvimos um barulho. Um tinir. Como se garras estivessem sendo afiadas. Hunter se apressou em olhar para além do mar, mas não estava longe de nós. Estava perto. Quase a bordo já... — O humano pigarreia e olha para o capitão por alguns segundos. — Um nokken.Serena estreita os olhos e em seguida os fecha devagar, tentando afastar a angústia. Yara parece perceber e tenta colocar a mão no seu ombro, mas ela desvia.— Em que forma ele apareceu? — um homem do meio dos marinheiros pergunta.— Era uma besta com nadadeiras enormes e guelras — Frederick responde. — Um olho só no centro da cara gorda e asquerosa.Todos aparentam estar concentrados. Tudo está silencioso. Serena começa a sentir algo estranho se passar com seu estômago, algo que não acontecia há muito tempo. Desde o incidente, ela quase nunca tinha passado pela ansiedade de se lembrar de um nokken outra vez.— Hunter correu na direção do arpão, é claro. — Frederick continua. — Eu corri na direção do leme, para assumir o controle do navio. Os marinheiros, assim que perceberam, começaram a gritar e sair de seus postos. Foi a primeira vez que quase perdemos o Silent Mary.— E como o derrotaram? — alguém pergunta.— Um outro navio ao lado entrou na jogada, provavelmente um dos saqueadores — Frederick diz —, e ele se foi, faminto por outra caça, nos deixando em paz. Mas, antes de ele ir, poderia jurar que estava prestes a engolir Hunter com aquela boca enorme...Serena se levanta do lugar arfando e se afasta de imediato dos outros. Ela procura um lugar isolado, longe de toda essa história e das lembranças que agora a cercam. Não porque a descrição do nokken que o amigo do capitão deu a assustou. O nokken que ela mesma enfrentou no passado era muito pior. Tinha a forma de uma figura com muitas pernas e sem olhos. Mas a boca ainda era enorme. Quase arrancou a cauda de Serena com aquela boca voraz e venenosa.— Serena? — Yara chama, atrás dela. Ela olha para a amiga e não diz nada. — A história te chateou, não foi?— Não se preocupe. Os nokkens não me assustam mais que os humanos — ela fala. É uma mentira. A verdade é que tinha tanto medo de um quanto do outro.— Tenha calma. Eles não são assim tão ruins. Dê uma chance a eles, está bem? — Yara fala.Serena não quer muito ouvir o que ela tem a dizer no momento.— Te encontro na cabine — ela diz.— Certo. — A sereia roxa a deixa sozinha com seus pensamentos.Olhando para o mar outra vez, Serena pensa em dar um breve mergulho. Esquecer os problemas por alguns instantes, nadar de volta para casa. Mas não pode deixar de honrar o compromisso que havia firmado com Yelena. Além disso, ela acabou de chegar do mar. Não é a saudade de casa que a está consumindo. É medo.Se acalme, Serena, nada de ruim vai acontecer.Contendo os pensamentos pessimistas, ela resolve tentar alcançar Yara e volta andando pelo corredor das cabines. Mas, quando alcança metade do caminho, vê uma cena confusa e estranha. Um homem, um dos marinhos provavelmente, está caído no chão com o rosto vermelho e olhos arregalados. Do lado dele, o humano amigo do capitão, Frederick, o fitando com uma expressão visível de raiva e susto. Atrás dele, Yara, com o rosto mostrando de imediato a Serena que algo está muito errado.— O que houve? — Serena pergunta, correndo até a amiga.— Ele... ele... — Yara não termina a frase e não precisa. Por uma espécie de pressentimento, Serena sabe o que houve. O humano desconhecido está inconsciente no chão, então ela deduz que ele levou um soco, provavelmente de Frederick. Yara tem uma marca arroxeada no seu corpo, no pulso, que indica que alguma coisa tentou segurar seu braço com muita força.— Ele atacou sua irmã, mas não se preocupe — Frederick fala. — Eu...Serena pega Yara pelo braço ileso e a arrasta para longe dali, para dentro da cabine.— Serena, calma... — Yara tenta dizer.— Ele te machucou? — ela pergunta. — Isso está doendo? — Aponta para o hematoma no pulso.