Capítulo 7

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                                                                                            Hunter

Colocando mais bebida no copo, Hunter olha para a moça de cabelos castanhos que está acenando para ele. Depois de semanas em Prada, ele tinha apenas um dia em Marcelle antes de voltar ao mar. Apenas um dia, e ele já chegava ao fim. A lua brilha no céu noturno, o que significa que ele só tem mais esta noite na cidade. Uma noite antes de zarpar. Seria lógico procurar por uma companhia. Mas ele não se sente confortável com isso. Aproximar-se de alguém e deixar essa pessoa entrar, passar pelas barreiras que ele ergueu com cuidado por tanto tempo, soa arriscado demais.

— O que anda bebendo? — Frederick se aproxima dele. Ele já está tão bêbado que mal consegue se equilibrar sobre os dois pés. Hunter acha engraçado.— O mesmo de sempre — o caçador responde. A moça de cabeços amarronzados no fundo da taverna sorri para ele de novo. Ele finge não notar.— Você e essa frescura de não beber cerveja! É uma das invenções mais inteligentes do homem! Logo depois da roda e das tavernas! — o amigo diz e em seguida toma mais um longo gole da sua bebida.— Estou bem, obrigado — Hunter anuncia. — Não vai atrás de nenhuma mulher?Frederick balança a cabeça dizendo que não.— Aparentemente estamos com azar hoje. Não tem muitas mulheres aqui. A não ser aquela... — Ele aponta com discrição para a moça que sorria para o capitão.— É bonita, de fato — Hunter diz.— Eu estava com a esperança de achar uma um pouco mais formosa... — o amigo reclama.— Você não existe — o capitão diz, rindo. — O que você quer? Alguma loira perdida, fugindo de um pai severo por aí?Frederick o encara, cético.— Hilário. Deixe-me com minhas fantasias de loiras. Elas são raras, mas eu gosto — Frederick anuncia e em seguida grita o nome do servente para pedir por mais bebida. Como ele não escuta, ele cambaleia atrás do homem. Mal ele sai do campo de visão de Hunter, a moça que antes sorria para ele se aproxima e para diante dele.— Boa noite — ela diz.O caçador de monstros analisa seus traços e expressões antes de emitir um pequeno sorriso.— Boa noite. Posso ajudar? — ele responde.— Meu sobrinho ali diz que você é capitão de um navio. Apostei com ele que seria mentira. Não pode ser — ela diz, ainda sorrindo.— E por que não poderia?— Tão jovem? — Ela ri. — Quantos anos tem? Vinte?Hunter sorri e olha para baixo, estreitando os olhos azuis.— Tenho dezenove, mas te perdoo por ter achado que eu era mais velho. Está muito mal iluminado aqui hoje — ele brinca, se esforçando ao máximo para ser simpático.— E como um garoto de dezenove anos tem seu próprio navio? O que andou fazendo? — Ela parece interessada.— Se eu contasse, você não ia acreditar. Ia me chamar de mentiroso.— Experimente — ela diz com os olhos brilhando e dando um passo para frente.Hunter faz um sinal para ela se aproximar mais. Ela chega perto o bastante para que ele quase encoste os lábios na orelha dela.— Matei uma serpente do mar — ele sussurra. Ela chega o rosto um pouco para trás e sorri.— Estava certo. Não acredito — ela fala. Ele acha graça. Pensa até em dar uma chance a ela. Porém, o pensamento se vai tão rápido quanto chegou.— É a verdade — ele conta —, mas eu...— E qual o nome do seu navio? — ela o interrompe.— Silent Mary.— Por que o chamam assim?— Porque, além de ser o barco mais rápido de todo o Mar Profundo, é tão silencioso e discreto que pode surpreender qualquer saqueador que pense em naufragá-lo — ele responde. O rosto da mulher se contrai em surpresa.— Gostaria de vê-lo em ação...Antes que ela pudesse terminar sua frase, um homem alto, mais velho, com músculos protuberantes e cabelos castanhos aparece atrás da moça e a puxa pelo cabelo de forma agressiva.