Uma Futura Família Em Um Passado Destruido

leques, comida, agulha e chá

Jiang Yanli passou uma tarde maravilhosa na companhia de Nie Huaisang. A jovem mestre era versada em tantos tópicos que nunca achou interessantes antes. Ele até mostrou a ela como pintar leques, ajudando-a a ajustar sua imagem de Cloud Recesses quando seus próprios talentos falharam.

Ninguém nunca tinha feito isso por ela antes. Os professores do Lotus Pier desistiram quando a mãe dela os informou que eles estavam perdendo tempo. Doeu ser dispensada daquele jeito, mas ela entendeu. Afinal, seu núcleo estava fraco e sua saúde também. Enquanto seu futuro como noiva Jin estivesse garantido, não havia sentido em desperdiçar recursos.

Deixada sozinha, ela começou a cozinhar quando uma das cozinheiras lhe trouxe um pouco de sopa depois de uma das palestras de sua mãe. O conforto que ela recebeu daquela tigela, ela passaria para outras.

Ainda assim, foi bom melhorar em outras coisas além da comida. Não que a comida não fosse importante, mas alguém na posição dela deveria lutar por mais. Afinal, cozinhar era um trabalho de servo. Seu pai não se importou. Ele se confortou com as refeições que ela preparou especialmente para ele, assim como a-Cheng e a-Xian.

Talvez Jin Zixuan gostasse mais dela se ela fizesse algo só para ele. Nie Huaisang certamente gostou do baozi que ela fez para ele. Ele até deixou que ela o ensinasse como fazê-los sozinho. Eles se divertiram muito trabalhando juntos com os leques e a comida.

Ela suspirou. Era bom ter um amigo, especialmente porque seu a-Xian parecia ter esquecido completamente dela. Apesar de nervosa, ela conseguiu perguntar a Huaisang sobre ele.

O herdeiro Nie disse a ela que eles tinham saído em uma caçada noturna por Lan Xichen e, quando retornaram, o herdeiro Lan adoeceu. Agora, ele estava ajudando o segundo jovem mestre Lan a cuidar dele, já que a-Xian era o único em quem Lan Wangji confiava.

Claro. A-Xian era uma pessoa tão amorosa e generosa que não era de admirar que o segundo Jade achasse sua companhia útil e apreciada. Era bom ser útil e apreciado.

Ao relembrar o dia, ela voltou para a pequena cozinha de seus aposentos. Seu a-Xian deve estar cansado de tanto trabalhar. Ela faria uma sopa para ele e levaria para ele, certificando-se de cozinhar o suficiente para levar para os dois Lans também. Afinal, a-Xian sempre disse que sua comida poderia curar quase tudo.

Wei Ying sentou-se nos degraus do Jingshi, feliz por tomar um pouco de ar fresco. Wen Qing estava com Lan Wangi, cuidando de Zewu-Jun com suas horríveis agulhas e chá. Ela já o havia submetido à tortura, aliviando a dor que havia começado a aumentar novamente em seu braço. Ele flexionou os dedos e pegou Chenqing, deixando a doce melodia de Wangxian lavar seu cansaço.

Ao terminar a última nota, Jiang Yanli apareceu no caminho, com a cesta na mão e um sorriso suave no rosto. Ele exibiu um sorriso semelhante, incapaz de encontrar energia para correr até ela como faria no passado.

A última vez que ele a viu, ela estava morta nos braços de Jiang Wanyin.

Lágrimas queimaram seus olhos; ele piscou rapidamente para suprimi-los.

Isso doeu. 

Isso doeu tanto que ele quase não aguentou. Suas pernas e pés o incitaram a correr, para evitá-la. Ele não era bom para ela, e ela... bem, ela também não era boa para ele. Isso rasgou sua alma. Seu shijie foi seu mundo por tanto tempo, um lugar mais seguro no inferno para ele se esconder. Uma pequena parte dele ainda o acusava de ser ingrato, egoísta e pouco filial. Isso trouxe à tona cada momento de bondade e despejou a culpa sobre ele até que ele quis quebrar.