— Não. Ele só... me encurralou na parede e falou um monte de coisas e tentou...— O quê? — Serena insiste.— Tentou encostar a boca dele na minha. Foi estranho. — Yara soa mais curiosa do que assustada. Serena respira fundo para tentar manter seus pensamentos em ordem.— Não acredito que quase deixei você fazer isso. Temos que ir — Serena fala.— O quê? — Yara responde. — De forma alguma, não foi nada.— Yara, eles são perigosos! — Serena grita, aflita. A sereia roxa encara a amiga com uma expressão de raiva e depois de decepção.— Se quiser ir embora, você pode — Yara diz.— Não irei a lugar algum. Tenho ordens da rainha de...— Que se dane Yelena! — ela quase grita. Serena se surpreende. — Faça o que tem vontade. Não é obrigada a ficar! Eu não quero que fique aqui apenas porque sente que deve. — Ela diminui a voz com o decorrer das palavras, terminando quase em um sussurro.— Yara... eu...— Não. — Yara se afasta dela. — Volte para o mar e deixe comigo. Eu vou ficar bem.Serena sente uma pontada de ódio queimando dentro de si por Yara ser tão cabeça-dura. Com raiva, ela passa pela amiga e se dirige à porta. Quando ela abre, porém, vê Frederick e o capitão parados, de frente a ela.— Precisamos conversar — o capitão diz. Antes que Serena pudesse abrir a boca para dizer alguma coisa, Yara a puxa para trás e a olha com repreensão. Os dois humanos parecem sérios demais, preocupados.— O que foi? — Yara questiona.— Por favor, nos acompanhe. — Hunter olha diretamente para Yara. Ela se move para segui-lo e nem por um instante Serena pensa em não os acompanhar.Eles caminham pelo corredor e entram em um cômodo estranho, onde Serena nunca tinha estado. Ao contrário dos outros cômodos, que abrigam armas humanas e comida, este abriga uma série de objetos diferentes. Serena não sabe o nome de todos, mas Yelena havia lhe ensinado o de alguns. À esquerda, ela vê um móvel contendo livros, e uma mesa central na frente de Serena está cheia de papéis. Por todos os lados, desenhos, escritas e artefatos que ela não consegue reconhecer. No entanto, ela não tem dúvidas. Este é um cômodo de planejamento. Um dos papéis tem desenhos semelhantes às estrelas no céu. As linhas e os números, Serena não entende, mas tem um palpite de que é dessa forma que eles coordenam as viagens pelo mar.— E então? — Yara pergunta assim que eles entram.— Traga-o, Fred — Hunter se dirige ao amigo. Ele sai pela porta, apressado, e Serena tenta entender qual será o procedimento a seguir que os humanos tomariam perante o ocorrido. Culpariam Yara? Tentariam matá-la? — Dann te atacou? — o capitão pergunta.— Acho que sim... — Yara soa em dúvida ainda sobre o ataque, como se no fundo ainda quisesse não quisesse culpar o humano. Serena revira os olhos. Com essa ingenuidade, ela não viveria para ver a próxima fase da lua.— Seu pulso. — Hunter aponta. — Foi ele quem fez isso?Yara recolhe o pulso com vergonha. A mancha esverdeada é uma prova incontestável de que o humano a segurou com força demais. Não é fácil fazer um hematoma em uma sereia e ela sabe disso.— Sim, mas... Hunter, eu não... — O amigo do capitão entra no cômodo, interrompendo a fala dela. Ao lado dele, o humano que a atacou, amarrado. Ele olha imediatamente para Yara. O olhar dele tem uma espécie de fome, quase um desespero. Serena não gosta disso.— Dann, explique-se — Hunter pede. — Eu não fui claro sobre tocá-la?O humano demonstra estar acuado e aflito. Os olhos escuros estão com um tom reflexivo, como se o centro do olho estivesse maior, destacado do contorno. Ele não encara o capitão do navio em nenhum momento, só consegue olhar para Yara e se mantém calado. Todos aguardam por um minuto inteiro em silêncio, apenas esperando a resposta do humano Dann, mas ela não vem.— Eu vi, Hunter — Frederick fala então. — Ele tentou beijá-la, agarrá-la à força.