Nem mesmo o céu?

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Os dedos do anjo tocavam sua pele com cuidado, descendo da bochecha até seu pescoço, de seu pescoço ia até sua nuca, sentindo os fios avermelhados entre eles num carinho sutil. Um dos braços do demônio estava na cintura do de cabelos claros, o trazendo para um abraço desajeitado e confortável. E assim eles estavam no próprio mundinho. Gabriel e Beelzebub não eram mais problema deles, e o céu e o inferno não era problema por agora. Não quando um tinha o outro do jeito bagunçado que somente eles sabiam lidar.

Crowley havia se declarado naquela manhã. Estava mais nervoso do que nunca, mas Nina e Maggie tinham razão, eles precisavam conversar sobre o que sentiam. E eles fizeram. O demônio levou o anjo para um café da manhã regado a champagne e crepes deliciosos, do jeito que sabia que seu parceiro gostava. E em meio a isso, conversas sobre o passado e em como sempre se reencontravam e acabavam voltando um para o outro nesses 6 mil anos que se conheciam, Crowley deixou escapar que viver como Gabriel e Beelzebub tinham escolhido viver, não seria uma idéia ruim desde que fosse com Aziraphale, o que pegou o anjo completamente de surpresa. E quando pensou que levaria o maior fora de sua existência, Aziraphale segurou suas mãos trêmulas e respondeu com um "Crowley, querido, eu poderia viver de qualquer forma e em qualquer lugar, desde que você fosse minha companhia." E Crowley engasgou com o champagne antes de os levar de volta para a livraria com um estalar de dedos, afim de um pouco de privacidade e entender melhor o que estava acontecendo.

Não haviam palavras ou explicações que descrevessem tudo o que havia subentendido entre eles, muito menos os sentimentos até então desconhecidos que os atormentavam e traziam àquelas sensações. O peito acelerando, as mãos suando, as palavras faltando e o ar parecendo os sufocar, mesmo que não precisassem dele para respirar.


- Maggie acha que estou apaixonado por você. - Crowley diz enfim, sentindo as palavras saírem como se rasgassem sua garganta.


- E... O que você acha? - O anjo diz, sem quebrar o contato visual entre eles um minuto sequer.


- Eu acho... que demônios são incapazes de sentir amor. Principalmente esse tipo de amor. - Diz de uma vez, quase se engasgando com as palavras. - Ou pelo menos deveria ser assim.


Aziraphale sente uma pontada de decepção com as palavras do demônio, e Crowley percebe, rapidamente continuando.


- Mas... Eu acho que eu vim com um defeitinho de fábrica.


- Como assim, Crowley? - O anjo torce o rosto em confusão e o ex-anjo bufa impaciente, puxando Aziraphale pelo colarinho e o trazendo para si, quase colando seus lábios.


- Eu deveria te odiar, anjo. Deveria ser seu inimigo natural. Mas eu não consigo. Nunca consegui. Sempre, desde que nos conhecemos no céu, desde nosso primeiro contato, eu sabia que tinha alguma coisa de diferente. Você não era como os outros e eu também não. Nem mesmo quando eu caí pude sentir outra coisa além daquele mesmo sentimento. - Suspirou por um instante, observando com cautela qualquer sinal que fosse que dizia que aquilo incomodava o anjo, quando não encontrou continuou. - Demônios não deveriam sentir nem ao menos compaixão, anjo. Mas eu... o que eu sinto em relação a você eu tentei entender inúmeras vezes das mais diversas formas que possa imaginar, mas nunca, nem os mais geniais filósofos, os mais incríveis compositores, o mais inspirado dos escritores, conseguiu definir. Eu senti, anjo, eu senti e sinto o que os humanos definem como amor. E eu entendi isso só agora, e... tudo bem se você não aceitar isso, se você não sentir o mesmo, o que eu acredito que seja o caso. Eu entendo. Eu sou uma aberração, o pior dos monstros, e você... Você é a criatura mais iluminada, pura e perfeita que eu já cruzei em toda minha existência, no céu, na terra ou no inferno. Mas eu precisava te dizer isso, antes que isso me sufocasse por completo. Então tá tudo bem se você quiser correr daqui, voar pra bem longe e nunca, nem em mais 6 mil anos, quiser me encontrar novamente. Eu entendo.

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