20| Quando eu morrer

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Para Berkeley


O ser só existe ao ser pensado
E deixa de existir
No exato momento
Em que não é mais pensado.

Se assim for,
Eu gostaria de não ser pensado
O dia todo
Para deixar de existir
E ter a possibilidade de conhecer Deus.
O que garante a minha existência.

Depois de O conhecer,
Eu vou falar para Deus
Que a terra ainda não saiu do estado da natureza,
Que Hobbes, Locke e Rousseau¹
Não conseguiram fazer esse homem firmar um contrato.

Deus, nesta terra
Ainda tem gente
Matando gente
E gente que não pensa na gente
— A maioria.

Eu vou falar tudo para Deus,
Que nesta terra
Reina o individualismo,
Os interesses da minoria.
Que o amor ao próximo
Só existe consoante
O interesse pessoal.

Deus, nesta terra
Reina o poder do mais forte...
O Leviatã² paira sobre nossas almas.
O caos é o prato de cada dia.

Juro, eu vou falar tudo para Deus,
Que nesta terra
O bem e o mal se confundem,
O bem age com maldade
E o mal age com bondade.

Deus, nesta terra
Tudo é confuso e contraditório.
Tem gente matando em Seu nome,
Mas como isso é possível
Se Deus é amor?!
Mas que amor é esse que mata gente
— Gente inocente?!

Deus, nesta terra
Matam-te de mil formas:
Se não te matam de fome,
Matam-te com pólvora.
Sendo essas as duas piores formas de morrer.

Eu vou falar com Deus,
Vou Lhe contar todas as injúrias
Cometidas nesta terra.
Vou Lhe contar tudo,
Eu juro que vou.

Deus, nesta terra
Só existe sofrimento e dor
Mas nem todo mundo sofre,
Pois essa é a língua dos fracos
Sem poder;
Dos bons
Sem bens;
Dos justos
Sem cargos...
Sabe, Deus, nesta terra
Só é justo aquele que não tem pão
— Na maioria das vezes.

Deus, esta terra está podre.

Quando eu morrer,
Vou contar tudo para Deus.

Pambyson Pambe

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1. Filósofos contratualistas, ou seja, que defendem a ideia de que existe uma espécie de pacto subliminar, um contrato social, firmado entre as pessoas, responsável pelo estabelecimento de leis, de ideias da moral, dos costumes e de um conjunto de instituições que possibilitam a convivência harmônica da sociedade.

2. Leviatã (16251) é uma obra do filósofo Hobbes. Nela, o autor defende que o ser humano é egoísta por natureza e, para poder conviver em sociedade, deve abdicar de sua condição natural primária.

Do Céu ao Inferno: De Terras DistantesOnde histórias criam vida. Descubra agora