— Estou bem — Yara diz, simplesmente, interrompendo o falatório. — Ele chegou bem a tempo e o afastou de mim. — Ela aponta para Frederick. Serena dá uma olhada no humano que, em tese, ajudou Yara. Ele não aparenta ser bom. Parece assustador, como todos eles.— Eu peço desculpas pelo comportamento de Dann — o capitão volta a falar —, e garanto que a punição para esse comportamento dele será severa.— Punição? — Yara balbucia. Todos ficam calados um instante. O humano Dann não presta atenção ao que o capitão diz. Ele ainda encara a amiga de Serena.O que vão fazer? Matá-lo?— E o que fará? — Serena externa sua dúvida, curiosa. Ela tem quase certeza de que a punição de bárbaros seria tão bárbara quanto sua índole.Hunter encara Dann e tem uma expressão de decepção no rosto.— Escute, Dann... — Hunter começa, mas não tem tempo de terminar. Dann, repentino e veloz, avança sobre Yara, tentando encostar nela. Serena se mexe para frente para protegê-la, mas Frederick é mais rápido. Ele segura Dann com força e o obriga a ficar de joelhos, prendendo-o no chão.— Mas o que há com você?! — Frederick berra. O humano se remexe em seu lugar.— Por favor, me solte... — Dann balbucia. — Não posso ficar longe dela...Yara o encara com uma aversão diferente. Aos olhos de Serena, não é nada próximo de medo. É um olhar de pena.— Ele vai para fora do navio — o capitão fala.O humano chamado Frederick faz uma expressão de surpresa, mas não diz nada. Apenas segura Dann pelas amarras e o empurra além da porta, andando para fora da cabine. Serena se aproxima de Yara para pedir de novo que elas fossem embora de uma vez, mas ela é mais rápida em seguir os humanos, se afastando.Em questão de segundos, Serena tem a impressão de que todos os humanos do navio estão reunidos. Erguendo a cabeça, ela conta nada menos do que cinquenta deles. É um número muito grande. Isso cria uma sensação de fissuras em seu estômago. Eles estão em maior número e, se todos forem como Dann, se todos acatarem Yara, Serena não poderia garantir que mataria todos ao mesmo tempo. Não quer nem pensar em fazê-lo. Enquanto tenta encontrar uma forma de garantir que Yara concorde em voltar, ela observa o capitão andar até o centro do navio, onde o homem chamado Dann é jogado, ainda amarrado e de joelhos, no chão do deque. Um outro homem o segura, forçando-o para baixo, impedindo que ele se mexa.Frederick se aproxima de Dann e fala:— O que tem a dizer em sua defesa?Dann levanta a cabeça e olha para Yara com uma expressão quase de melancolia. Mas seus olhos refletem algo além disso. Uma confusão, talvez. Serena observa enquanto ele volta o olhar para o capitão do navio:— Eu mal encostei nela, eu juro. E quando encostei... — Ele faz uma pausa. Yara parece olhar para ele aflita, mas sem medo. O seu olhar ainda tem curiosidade. — ...não tinha como não continuar tocando nela. Eu juro que não fui eu! Foi ela! Ela tem alguma coisa...O capitão, Frederick e, pelo visto, todos os outros homens encaram Dann, acusando-o com o olhar, abrindo um ar de lamento. Como se sua explicação não fosse convincente e todos soubessem o seu destino.— Pela desobediência das minhas ordens diretas... — o capitão começa — ...e por ter atacado um de nossos passageiros, eu sentencio você a ser banido.Serena e Yara trocam olhares. É provável que o banimento para eles não seja o mesmo que o de sua espécie. Quando a rainha bania uma sereia, como Yelena baniu Yubaba, ela era proibida de sequer sair do espaço do Exílio e não poderia nunca mais confraternizar com qualquer outra sereia de fora também. É uma vida de solidão para sempre, e sereias vivem tempo demais. Não é um "para sempre" breve.— Hunter, eu não... — Dann tenta falar. — Por favor, você me conhece...Serena observa Frederick abaixar a cabeça e olhar para outro lado. Muitos homens fazem o mesmo. É evidente para ela que aquele humano, Dann, é querido entre eles. O rosto do capitão, porém, apesar de angustiado, está decidido.