— Flertando na taverna de novo, Zaya? — o homem grita e então olha para Hunter. — O que está fazendo com a minha esposa?— Nada — é a resposta de Hunter.— Vá fazer nada em outro lugar! — ele grita. Continua segurando a mulher pelos cabelos, quase apertando seu pescoço.Por um segundo, Hunter pensa em se conter e deixar passar, mas ele não pode.— Hei, isso não é jeito de tratar uma esposa tão bonita — ele diz, sabendo que isso lhe renderá pelo menos um soco.— Ah é mesmo, engraçadinho? — o homem revida.— Solta ela. Ela não fez nada demais — o caçador de monstros a defende. O homem joga a mulher no chão com brutalidade e ataca o jovem capitão, tentando esmurrá-lo. Este logo desvia do agressor, e tenta socá-lo de volta. O caçador de monstros é mais veloz, mas o homem tem mais força e mais fúria. Basta um movimento em falso, e o dono do Silent Mary é acertado com um golpe no estômago tão forte que o faz cair sobre o balcão de bebidas, batendo os braços e as costas bruscamente quando encontra o chão.Maravilhosa última noite em terra para mim.Sentindo as costas arderem e seu braços doerem, ele permanece deitado de barriga para cima respirando fundo. Fecha os olhos. Por um instante, ele deixa sua mente viajar para fora dali. Mar. Água. Praia. Céu azul e sol em raios límpidos e fracos. Casa. Ele tenta mentalizar. Lembrar do dia em que sua vida começou de verdade. Do dia em que foi emboradali, decidido a não voltar nunca mais. Aos poucos, o sono começa a pesar sobre ele. Em um estado de devaneio, meio dormindo, meio acordado, Hunter começa a sonhar com a praia de águas transparentes e brilhantes. Com aquele dia. Até que é interrompido por uma voz.— Você está vivo?Hunter abre os olhos com rapidez, arrepiado, como se seus instintos tivessem captado perigo. Quando foca sua visão, no entanto, ele se assusta com o que vê. Na sua frente, abaixada, olhando para ele, está uma garota de cabelos castanho-acobreados enormes, tão cheios e longos que as ondas das pontas tocam no chão enquanto ela está ajoelhada na sua frente.— Parece estar respirando. — Ela inclina a cabeça, e seus olhos azul-escuros são tão grandes e brilhantes que por um segundo Hunter imagina estar encarando o céu estrelado.— Quem é... — Ele engasga. — O que houve? — diz, levantando-se meio desorientado. A garota se põe de pé também. Ele então percebe sob a luz do balcão da taverna que na verdade não só os olhos são belos, mas o rosto também. As bochechas são arredondadas e coradas; o desenho do queixo e do nariz, perfeitos. Apesar de parecer jovem, o corpo é de uma mulher.— Não entendi sua pergunta — ela fala. Agora que Hunter está plenamente acordado, nota como a voz dela é melodiosa. Tão macia e suave como uma canção.— O que faz aqui? — ele reformula a pergunta, sem saber muito bem o que dizer. Enquanto ela fica em silêncio, ele repara que ela está usando um vestido azul-marinho com mangas que caem pelos seus ombros. O comprimento é incomum para a cidade, um pouco acima do joelho.Ela deve ter vindo de outro lugar. Mulheres de Marcelle não usam vestido curto e botas.— Pelas barbatanas do kraken! — Frederick surge atrás de Hunter e coloca a mão no seu ombro. — Achei que você estivesse se escondido na terra, amigo, o que houve com...Frederick para de falar no instante em que seus olhos pousam na garota. Ele respira até de forma de diferente.— Frederick Lake, a seu dispor. — Ele faz uma reverência perante a garota e sorri para ela. — Em que posso te ajudar, bela dama?Ela olha para Frederick com desconfiança e severidade. Mas logo seu olhar suaviza e ela diz:— Procuro por alguém chamado Hunter.O capitão segura suas expressões para não demonstrar surpresa. Frederick solta um xingamento baixo e encara o caçador de monstros com raiva.