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Eu poderia ao menos me dar ao conforto do sofá, mas me jogo no chão. Eu tento usar algum resquício de raciocínio, me lembrar de que estou sozinha em casa. TV desligada e não tem música tocando. Tudo em silêncio.
O barulho ainda é ensurdecedor.
E eu não posso desligar, porque está dentro da minha cabeça e eu não faço ideia de onde esteja o botão de volume.
Eu já não lembro mais a última vez que vi a cara de alguém que não fossem colegas de trabalho que eu pagaria para nunca mais ver, mas continuo vendo porque, bem, comer, beber e vestir não é de graça.
Entro no ônibus fretado com fones no máximo e só os tiro para começar o trabalho. Os coloco de volta assim que bato o ponto de saída, os mantenho aqui até ter pisado em casa. Finalmente, sozinha.
Odeio estar sozinha.
Odeio quando não estou sozinha.
Acho que o problema é a minha própria companhia.
Estou sentada no chão da sala com um pacote de biscoito que vai ser a minha refeição do dia, passando outra vez o dedo pela tela do celular, pulando de vídeo em vídeo, incapaz de parar. Porque, quando paro de distrair meu cérebro, ele me tortura.
E eu tento tudo para fazer ele parar. Já não durmo direito, tento o deixar lento e cansado. Não como mais, quero que ele use cada resto de energia só para me manter de pé.
E ele ainda consegue usar as poucas sinapses que tem para pensar em suicídio. Ótimo.
Ligo a TV, abro o YouTube e deixo rodar qualquer vídeo que eu já tenha visto mais de um milhão de vezes. Odeio começar coisas novas. Repetições compulsivas tem sido a única coisa realmente confortável.
Continuo na mesma posição inerte por horas, qualquer mínimo movimento é exaustivo. Não dormir e não comer faz tudo ficar mais cansativo e odioso, mas fazer as duas coisas tem se tornando impossível.
Eu estou ouvindo o som das notificações. Eu vou continuar fingindo que não estou.
Simon
Filha?
Você não tem atendido o telefone
Não me deixe preocupado desse jeito, você sabe como sou quando estou preocupado.
Marcy?
Escorrego a notificação para o lado e sigo no meu pequeno inferno pessoal, que nunca fica em silêncio, tentando enganar a merda dessa minha mente idiota que simplesmente nunca para.
Olho de canto para o celular, leio a mensagem por cima pela notificação. Apenas deixo meu olhar correr de volta para a TV.
Marsh
Ei, sua otária
Vai matar teu pai do coração, é? Ele me ligou todo preocupado com você.
Marcy?
Porque você nunca responde nem atende essa merda de telefone??
Minha pressão caiu. Merda. Tá legal, eu vou comer essa barra de chocolate que eu ainda tenho por perto.
Nem fodendo que eu vou levantar e fazer comida de verdade. Ultimamente, só como isso se fazem para mim.
Não tem ninguém para fazer para mim a muito tempo.
Keila
Amiga? Tudo bem?
Só responde se vc tá legal, por favor
Eu tô preocupada, Marcy.
Algumas das mensagens doem mais que outras. Nenhuma nunca é suficiente para me fazer me mexer.
Tem sido tão custoso fazer qualquer coisa, ultimamente.
Tem noção de quanta energia eu gasto com as coisas que moram na minha cabeça?
Tem meia hora que preciso ir ao banheiro, mas ainda não consegui me convencer a ir. E não é como se eu fosse me forçar a ir ao médico num futuro próximo, então eu nunca vou saber se estou com uma infecção ou não.
Olho de relance pro celular outra vez. Dessa vez, engulo em seco. Penso um pouco, mas decido. Arquivo a conversa. Por via das dúvidas, arquivo todas as outras três que eu já estava ignorando. É mais fácil empurrar a vida com a barriga quando eu não estou vendo o estrago que estou fazendo.
Bonnie 💞
Marcy
Sei que as vezes você só não quer ver ninguém, mas não faz isso comigo
Por favor
Eu quero ajudar você, quero ficar do seu lado
Não me afasta também, eu tô te pedindo
Não é, nem nunca foi, solitude. É solidão, e auto imposta.
Eu continuo me forçando para dentro da minha própria cabeça e trancando todo os outros para o lado de fora. Quem é que precisa dos outros?
Eu posso conversar, debater, brigar, rir, chorar, cantar, dançar e transar com os meus próprios demônios.
Qualquer outra coisa depende de sanidade. Mas ela me faz de idiota.
Ela ri de mim toda vez que caio de joelhos, nunca responde quando eu grito por ela.
Então, eu trato a mim mesma com leviandade, deixo que ela me cuide, me ajude a tentar esquecer.
Vai ver é aqui mesmo e eu finalmente cheguei. Fundo do poço.
Não há nada para ver, nada pelo qual eu ainda me importe em ficar de luto.
Ela está me ligando, então eu só desligo o celular. Continuo só reassistindo qualquer merda. Começo a rir, quase maníaca. Acho que o restinho de sanidade que me sobrava finalmente se foi.
Não tem ninguém aqui, mas o nada é barulhento.
Tem ecos ao redor da minha casa vazia.
Minhas sinapses começam a desacelerar,
Esse deve ser o vazio do qual eles sempre falam.
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Ouvindo a nova do Paramore enquanto não dou um pingo de atenção pra ele, trancada no único cômodo em que fico totalmente sozinha e com todas as minhas mensagens perfeitamente ignoradas.
E, definitivamente, perdendo a cabeça.
Hayley Williams, você nunca erra, garota.
(Ouçam Sanity, é boa pra cacete)
- Tersy 🥀
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Sanidade (Marceline Abadeer)
FanfictionNinguém em casa, silêncio ensurdecedor e ecos ao redor da minha casa vazia. Minhas sinapses desacelerando, esse deve ser o vazio do qual a gente sempre fala.