Gosto doce

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"Então... eu vim aqui pra dizer que Kelvin Star e Oddy King vão ter que se mudar definitivamente para New York!" anunciou Frank, com todo o carisma e força vocal de um apresentador de um show, causando comoção e entusiasmo entre os funcionários do Naitandei. Odilon ainda estava estarrecido, olhando para o teto esperando para ver se não surgia uma luz dali para trazê-lo de volta para a realidade.

"Aii, ai eu vou pra New York!" falou Graciara. Ela é quem havia consolado Odilon depois que ele terminou o noivado, e estava crente de que iria continuar a ser o colo para ele sofrer (e fazer outras coisas também) durante a sua carreira lá fora.

"Ah não, será que a gente vai poder ir também?" Luana indagou, apelando à emoção, "Seria um sonho pra mim!"

Luana e as outras não demoraram a jogar um verde na ilusão de também serem levadas de acompanhantes à Nova York, ou mesmo de empregadas de Odilon e Kelvin, não importava, contanto que pudessem encher seus celulares de fotos com todas elas passeando sob as luzes da Broadway, da Times Square, na Estátua da Liberdade e em outras atrações que elas precisariam pesquisar para saber da existência.

O fato de serem todos conhecidos e parceiros de tantos anos, mesmo com as brigas sem fim, mesmo com todo o desentendimento; isso só provava que eram todos família, que se mantinham firmes apesar de tudo, e elas mereciam aquela viagem mais do que qualquer membro de sangue da família daquela dupla de cantores... ou pelo menos é isso que estavam falando.

Elas engajaram forte nessa discussão. De repente estava uma falando por cima da outra, uma cacofonia e uma dramalhada invadiu o local, apesar de todo aquele discurso sobre conexão e fraternidade, não demorou 5 minutos até começarem a se morder.

Ramiro foi ficando mais nervoso a cada segundo que se passava, sentindo sua cabeça girar. Ele lançou um olhar rápido para trás e seus olhos encontraram os de Kelvin, que era o único que não estava falando nada e parecia preocupado ou assustado, Ramiro não soube diferenciar, pois logo em seguida saiu do bar em passos tão longos que era como se fugisse de fumaça.

Ramiro inclinou-se para a frente e apoiou a mão na pilastra do lado de fora do bar, ofegante por conta da corrida súbita. Respirou alto, aspirando e soltando golfadas aflitas de ar. Seu cenho estava franzido. Finalmente, ele ergueu a cabeça e olhou para longe, para o mato, e fechou a boca para parar o tremor de seu lábio. Do canto do olho ele percebeu Kelvin se aproximando, mas não olhou para ele. Seu maxilar estava tão tenso que um pé de cabra não conseguiria abrir sua boca. Agora era tudo ou nada, não havia mais turnê de "alguns meses". Kelvin não poderia acalmá-lo dizendo que passaria rápido, pois dessa vez era pra sempre. O cheiro de seu Kevin sumiria daquele lenço, tornando-o em apenas um pedaço de pano que um dia foi uma memória, uma promessa de retorno.

"Ramiro..." Kelvin falou baixo, mas ele não respondeu. Apenas continuou encarando o nada.

Ele se lembrou da conversa que tiveram sobre o que eles queriam para o futuro, um bem diferente do outro; vida de luxo e vida de agro. Ele não havia parado para pensar nisso antes, pois os sonhos de Kelvin eram distantes demais para gerar qualquer preocupação. Castelo na Europa? Isso era ilusão, sonhos genéricos que qualquer outra garota do bar provavelmente também tinham. Era papo jogado fora. Isso antes... Agora era uma realidade possível. Podia mesmo fazer o que quisesse, contratar seus cem empregados, viver melhor do que qualquer um naquela cidade.

Sentiu o gosto do choro surgindo na garganta, mas engoliu. Talvez Kelvin não aceitasse. Talvez ele já tenha experimentado muito dessa vida de rico e achou bobagem. Se Kelvin sonhou alto e recebeu, então ele podia também, podia sonhar que seu Kevin queria ficar, que preferia Nova Primavera.

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