O mundo acabou pra nós

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 O mundo acabou pra nós

Eu tive um sonho. Eu conversava com dois garotos bonitos, brancos e acho que eram argentinos. Falávamos sobre política e eles tinham aquela opinião estranha de homem branco, hétero e rico que não leva nada a sério no país porque nada vai atingir eles.
Estávamos numa mesa de restaurante linda, o ambiente cristalizado e azulado, tecidos brancos. Me despedi deles (pessoas legais, apesar de tudo (inclusive me deram os nomes deles pra eu procurar nas redes sociais, mas Elle Pacino e Taurino Conadan não possuem perfis no Facebook, eu chequei)) e segui por uma escada que me levou a um lugar aberto. Me vi numa visita guiada à floresta. Na primeira parada, entre tantas pessoas ali eu olhei pra esquerda e te vi ali, Rodrigo. Você tinha dezesseis de novo, mas a altura e o peso que eu tinha naquela época. Você estava igual a mim. Você sorriu e eu fiquei tão feliz e tão surpreso. Mas aí uma coisa estranha aconteceu. O céu acima da tua cabeça se encheu de uma fumaça preta, ao mesmo tempo que sons de explosão ecoavam naquela direção. Parecia o fim do mundo. Minha consciência se agoniou e eu acordei.

Que louco que um mundo com você agora me parece tão impensável que a destruição vem segundos depois, mas no passado eu não conseguia pensar na vida sem ti, porque eu não me lembro de te conhecer, brincávamos juntos antes de aprendermos a falar, nossos pais eram amigos antes de pensarem em serem pais. Se eu fosse católico, teus pais seriam meus padrinhos. A vida sem você era impensável, Rodrigo. Eu não achei que você fosse mudar da água pro vinho, usando agora uma referência do seu universo. Meu pai também não achava que o seu pai fosse sumir também. E ele disse no meu último aniversário, muito bêbado, que pelo menos você era nosso amigo, você não ia fazer isso, não você. Mas olha só, você não foi nem convidado, você não deu nem parabéns. A nossa amizade morreu baleada por uma arma de vida adulta e esfaqueada por sei lá mais o que enquanto corria num campo verde da inocência das amizades pretensamente predestinados e eternas. O que aconteceu com a gente? Quando pisamos no quadrante errado do campo minado? Eu te esperava pra irmos pro Marechal juntos todos os dias, e na volta você descia do ônibus alguns pontos antes comigo pra irmos na banca de revista tentar comprar a HQ de The Walking Dead. Você vivia na minha casa. Você foi na minha formatura do nono ano. Em Curitiba eu só pensava que ninguém ali chegava perto de você. Você tinha uma vaga no carro do meu pai se o mundo acabasse em 2012. Devia ter acabado naquele ano. Me pouparia desse sofrimento.
06/03/2020

Tempo meu, espaço seuOnde histórias criam vida. Descubra agora