O inferno dos espelhos(capítulo único)

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    Eu andava por aquela sala escura e fria. As cortinas estavam fechadas, mas um fino feixe de luz as atravessava. Era só eu e mais ninguém. Apenas eu e todos aqueles espelhos.

Aqueles espelhos que insistiam em mostrar como eu sou de verdade.

Todos aqueles espelhos que, no passado, eu havia colocado para admirar a minha aparência, agora se voltavam contra mim. Eu costumava me admirar neles o tempo todo.

Agora, eu só consigo ver um mentiroso.

Os espelhos eram meus inimigos mudos, refletindo todas as minhas imperfeições e mentiras. Mostravam o monstro que eu realmente era. Tiravam a máscara de alguém bom que eu tinha para ver a minha personalidade podre. Era algo que me irritava profundamente.                                       Ao mesmo tempo em que eu estava sozinho, estava cercado por mim mesmo. Todos aqueles reflexos, que imitavam todos os meus movimentos.

E isso estava me deixando louco.

— PAREM, PAREM COM ISSO!

PAREM POR FAVOR!

— CHEGA! — Eu implorava para todos.

Gritava para as paredes.

Eu coloquei as mãos na cabeça, quase chorando.

Minha mente parecia um furacão. Eu não sabia se sentia raiva, tristeza, medo ou os três juntos.

— A CULPA É TODA DELES! — A CULPA É DOS ESPELHOS!! — eu gritei, em um surto violento. — CALEM A BOCA! FIQUEM QUIETOS!

"Eu não sou assim."

"Eu não sou um monstro."

" Eu sou uma pessoa boa."

" Não tem como eu ser assim."

— EU SOU UMA PESSOA BOA!

Eu gritava em desespero, rindo da minha própria desgraça.

Rindo histericamente, demonstrando que minha sanidade estava muito prejudicada.

Meus gritos ecoavam pela sala vazia.

Eu mentia para mim mesmo. Sabia da verdade, mas me recusava a acreditar nela.

Eu não queria ver ele. Meu reflexo horrível. Me recusava a acreditar que aquele era eu.

Os espelhos pareciam rir, zombando de mim. Eu olhei para os meus reflexos, que agora mostravam expressões diferentes das minhas. Eles começaram a rir em um volume ensurdecedor.

Dezenas de versões de mim rindo de uma forma doentia.

Eu já tinha me escondido por tempo demais. Sempre nas sombras, sempre na escuridão. Sempre invisível. Nunca saía de casa. Minha condição não permitia. Minha pele queimava ao sol. Se eu saísse sem proteção e ficasse lá fora por muito tempo, viraria cinzas. Era a minha punição pelos meus crimes. Uma maldição que me fez aprender da pior forma a não mexer com bruxas poderosas.

Num descuido, coloquei a minha mão no estreito feixe de luz. Meus reflexos fizeram eu tirar a mão dali ao sentir minha pele arder.

Mais uma queimadura. Mesmo que eu me cuide, isso continua acontecendo.

Em um acesso de raiva, soquei um dos espelhos.

O espelho rachou e quebrou. Os cacos se espalharam em várias direções.

Olhei para minha mão. Estava perfurada por pedaços de vidro, que tinham se cravado fortemente no meu punho, que sangrava.

— Eu mudei! — Por que todos se afastaram? Por que ninguém mais acredita que eu me arrependi?

Eu sou uma pessoa boa, não sou?

Eu sou uma pessoa boa...

Não sou?

Eu sou a vítima!

Eu não fiz nada!

Eles estão me observando!

Será que ninguém me entende?

Eu não estou louco!

A vítima desse desastre não era ninguém senão o pobre eu.

Eu distorci a verdade para ficar da forma que eu desejava.

Eu manipulei e menti para todos fingindo ser uma pessoa boa.

Mas não...

Eu não sou o vilão aqui.

A culpa é toda dele!

Ele me transformou nesse monstro!

A raiva queimava dentro de mim como um demônio faminto.

Eu decidi.

Eu vou quebrá-los.

— EU VOU QUEBRAR TODOS ELES! – eu gritei em alto e bom som para todas as versões de mim ouvirem — Até que não sobre um mísero caco de vidro!

Na minha loucura e raiva, eu soquei espelhos com força.

Eu continuava socando os grandes espelhos que me rodeavam.

Os cacos voaram para todos os lados, se espalhando pelo salão.

Os pedaços pequenos de vidro se cravaram em minha pele, me cortando.

Nem ver escorrer rios de sangue das minhas mãos fez eu parar.

Eu via minhas mãos sangrarem, sem se preocupar com nada e apenas querendo descontar a minha fúria em tudo que vinha pela frente.

Após um tempo, eu estava ofegante e cansado.

Andei até o último dos 10 espelhos e observei meu rosto e meus olhos atentamente.

— Como você é desprezível. Tão egoísta e desonesto!

Dei um sorriso, demonstrando minha insanidade.

Olhei profundamente para meu rosto no espelho. Sorri e bati minha cabeça fortemente nele. Tudo parecia estar em câmera lenta. Eu ouvi o barulho do vidro cortando minha cabeça e senti uma dor aguda se irradiar por ela, junto com uma tontura. Eu não me importava mais com nada. Que se dane a minha vida fútil! Fui apenas um homem sem caráter, vazio do início ao fim.

Os pedaços voavam. Eu me senti tonto demais para fazer qualquer coisa e só caí chão. Eu me sentia muito fraco por causa da perda de sangue. Caí no chão, completamente sem forças.

 Minha cabeça sangrava, assim como seus braços e mãos.

Minha última visão foram meus braços encharcados e sujos de sangue seco.

Fui deixado completamente sozinho. Abandonado, sem ninguém.

Minha trágica história teve um fim brusco e violento.

O Inferno dos espelhosOnde histórias criam vida. Descubra agora