𝑻𝑰𝑴𝑬

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O episódio do restaurante rodava sem parar na minha cabeça. Os olhos dela diziam muito mais do que as palavras que saiam de sua boca, que pra ser sincero, não eram poucas. Mas eu poderia decifrar aquele olhar muito mais rápido que qualquer frase feita.

Enquanto repassava aqueles momentos na mente, assistia ela se balançar no brinquedo do parquinho que encontramos fazendo o caminho de volta a praia, que era para onde ela gostaria de voltar pra assistir o pôr do sol.

Não lembro bem aonde, mas lembro que em alguma parte do caminho ouvimos uma trilha sonora bastante famosa e fizemos nosso próprio show pelas ruas. Eu que me achava ousado, descobri que ela conseguia ser muito mais. Não ligava pra ninguém, curtia tudo até o fim.

Naquele fim de tarde rimos até que os olhos se enchessem d'água e a dor na barriga não fosse mais suportável.

Naquele fim de tarde rimos até que os olhos se enchessem d'água e a dor na barriga não fosse mais suportável

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***

- Você ouviu?
- Oi? Não. Desculpa! Ela respondeu piscando algumas vezes, como se tivesse acabado de voltar à realidade. E não parecia mais tão animada como antes.
- Foi só uma piada sem graça sobre o pôr do sol. Mas aparentemente sua animação tá indo embora junto com ele.
- Ei! Não... Não vamos entrar nessa vibe. Ainda somos Jessie e Céline por algumas horas. A gente tem que aproveitar ao máximo.

Fiz questão de não tirar os olhos dela enquanto falava. Queria analisar o que poderia estar sentindo naquele momento.
Supus que a reação anterior teria sido por causa da despedida que se aproximava, e ela deixara claro que não queria entrar nesse assunto, então pensei bem em como poderia responder.

Deveria ser o tipo psicólogo e dar abertura pra que ela exposse o que estava sentindo ou respeitar sua decisão e apenas continuar na boa, fingindo que aquela pequena queda de animação não havia existido e simplesmente falar qualquer outra coisa aleatória?

Demorei um pouco em silêncio decidindo isso. Mas só porque queria agir da melhor forma até o momento em que realmente fosse o fim. Embora, claramente, eu não quisesse que existisse um. Mas eu não poderia ser tomado pela energia hollywoodiana e acreditar que esse dia atípico significaria alguma coisa.

- Então você é brasileira?
- Oi? Esboçou completamente surpresa, rindo em seguida.

Ótimo! Vibe depressiva desviada com sucesso.

- Sua sandália.
- Que? Sandália? Ah! Minha havaiana.
- Agora eu que pergunto: Que?
Ela havia falado no seu idioma natural.
- A gente não chama isso de sandália. Chamamos de "chinela". Ou "chinelo", tanto faz.
- Chinela. Tentei reproduzir a palavra como ela.
- Isso! Mas ei... Meu Deus, você é muito observador! Você deduziu que eu fosse brasileira por causa dessa bandeirinha aqui? Essa me pegou de surpresa!
- Sempre achei que o Brasil transmitia uma uma vibe tão... Não sei explicar.
- Viva.
- Sim! Um país vivo!
- É verdade. Hm, e você que é tão ligado na música... Será que conhece alguma brasileira?
- Claro. É... Girl From Ipanama, certo?

Ela estralou a língua em desaprovação.

- Garota de Ipanema é a forma certa de dizer.
- Garota de Ipanama.
- IpanEma.
- IpanEma.
- Isso! Agora tá certo.
- Eu também conheço outra, mas não sei o nome. Acho que o ritmo ficou na minha mente de tanto ouvir na lojinha da dona Rosa.
- Mentira! Ela é brasileira?
- Não, é mexicana. Mas é casada com um brasileiro. O ritmo da música é tipo assim...

Cantarolei o ritmo tropical meio embolado. Na real não estava falando nenhuma palavra direito, só cantando a melodia.

- Espera. Acho que sei qual é. Vou colocar pra tocar e você me diz se é essa.

timoneiro - paulinho da viola tocando

- É! É essa mesmo. Uau, que vibe boa!

A garota que estava sentada ao meu lado levantou de repente, me surpreendendo totalmente. Ela começou a balançar o seu corpo na batida da música. E parecia tão envolvida naquele ritmo, espalhando areia debaixo dos seus pés de uma forma tão graciosa que poderia jurar que o Brasil todo se resumia a ela. A coroei pessoalmente como rainha do seu país, pois me parecia impossível não se curvar a tamanha beleza e encanto.

Esse deveria ser um daqueles encontros únicos que ocorrem na vida e que lembraremos pra sempre.

Mas e agora? Como me despediria de um ser tão atipicamente extraordinário?

***

Assim, depois de um tempo, me dei conta que estava chegando ao fim quando no dia já anoitecido ela tocou minha mão e comunicou com um olhar que agora verdadeiramente estávamos chegando na cena final daquela pequena história.

- Me deixa te levar ao aeroporto.
- Melhor não. E ainda preciso passar na minha amiga.
- Então me deixa te levar até lá. Não vai parecer uma despedida. No melhor cenário eu só estaria te deixando em casa, esperando por amanhã, pra te encontrar de novo.

Ela concordou com um sorriso fraco.

Pedalamos pelas ruas da Califórnia sabendo nem o mínimo sobre cada um. E era louco pensar nisso tendo vivido um dia tão incrível ao lado daquela pessoa.

Diferente de horas atrás, agora estava frio. E não falamos nada durante o caminho. Acho que nenhum dos dois conseguiu encontrar uma forma de burlar a melancolia destinada a existir minutos antes de um adeus.

- Chegamos. Ela disse.

Não respondi. Só a assisti descer da bibicleta indo em direção a casa.

Não sabia como me despedir. Ela aparentemente também não.

Tocou a campanhia.
A energia que nos rondava estava muito estranha.
Queria descer da bicicleta também.
Quem sabe agarrar sua mão e sair correndo.
Mas permaneci parado, ainda observando.

A porta abriu.
A bicicleta passou antes e ela depois.
Não tinha tempo de piscar, seria desperdício demais.
E embora já estivesse dentro de casa não conseguiu fechar a porta.

Eu quis facilitar:
- Até amanhã.

Então a covinha que mal mostrava desapareceu de uma vez depois que falei.

Pelo o visto só havia piorado o que já era difícil.

Por isso, me movi pra descer e segura-la ali. Mas não sei o porquê meus pés pedalaram em frente.

Seria estranho demais voltar?
"Que se dane!"
Voltei, e sem a bicicleta.

Só que agora estava fechada. A porta e a cena.

So I Gonna Call You Beautiful Girl | WoosungOnde histórias criam vida. Descubra agora