Prólogo

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N.A.: Olá, pessoas. Como podem perceber pela sinopse, o tema dessa história incialmente pode ser descrito como, no mínimo, pesado. No entanto, esse é apenas o começo e, apesar dos momentos tristes, prometo à vocês doçura, amor, amizade, sorrisos e, quem sabe, algumas risadas.

Antes de seguir a leitura, entretanto, devo lembrá-los(as) de respeitar sempre seus limites e buscarem sempre o autocuidado.

Boa leitura!

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Viro a página do grande álbum, cheio de imagens do passado distante e presente, e o largo sorriso se quebra em meus lábios ao ver a primeira foto na margem superior da página. Nela, estávamos Julie e eu. Mesmo com a tristeza pulsando em meu peito, sigo encarando aquela imagem. Os longos cabelos da minha amiga estavam presos em um rabo de cavalo no topo de sua cabeça, destacando seus olhos brilhantes e seu sorriso de fogos de artifício. Ela havia me puxado do nada para aquela foto, logo depois de me contar uma de suas piadas sem graça que nunca falhavam em me fazer sorrir. Ambas parecíamos felizes naquele início de novembro.

Mas a verdade é que a festa estava uma droga.

Início de novembro de 2015

As músicas até eram boas, mas as pessoas ali me pareciam abusivas e deslocadas demais. Ou talvez fosse eu o peixe fora d'água. Seja qual for a hipótese verdadeira, tudo o que eu queria àquela altura da noite era poder entrar no meu quarto, me jogar na minha cama e chorar até que todos os pensamentos e sentimentos sumissem da minha cabeça. Afinal, esse é o processo correto e saudável para um fim de namoro: você chora porque parece que todo o seu mundo foi virado do avesso várias vezes seguidas, como se isso fosse aliviar alguma coisa, assiste aos filmes mais tristes na sua conta do Netflix, lembra da outra pessoa quase vinte quatro horas por dia e, por fim, vai se desapegando progressivamente.

Mas não, ao invés de seguir ao suposto protocolo, resolvi que a melhor opção era seguir em frente, procurar me divertir e conhecer gente nova – coisa que pouco havia feito nos quase dois anos que frequentei a faculdade. Eu sabia que não estava completamente certa em terminar, principalmente por saber que Alice me amava na mesma medida em que eu a correspondia. Talvez tenham sido os desencontros, a correria cotidiana, as milhas que nos separavam ou apenas os impulsos. Impulso que a raiva te faz achar que sabe todas as verdades do universo. Impulso de, ao mesmo tempo, sentir-se pequena diante do mundo. Mas agora, sob o efeito do álcool e de tantos sentimentos misturados e sem nomes certos, não parecia me restar mais do que a dura escolha de matar aos poucos o amor que me fazia sentir tão viva. Era isso que eu deveria fazer, certo? Não, completamente errado. Desistir dela, do nós que cresceu com o tempo, era simplesmente inaceitável. E por mais que eu soubesse que, àquela altura, ela estaria no avião de volta para Chicago, decidi que precisava ir para casa. Talvez ainda houvesse a chance de um recomeço para nós...

Escolhi ir a pé, pois a casa onde estava não era muito longe do pequeno apartamento que dividia com Julie. E como eu havia bebido mais do que deveria, não me sentia confortável para pegar as chaves do carro dela, apesar de sua insistência para que eu o fizesse. O caminho estava calmo e as ruas nas proximidades do campus eram, em sua maioria, muito bem iluminadas e tranquilas. A falta de gente por ali durante a noite nunca me incomodou. A vizinhança sempre pareceu exalar certa tranquilidade, dando uma sensação de segurança – ainda que uma mulher nunca esteja totalmente segura em qualquer lugar. Por isso, e pelo leve torpor causado pelo álcool, segui caminhando o mais tranquila possível, visto que tudo o que passava pela minha cabeça parecia sair pela minha boca em forma de resmungos e dos meus olhos em forma de lágrimas.

Algumas quadras depois, percebi que alguém caminhava atrás de mim. Continuei andando com minhas fungadas e minhas considerações.

Uma rua depois, reparei que suas passadas pareciam mais firmes e próximas. Ainda assim, continuei andando. Afinal, estava bêbada e isso não poderia ser nada demais, certo?

Alguns passos depois, senti o aperto de mãos enormes, fortes e estranhas agarrando meu braço como se ele não passasse de um graveto. Gritei e tentei me soltar, mas o aperto só se tornou mais firme, junto a lâmina pontiaguda do que concluí ser um canivete contra minhas costelas, e uma voz assustadoramente calma soou em meus ouvidos:

"Calma, loirinha." Ele beijou meu pescoço e eu soube que não era um assalto. "É melhor você ficar quietinha e só falar quando eu mandar, entendeu? Você vai ser minha essa noite, sua puta... E você vai adorar, se for boazinha comigo."

Sua voz me imprimia um medo que eu nunca havia sentido antes, e levou algum tempo até eu raciocinar que era melhor não o irritar demais. Não antes que eu pudesse pegá-lo desprevenido... Não antes que alguém aparecesse para me ajudar.

Assenti enquanto lágrimas, agora de pânico, brotavam de meus olhos. Meu agressor arrastou meu corpo junto ao seu para uma rua mais escura, entre duas casas de muro alto, onde praticamente ninguém poderia nos ver ou ouvir. Ele me beijou, e tudo o que eu queria fazer era vomitar, mas aproveitei que sua guarda estava um pouco mais baixa e, numa tentativa que eu sabia que não iria se repetir se falhasse, chutei suas partes íntimas e saí correndo.

Corri como nunca achei que pudesse correr. Corri por mim mesma. Corri enquanto gritava aos dezesseis ventos o quanto eu precisava de ajuda. Corri enquanto sua voz calma soava às minhas costas, proferindo palavras terríveis, contando-me paulatinamente tudo o que ele faria comigo. Corri enquanto segurava o vômito que teimava em querer vir. Corri até que senti suas mãos em meu corpo novamente. E então, tudo o que eu pude fazer foi fechar os meus olhos e deixar que minha dignidade fosse roubada. Ninguém viria me ajudar.

Ninguém veio.

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