Ramiro observava Kelvin e as meninas ensaiando no pole dance. Era o meio da tarde, e a lida do dia já tinha terminado, então tinha tempo para matar até a noite, quando iria para a costumeira vigília na porta da pensão. Estava se acostumando com a rotina diurna do bar, quando havia poucos clientes e a equipe se ocupava com ensaios e a arrumação do espaço. Às vezes ajudava Nando ou Zeza quando precisavam mover coisas pesadas e em uma ocasião memorável, fora recrutado pelo cozinheiro para ajudá-lo a descascar e cortar legumes.
Apesar de geralmente ter uma língua afiada quando falava consigo, nesse dia, Zeza fora paciente ao ensiná-lo e até elogiara a habilidade do peão ao ver os legumes cortados em cubos pequenos. Brincara dizendo que Ramiro já podia casar e lançara um olhar em direção à porta da cozinha, mas quando o peão se virou, não havia mais ninguém ali. Mas pela risadinha do cozinheiro, imaginou que era Kevinho quem estivera espiando.
Despertou das lembranças quando Kelvin, dessa vez carregando um cesto de roupas, passou ao seu lado e lhe deu uma piscada, seguindo seu caminho em direção ao andar de cima. Sorriu, seguindo-o com o olhar. Sentia-se à vontade para observar Kelvin no bar, mesmo que os eventuais comentários e provocações o incomodassem.
— Ô, Ramiro, se num tem nada pra fazer, me ajude aqui na cozinha, que aqui trabalho não falta.
— Êeeee, já trabaiei tudo que precisava hoje, Zeza. — Mas levantou e seguiu para dentro da cozinha.
— Lave bem as mãos e os braços e coloque um chapéu que eu não quero cabelo na comida não. Quando terminar, vem aqui que eu vou lhe botar pra limpar peixe.
— Eu não vou limpar peixe, não, ô, José Castilho! Nunca fiz isso...
— Já falei pra não me chamar assim, meu nome é Zezinho! Limpar peixe não é difícil. E existe uma primeira vez pra tudo.
Ramiro prestou atenção nas instruções de Zeza e logo pegou o jeito. Quando terminou com o peixe, o cozinheiro o instruiu a lavar bem as mãos novamente e colocou um avental plástico nele, branco e simples. Reclamou dizendo que avental não era coisa de macho e Zeza ralhou com ele.
— Pare com essa palhaçada de macho isso, macho aquilo! Eu sou hétero. Sensível, mas sou. E uso avental pra evitar de me sujar e contaminar o que mais eu tiver preparando. Você acabou de limpar peixe e agora vai picar legume. Se não colocar o avental, vai ficar 'os legumes tudo' com cheiro de peixe. — Ramiro resmungou qualquer coisa, mas aceitou a faca que Zeza lhe oferecia e pôs-se a cortar e descascar.
— Tem muita coisa que é de macho nesse mundo, Ramiro. Mas tem muito mais coisa que as pessoas dizem que é, mas não é.
— Hm... Tá falando de que, Zeza? — respondeu o peão, distraído.
— De muita coisa. Cozinhar, por exemplo. Muita gente diz que não é coisa de macho. E olha nós aqui, dois machos preparando a comida que todo mundo vai comer à noite. As meninas não cozinham tão bem quanto eu, mas do jeito que o povo fala, elas deveriam saber, só por serem mulheres.
— Verdade... Sua comida é boa demais.
— Obrigado! E eu posso te ensinar, viu? Você pelo menos leva jeito. Kelvin é uma tragédia na cozinha, consegue queimar até água de passar café!
— Ei! Eu tô ouvindo, hein! — Ramiro virou na direção da porta e viu Kelvin, com cara de poucos amigos. — E eu posso não saber cozinhar, Seu Zeza, mas eu sei muitas coisas, tá?
— Tá, tá. mas a conversa aqui não tem a ver com talento, não, Seu Kelvin. A gente tá falando de outra coisa.
