Capítulo 02

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Ao abrir os olhos, percebi que estava em um novo ambiente, em um quarto pouco iluminado, sentei e vi que estou em um tatame de palha trançado, no canto esquerdo do que parece ser um quarto, há uma mesa tradicional japonesa com um castiçal de 3 velas no centro e próximo a ele há uma porta de correr do lado oposto ao tatame há outra porta de correr, ao lado direito há uma janela, a luz vermelha que atravessa a janela me diz que do lado de fora há uma Lanterna de papel, o que indica que já é noite.

ao me levantar percebi que estou usando um nagajuban (peça de roupa vestida embaixo do kimono tradicional), levantei e comecei a andar devagar pelo ambiente sentindo o chão de madeira em contato com os meus pés. É bom sentir o chão novamente, ouvi uma voz masculina que vêm do lado de fora do quarto.

- Acho que ela acordou. - Mas não ouvi nenhuma resposta. Apenas a porta sendo aberta, revelando uma moça de cabelos negros e soltos com o comprimento um pouco abaixo dos ombros, olhos dourados, cerca de 1,74 de altura, vestida em um kimono tradicional e com uma taça em mãos.

 Apenas a porta sendo aberta, revelando uma moça de cabelos negros e soltos com o comprimento um pouco abaixo dos ombros, olhos dourados, cerca de 1,74 de altura, vestida em um kimono tradicional e com uma taça em mãos

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- Que bom que acordou. - Falou com um pequeno sorriso traçado no rosto, ela começou a caminhar em minha direção, eu comecei a recuar, não sei quais as intenções dela comigo. - Trouxe para você, tome, vai lhe fazer bem, não tenha medo, eu não quero lhe machucar, nós só estamos tentando lhe ajudar.

- Nós? Nós quem?

- Eu e meu irmão, se você quiser atrás daquela porta há uma casa de banho e há kimonos lá, se quiser pode se juntar a nós.

- Não obrigada, eu não quero.

- Ao menos tome um pouco disso, irá lhe ajudar.

- O que é isso?

- É algo que vai lhe ajudar a melhorar. Bom, eu me chamo Hana e você? Qual o seu nome.

- Eu me chamo Sally. - Peguei a taça de sua mão e tomei todo o líquido, o sabor é bom, estranho de certa forma, mas é muito bom.

- Sally, estaremos lá fora, se quiser pode se juntar a nós, estamos ansiosos pela sua presença.

- Certo, mas eu não quero, obrigada. - Então ela se curvou e se afastou de frente para mim e eu retribuo o cumprimento.

- Que lugar é esse? - Me pergunto assim que fico só. Abro a janela e vejo que estou no meio de um vilarejo. - Ao menos não estou presa. - Fico pensando na moça que acabei de conhecer, ela aparenta ser uma boa moça, boa até demais, ninguém nunca me tratou assim, porque diabos uma desconhecida me trataria tão bem? Pensando bem, acho bom tomar um banho mesmo e por roupas descentes, ela disse que haviam kimonos na casa de banho.

Entrei na casa de banho e comecei a me despir, me lavei devidamente e entrei na banheira, nesse momento, o ódio e a solidão que estavam escondidos dentro de mim me dominaram, a dor e o vazio são ilegíveis, e a todo instante me pergunto: "o que será de mim daqui por diante? Como viverei dessa forma, sabendo que meu corpo foi corrompido?" São perguntas até então sem respostas, não sei o que pensar, a minha mente está em um branco total, o vazio do meu peito está indecifrável, nesse momento, estou me perguntando: "O tempo que passei naquele lugar vão ficar até quando nas minhas memórias? Será que um dia eu vou esquecer? Ou será que vão ficar se repetindo na minha mente a cada segundo? Elas sempre voltam cada vez mais forte, como eu vou superar isso? Até quando vou continuar com esse vazio?" Estou sentindo o meu mundo afundar a cada segundo mesmo que eu não queira é isso que eu sinto. Passando a mão pelo meu corpo, um enorme nó se forma em minha garganta e consequentemente lágrimas de medo, dor, solidão e desespero escorrem pelo meu rosto, tentei segurar os barulhos do choro, mas acho que não consegui, pois não demorou muito para ouvir alguém bater na porta.

- Sally, está tudo bem? - É a voz da Hana.

- Sim. - Respondi após limpar a garganta.

- Quer conversar? - Eu não a respondi, apenas me encolhi dentro da banheira abraçando minhas pernas, enquanto incontáveis lágrimas escorriam pelo meu rosto, ela entrou e sentou ao lado da tina, onde havia um banquinho de madeira.

- Como vou viver daqui por diante? Eu não quero essas memórias e essa vida para mim, eu... eu... - As lágrimas caiam ainda mais e o desespero tomou conta de mim. - Eu não sei se vou aguentar. - Falei num tom um pouco mais alto, deixando o desespero evidente em minha voz.

