𝗞𝗔'𝗟𝗢𝗡 | aonung × neteyam

01 - culpa & corações partidos

É como levar pedras no coração.

O sentimento de remorso, aquele pesar que voltava a cada colisão do vento sobre a pele, a cada palpitação no peito. Algo tão físico e persistente que não se permitia ser ignorado. Estava lá, doendo, e não havia nada a ser feito.

Assim se seguiu durante todo o tempo em que a família levou para preparar o corpo de Neteyam para a cerimônia de despedida, e também pelas horas seguintes a noite do funeral, em meio cânticos e homenagem à passagem de vida de um garoto tão jovem e que, no entanto, significou demais para várias pessoas, mesmo sem saber. Agora o poderoso guerreiro descansava nos braços gentis da Grande Mãe.

A visita ao Refúgio foi realizada pela família aquela manhã. E assim como havia sido no nascimento, Jake e Neytiri foram os primeiros a verem o filho, o recebendo no outro plano através da Árvore dos Espíritos. Um lugar que era normalmente palco de cerimônias vibrantes, estava agora envolta em uma atmosfera melancólica. A luz intensa filtrava-se entre os galhos, criando uma teia de luminosidade suave para quem via de cima. Quietos, os sete jovens na superfície eram consolados pela melodia harmoniosa do tulkun que prestava suas condolências através de canções morosas, num timbre que parecia preencher toda aquela região do arquipélago. Era bonito, e triste.

Payakan estava sendo a base de apoio de Loak, literal e figurativamente já que o na'vi descansava em suas costas, com o semblante caído e os olhos marejados. Kiri e Tuktirey estavam juntas sobre um ilu, abraçadas uma a outra enquanto compartilhavam de um silêncio mútuo. A pequena tinha a face escondida no peito da irmã e vez ou outra deixava escapar soluços abafados decorrentes do choro que cessou há pouco, sendo confortada por cafunés.

Ninguém escapava daquela situação, estavam inconsoláveis. Pais, irmãos ou amigos.

Além dos Sully, os irmãos herdeiros do clã e Rotxo também estavam lá. Aonung não saiu do lado de Tsireya desde o ocorrido, tamanho desalento da caçula. Mas diferente dela, que permaneceu sensível e chorosa, o garoto tinha o rosto franzido e as orelhas baixas. Os olhos azuis eram fixos na água abaixo deles como se buscasse por um meio de escape em sua mente, procurava concentração para se manter firme e forte pela irmã diante todo o cenário que presenciou. Um árduo trabalho. Também sentia a dor da perda, era maltratado por uma pressão incomum e sufocante em seu peito que quase o fazia ofegar em meio respiros, e que mais cedo foi capaz de fazê-lo derramar discretas lágrimas teimosas. Não que alguém alí estivesse reparando, de qualquer maneira.

Spider era outro que os acompanhava também, próximo de Loak ele pairava sobre a barbatana de Payakan, aparentando estar pensativo. Esteve quieto durante aquelas últimas horas e todos pensavam que era uma resposta emotiva aos acontecimentos, então ninguém questionou. Claramente não era só isso que atormentava sua consciência.

Havia muita coisa sobre os ombros de alguns alí, que compartilhavam olhares cansados e corações pesados. As memórias de Neteyam eram guardadas com carinho por todos presentes. Sofriam por saber que não poderiam criar novas lembranças com o herdeiro Omatikaya, apenas revivê-las. Kiri as revivia em sua mente naquele instante, sabendo que não poderia o fazer mais profundamente em Eiwa.

Em sua mente, imagens do passado dançavam como sombras coloridas. A brisa salgada do oceano carregava consigo ecos de risos compartilhados, de aventuras na floresta, e das palavras reconfortantes que Neteyam sussurrava quando a noite caía sobre a vila. Ao olhar para o horizonte, aquelas cenas surgiam diante de seus olhos. Neteyam ensinando-a a voar em seu ikran, suas brincadeiras de criança transformando-se em momentos de aprendizado e conexão, das histórias que ele contava para acalmá-la durante as noites estreladas...

Um sorriso nostálgico desenhou-se nos lábios de Kiri, mas lágrimas insistentes deixaram sua visão turva. As lembranças eram uma mistura de doçura e ressentimento, uma colcha de retalhos emocional que ela tentava costurar nos recantos do coração.