— Tirem ele do Silent Mary — Hunter diz e, dando as costas para todos, ele caminha para longe. Frederick e outro humano carregam Dann até a lateral do barco. Serena acompanha com o olhar enquanto eles pegam um barco muito pequeno e, assim que colocam Dann ali e cortam suas amarras, descem-no na água com o auxílio de cordas. Em seguida, jogam para ele apenas um saco cheio de algo desconhecido. Dann pega rapidamente dois pedaços de madeira de formato estranho e os usa para empurrar a água do mar para trás, fazendo seu barco se mover pela água, até se afastar do navio.Esse humano não será o último.Com esse pensamento rondando sua mente, Serena deixa Yara parada ainda encarando o humano sumindo no horizonte com seu pequeno barco e sai. Determinada a ir embora, ela volta para sua cabine, tira os diamantes do esconderijo e os deixa à vista, em cima de um móvel de madeira. Olha então para o tecido que o humano havia dado a ela, jogado em cima do outro móvel do cômodo e o pega nas mãos, pensando em devolvê-lo antes de ir.Foi um erro vir. Yara não precisa da minha ajuda. Tenho mais medo dos humanos do que ela.Serena passa pela série de cabines do navio e, quando chega de volta ao convés, descobre que os marinheiros não estão mais lá reunidos. Ao que tudo indica, todos saíram, foram a seus dormitórios, e o navio agora está vazio. Ela não vê Yara também. Em nenhum lugar.Perfeito. Sem despedidas. Afinal, ela não veio para cá sem se despedir de mim?Ela se aproxima da amurada do navio, o mesmo ponto que usou para subir a bordo.— Hei. — A voz de Frederick, o humano, a interrompe.Ela contém o sobressalto inicial e apenas se vira para trás, olhando para ele. Ele não parece prestes a atacá-la ou lhe fazer mal, mas ela se concentra em sentir seus poderes fluindo pelo seu corpo. Transformaria-se em um monstro marinho ou em algo semelhante e o espantaria, se preciso fosse.— Está tudo bem? — ele pergunta, dando um passo na direção dela. Ela dá um passo para trás.— Pegue de volta. — Ela joga o tecido branco para ele. — Não preciso mais.Ele o apanha no ar e depois sorri.— Fico feliz que te foi útil — ele fala. — O que está fazendo aqui atrás sozinha?— Ia dar um mergulho — ela responde. Ele a encara por alguns instantes, perplexo, e depois dá uma risada espontânea. Serena não ri, confusa. O humano se aproxima dela, parando a dois metros de distância ao seu lado. Ela não recua, mas mantém os punhos fechados, os ombros tensos, se preparando para um possível ataque.— Se está preocupada com o que houve...— Não quero falar sobre isso — ela diz, relutante em dividir qualquer tipo de sentimento com um humano.— Está certo — Frederick diz. — Acho que você não parece bem desde a história do nokken. Te assustou um pouco, não foi?Serena balança a cabeça, sem saber como mentir. Ela não é boa nisso.— Não. Só me lembrou de coisas ruins — ela comenta.— Coisas? Já viu algum monstro do mar?Eu sou um monstro do mar, seu tolo.— Um nokken quase me matou uma vez. Aqui perto, na verdade — Serena fala. O espanto do humano é visível.—Sério? — Ele parece pálido. — Como sobreviveu? — ele pergunta.— Alguém me salvou e cuidou de mim — ela explica. Seu coração dói em pensar em Yelena. Ela a salvou e agora ela mal podia fazer o mesmo com Yara. Por que é tão covarde? Por que tem que temer tanto os humanos?— Eu sei como é isso — Frederick diz. — Salvaram minha vida também. Às vezes eu me sinto preso, como se tivesse uma dívida, mas também tenho meus próprios medos.Serena olha para o humano chamado Frederick com um olhar mais calmo.— Você tem medo de nokkens?— E de krakens, de kelpis e principalmente de serpentes do mar — ele fala e em seguida sorri. Serena dá um breve sorriso antes de ele bater as próprias mãos na testa e balançar a cabeça. — Isto é, eu enfrento todos eles, mas não sou muito chegado em matar coisas como Hunter.