— Mas é claro que procura — o amigo diz.— Um homem que trabalha aqui me disse que é você. — Ela aponta para Hunter e olha para ele. Seu olhar ainda o deixa um pouco abalado. É feroz. Como de um animal selvagem.— Sim, sou eu — o capitão confirma. — Do que precisa?— De um barco. Preciso que me leve às Ilhas de Prata — ela declara. Frederick e o dono do Silent Mary se entreolham.— Ah... claro — o amigo responde. — Mas estamos indo a Veronika primeiro, então, se puder esperar alguns dias...— Esperar? Não posso esperar, tenho pressa! — ela diz e seu tom é quase de raiva. — Uma mulher a um quilômetro daqui disse que Hunter tinha o barco mais rápido da região. E eu preciso chegar rápido às Ilhas de Prata.— Tudo bem. — O caçador de monstros levanta os braços para sinalizar que havia entendido. A garota dá um passo para trás, aparentando estar com medo, porém o olhar ainda é de ferocidade. — Eu preciso ir a Veronika entregar algo. Mas, se vier conosco, posso te deixar nas Ilhas de Prata logo depois.Ela os encara com um pouco de fúria e desapontamento.— É bem rápido — Frederick diz. — Só vai levar uns dez dias.— Dez dias?! — ela fala, pasma, e agora sua expressão tem certo receio.— Só! — Frederick frisa. — Não será nem um mês.As sobrancelhas da garota se franzem.— Mês? Como assim? — ela repete a palavra, como se nunca a tivesse ouvido.— Sim, mês. Você sabe, trinta dias. Quatro semanas. Um ciclo da lua! O que preferir! — Frederick diz, beirando a irritação. Ela cerra seus olhos e o encara. Logo depois olha para Hunter.— Eu aceito — ela diz. — Mas preciso chegar lá o quanto antes.— Está certo — o jovem capitão fala. — Serão vinte moedas de prata.Ela o encara como se ele estivesse falando outra língua outra vez. Frederick parece estar tentando ficar calado.— Prefiro pagar em diamantes — ela fala de repente. Hunter fica surpreso, mesmo sem demonstrar.— É o quê? — Frederick fala.— Três diamantes pela viagem. Te pago um quando já tivermos em alto-mar, feito?Hunter olha bem para ela outra vez. O cabelo sedoso liso é tão perfeito quanto o de uma filha de nobre. Os olhos, tão grandes e atraentes que se assemelham a duas grandes safiras entalhadas no seu belo rosto. É provável que seja alguma princesa longe de casa. Ou de algum reino distante. Isso poderia ser problema. Ela parece um problema. Todavia, se pagasse o que prometeu, Hunter poderia reformar o navio. Até mesmo comprar outros e fazer sua própria rede de embarcações. Ele seria tolo em dizer não.— Feito — Hunter responde.Ela assente com a cabeça.— Espero lá fora — ela diz e sai rumo à porta de entrada da taverna.— Eu estou totalmente sem fôlego — Frederick diz. — Meus deuses, que mulher mais linda!Hunter não diz nada. Ainda está digerindo a nova missão. Ir às Ilhas de Prata. Ele não ia lá há eras. Odeia sequer passar perto daquele lugar.— Eu sei que talvez ela não tenha diamante nenhum — o amigo ainda fala —, mas, por favor, Hunter, me promete que mesmo se ela não tiver nada vamos levá-la conosco. Elaé bonita demais para eu ignorar. Posso ter uma chance com ela se ficarmos sozinhos em alto-mar por mais de dez dias.O caçador de monstros respira fundo e olha para Frederick.— Não se preocupe, eu não acho que ela vai te dar chance alguma — ele diz. — Mas algo me diz que ela tem, sim, condições de pagar o que prometeu.— Se for verdade, ainda melhor — Frederick brinca, com seu jeito único.O capitão do Silent Mary tenta sorrir para o amigo, porém não consegue. Uma sensação estranha dança no seu corpo, como um instinto adormecido ou um pressentimento. Ele não tem certeza, mas ignora tudo isso e segue para fora da taverna.

Canção das ProfundezasOnde histórias criam vida. Descubra agora