Kelvin entrou na cozinha e parou ao lado de Ramiro, apoiando-se na bancada. Estendeu a mão e pegou um palito de cenoura e ficou vendo o peão trabalhar, sem dizer nada, mas com um sorriso delicado no rosto que Ramiro não teve poder para resistir e retribuiu.
— Sabe o que mais é coisa de macho, Ramiro? Não cortar os dedos em vez de cortar cenouras! — disse o cozinheiro, se metendo entre ele e Kelvin e segurando a mão da faca, cuja lâmina estava perigosamente perto de seus dedos.
— É disso que vocês tão falando? Coisas de macho? — perguntou Kelvin, hesitante, o sorriso de antes diminuindo.
— Coisas que dizem que são de macho mas não são e coisas que realmente são.
— Tipo o quê, Zeza? — a voz de Kelvin perdera parte da energia e ele lançava a Ramiro olhares furtivos.
— Se aceitar. Ser do jeito que é. Viver do jeito que se quer. Como eu, que sou um hetero sensível. — o cozinheiro sorriu, orgulhoso e fez mãos de jazz, tirando uma risada de Kelvin. Ramiro permaneceu em silêncio.
— Kelvin! Larga esse peão e o Zeza e vai passar a roupa que você largou em cima da minha cama, faz favor? Essa semana é sua vez de passar!
— Ô, Berenice, você não tá vendo que eu tô ocupado, não?
Mas foi Zeza quem respondeu, para maior aborrecimento de Kelvin.
— Pois vá tratar de se ocupar com os seus afazeres que Ramiro e eu temos que terminar de fazer a comida. Vá, vá!
Ramiro viu Kelvin comer outro palito de cenoura e revirar os olhos. Ele despediu-se do peão com um "até mais tarde, Rams" e um sorriso delicado e saiu escada acima resmungando com Berenice.
O peão terminou os afazeres que Zeza lhe dera inconsciente do sorriso bobo em seu rosto. Quando lavou as mãos pela última vez e retirou o avental, o cozinheiro retomou o assunto uma última vez.
— E mais uma coisa que é de macho, Seu Ramiro, além de se aceitar, é se cuidar! Então vá se embora e tome um bom banho pra não chegar aqui mais tarde cheirando a peixe.
— Se eu tô cheirando a peixe, é culpa sua, seu cara de bolacha!
— E agora vai ficar com cheiro de sabonete porque eu tô dizendo pra você ir se lavar. Então vá-se!
Ramiro saiu da cozinha com um de seus costumeiros "êeeee" mas não estava de fato irritado. Despediu-se de Luana, Nando e Iná, que estavam no salão, com um gesto e rumou para seu quartinho.
Colocou as roupas sujas num saco para serem lavadas na fazenda e pegou uma muda limpa. Enquanto se lavava, pensava nas palavras de Zeza: "Ser macho é se aceitar, ser do jeito que é, viver do jeito que se quer".
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Notas finais: Batemos 100 visualizações!! Nem acredito, gente! Muito obrigada por lerem, comentarem, votarem! Tô muito feliz de estar dividindo essa história com vocês. Próximo capítulo deve sair terça ou quarta e eu já tenho o outline dos dois últimos na cabeça, mas vou passar pro papel pra não correr o risco de esquecer nada antes de escrever os capítulos em si. 😅
Eu particularmente adorei escrever o Zeza aqui, acho que a rabugice dele ficou na medida certa! Vcs imaginavam que seria ele o segundo a conversar com o Ramiro? Quem vocês acham que vai ser o próximo(a)? Me conta aqui embaixo ou lá na rede do passarinho!
Um beijo e novamente, obrigada por ler! 💖
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"Macho"
ChickLit5 vezes que Ramiro ouviu diferentes definições da palavra "macho", contadas por diferentes pessoas. E a vez a que ele criou a sua própria definição.