— É, nem eu — Serena confessa. Por que não? O humano jamais contaria para as outras sereias essa verdade. O motivo dela ter tanto medo de não conseguir se proteger e proteger Yara está ligado a esse fato. Ela não sabe se seria capaz de matar um humano como suas companheiras de espécie. Não gosta da ideia de se tornar um monstro assassino e sanguinário.— Mas eu tento proteger Hunter. Ele é como um irmão para mim. Mesmo sabendo que sou mais fraco que ele, ainda tenho esperança de que minha presença possa fazer diferença — Frederick diz. Serena se recrimina em seu interior por sentir a dor do humano. Tudo que ela quer é não sentir nada.— Talvez faça — ela fala. — Obrigada por ajudar minha irmã. — Mesmo não sabendo se as intenções dele são de fato boas, ela faz um esforço e agradece. Se ele não tivesse chegado, Yara poderia estar ainda mais machucada.— Não se preocupe. Não deixaremos que ninguém faça mal a vocês, eu prometo — ele diz. Soa quase como uma certeza. Serena não responde nada, mas se permite esboçar um pequeno sorriso.Pensando em voltar atrás na sua decisão, a sereia caminha para o centro da embarcação. Procura por Yara na cabine, mas ela não está lá. Vai então até a outra extremidade do navio. Finalmente vê a amiga. Ela está com uma rede nas mãos, tentandodesenrolá-la e jogá-la ao mar repetidas vezes, e em todas a rede cai no mar toda enrolada e ela a puxa de volta.Ah, é mesmo, o amigo peixe. Ela ainda está preocupada com ele nos seguindo.— Malditas redes humanas — Yara balbucia.— Se tivesse pulado e nadado, já teria pegado o peixe — Serena diz atrás dela. Yara a encara com um olhar triste e em seguida com ferocidade.— Não posso voltar à forma original. Tem que ser com isso aqui ou com nada.— E quando o pegasse? Como ele viveria aqui? — Serena questiona.— Com isso. — Ela mostra a Serena um objeto de vidro cheio de água. Serena ri. Acha interessante e arriscada essa ideia.— Acha que ele vai sobreviver dentro disso?Yara coloca o vidro no chão com raiva.— Tem uma ideia melhor? Fugir talvez? Ir embora, como quer?Serena a fuzila com tanta raiva no olhar que por um instante seus olhos ficam vermelhos. Ela pula na água, mergulhando no mar sem nem ao menos se despir. Visualizando o peixe de Yara, ela se aproxima dele e, transformando apenas suas mãos, para aumentá-las, ela o segura com firmeza. Então ela pula para a parede no navio e sobe pelos degraus de madeira colados na parte de fora da embarcação. Como humana de novo, segurando o peixe em suas mãos, Serena o deixa escapar para dentro do vidro com água. Yara olha para o peixe e sorri.— Não acredito que ele te seguiu por tanto tempo — Serena fala, olhando o nado do amigo de Yara. — Ele tem algum tipo de amor por você.— Quando recuperar meus poderes, vou colocar um pouco de juízo na cabeça dele... — Uma pausa a faz parar de sorrir de novo. — Obrigada — ela diz a Serena —, e desculpe ter perdido a paciência com você.Serena não diz nada. Apenas encara a amiga com olhos gentis, pedindo em silêncio por coragem o suficiente para ficar e não desistir de tudo.— Somos eu e você — Serena diz então —, juntas nisso até o fim.Yara olha para ela e mexe a sobrancelha, acenando com a cabeça.— Até o fim, irmã.
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Oie Leitores, aqui termina a degustação, infelizmente. Se você gostou da obra e quer saber como termina a história, pode falar comigo no chat, ou entrar no site da editora pendragon e adquirir o livro. Em breve também o e-book na amazon! Obrigada a todos que leram até aqui, fiquem a vontade para comentar comigo!
Bjs
Nath.P
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Canção das Profundezas
FantasyTodos nós já ouvimos falar sobre as lendas das sereias que habitavam o Mar Negro - contos de pescadores, terrores que a coroa espalha para amedrontar os marinheiros. Mas e se fossem reais, quais as chances que os humanos teriam? Depois de cem anos...