- Eu sei como se sente, você está numa posição difícil agora, chora, chora mesmo, vai fazer bem para você, com o passar dos anos, não posso dizer que vai passar, mas você vai superar, eu já passei por isso e posso afirmar que é difícil, mas não é impossível. - Surpresa com o que ela disse, arregalei os olhos, nunca iria imaginar uma coisa dessas. Então ela desfez a amarra de seu kimono e virou de costas, então começou a baixar a parte de cima do kimono e eu pude ver quantas cicatrizes há em suas costas, logo depois ela pôs de volta o kimono, amarrou e sentou novamente no banquinho.

- Você é uma mulher muito forte.

- Você também é, só basta encontrar essa força dentro de você e a única que pode fazer isso é você mesma. Sally, me desculpe a inconveniência, mas você mora com quem? Estive me perguntando isso, quando lhe resgatamos não vimos ninguém a sua procura, nenhum cartaz ou algo do tipo.

- Eu não tenho pais, então moro sozinha.

- E sua mãe?

- A minha mãe cometeu suicídio quando eu tinha 10 anos.

- Nossa, eu sinto muito, mas como isso aconteceu?

- Bom, naquele dia ela me chamou e se sentou à minha frente e disse que não sabia se iria aguentar muito tempo, enquanto ela falava, seus olhos escorriam inúmeras lágrimas, disse que independente do que acontecesse a ela eu deveria ser forte e seguir em frente, disse que eu deveria viver por ela e que não a usasse como espelho, alguns dias depois minha mãe saiu de casa logo cedo, disse que talvez não voltaria mais para casa e que se ela não voltasse, eu não deveria procurá-la. Então ela me entregou seu colar. - Colar esse que era um relicário. - E um anel. - Lembrando bem ela me disse que dentro do armário do quarto dela havia um fundo falso e que dentro haviam algumas correspondências que eu deveria olhar com calma, porém apenas quando a noite caísse, naquele dia ela saiu de mãos vazias, tinha um olhar perdido e percebi as lágrimas escorrendo de seus olhos. Naquele mesmo dia eu chorei muito, pôs sabia o que ela estava prestes a fazer, mas não soube como impedir sua partida, pois ela já estava decidida, nada que eu falasse a faria voltar atrás, ao menos era isso que eu pensava. - Alguns dias depois, um rapaz bateu na minha porta dizendo que havia encontrado um corpo que correspondia com as características da minha mãe, confirmadas por curiosos que passavam no momento e que tudo indicava que realmente era ela, ele pediu para que eu lhe acompanhasse até o local, havia uma estrada de pedra, mais a frente havia um penhasco, embaixo desse penhasco haviam estacas de madeiras gigantes presas ao chão e o corpo dela estava lá, era a roupa dela, já tinha certeza. Os homens tiraram ela de lá e me ajudaram levando ela a um cemitério, foi nesse mesmo cemitério que eu a enterrei.
Não houve velório, era apenas eu, o que me deixou mais triste ainda, minha mãe era uma mulher tão boa e tão carinhosa, mesmo assim ninguém se importou com a morte dela, a única pessoa que se aproximou de mim foi uma vizinha que me ajudou e me ensinou tudo o que podia. Ao lembrar de tudo o que aconteceu daquele dia por diante, eu passei a me culpar pela morte dela e me questionar se eu podia fazer algo, mas nunca cheguei a nenhuma conclusão. Eu sei que podia ter feito algo, ainda não sei o que mas podia. Agora, além de ser uma mulher desonrada e que não pode salvar a própria mãe, terei que viver sozinha pelo resto da minha vida, pois nenhum homem iria olhar para uma mulher que já foi tocada. Eu sinto tanto nojo de mim que sinto o estômago revirar, ainda que eu tome mil banhos posso sentir as mãos daquele homem passando pelo meu corpo, as marcas daquele chicote estão tatuadas na minha alma, mostrando apenas o quanto eu sou fraca e inútil, eu sequer pude me defender, como eu poderia ser útil? Eu não sirvo para nada. Eu deveria ter morrido naquela vala e ter poupado o trabalho da Hana, que além de me ajudar ainda tem que está ouvindo as minhas lamentações, eu não mereço esse tipo de tratamento, eu não sou digna. Quando percebi já estava soluçando de tanto chorar e a água que antes estava limpa agora estava toda suja de sangue, o sangue que escorre pela minha pele que foi rasgada pelas minhas próprias unhas, o nojo me fez agir de forma inconsciente, mas já era tarde.

- Sally, você está se machucando, pare com isso, Sally, pare, por favor, Sally, por favor pare. - Só parei após ouvir a voz de choro da Hana que gritava. Eu estava ali, mas minha mente estava tão distante que não pude ouvi-la.

- Ai meu Deus, me desculpe, por favor me desculpe. - Clamei.

- Sally, olha só você, está cheia de sangue. - Ela parecia nervosa, me enrolou em um pano e me ajudou a vestir, logo depois me pôs na cama e lá voltei a chorar, chorei até finalmente dormir.

Perigo NoturnoOnde histórias criam vida. Descubra agora