Ele avistou a fita ainda enrolada em seu pulso e as acusações desapareceram. Certo. Ele sabia o que realmente era o amor e o vivenciava há mais anos do que em sua vida no Lotus Pier.

“Olá”, ele cumprimentou, um pouco surpreso com o tom amigável em sua voz.

“A-Xian, senti sua falta”, ela disse enquanto se sentava ao lado dele e colocava a cesta aos pés dele. “Trouxe algo para você e os jovens mestres Lan. Huaisang me contou o que você tem feito nos últimos dias.” Ela se encostou nele como costumava fazer. “É muita gentileza sua ajudar. Você se tornou um bom amigo de Lan Wangji, certo?

Ele assentiu, sem conseguir dizer mais nada. Durante anos, ele ansiava pela companhia dela, especialmente no Cemitério. No entanto, agora que ela estava aqui, nada era igual. Ela era uma sombra da imagem real que ele construiu em sua cabeça. Sim, ela ainda era doce e gentil, mas antes ela brilhava.

“Jiang Cheng sente sua falta. Ele disse que você teve outra discussão boba e você devolveu seu sino de clareza. Ela afastou um fio de cabelo do rosto dele e cutucou seu nariz. “Você provou seu ponto, Xianxian. Você deveria ir vê-lo antes que ele acredite que você realmente pretende deixar nossa seita, nossa família. Meu a-Xian não faria isso. Ele é muito jovem para ficar sozinho.

Seu sorriso se alargou, seus olhos brilhando enquanto ela esperava que ele desse sua resposta habitual. Afinal, ele tinha apenas três anos.

Wei Ying deu um tapinha na mão dela, tentando ser gentil com alguém que não sabia que o amor poderia vir sem malícia e palavras duras. “Sinto muito, Senhora Jiang. A-Xian não tem mais três anos.”

Seu rosto empalideceu, seus olhos se arregalaram. “S-senhora Jiang? A-Xian, você nunca me chama assim. Eu sou seu shijie. Eu sempre estarei.”

Ele balançou sua cabeça. “Não seria mais apropriado chamar você de shijie.”

Ela estendeu a mão para sua bochecha e hesitou antes de recuar. "Eu não entendo. O que fizemos para que você nos deixasse? Você é meu irmão, meu didi. Se for a  mãe, ainda cuidaria de você; Você sabe disso. O mesmo acontece com a-Cheng. Ambos têm dificuldade em demonstrar suas emoções e se escondem atrás da raiva. Eles não significam…”

Ele agarrou as duas mãos dela, dando uma pequena sacudida. “Você ouve o que está dizendo? Você está descartando o abuso físico e emocional deles como um problema de todos os outros. Você não vê qual é o erro nisso? Ele captou o olhar dela, endurecendo-se com a dor em seus olhos. “Só podemos usar essa desculpa por um certo tempo antes que a fúria de suas ações crie danos permanentes.”

“Mas você me tem”, ela disse com uma voz suave. “Não importa o que eles façam, você me tem. Eu falhei com você, a-Xian? Eu te decepcionei tanto que você quer me deixar também?"

Wei Ying balançou a cabeça. “Você ainda não vê isso, não é? É por isso que você está disposto a tolerar os insultos que Jin Zixuan lança contra você? Você realmente acha que se esperar o suficiente, todos mudarão e tudo ficará bem?

Ela se afastou dele e ficou de pé, alisando as saias. Lágrimas caíram por seu rosto. Ele ansiava por afastá-los, mas não era mais sua função.

“Lamento termos decepcionado você, a-Xian. Me desculpe, não somos bons o suficiente, eu não sou bom o suficiente, para ser sua família."

Ela se virou e correu de volta pelo caminho. Enquanto ele a observava partir, seu coração afundou nos sapatos. Cultivo demoníaco, o Cemitério, perdendo seu núcleo: nada disso o destruiu tanto quanto machucar ela. Ainda assim, foi o melhor para ambos. Ela precisava perceber o quão confusa era sua família, e ele precisava viver.

Ele pegou a cesta e tirou a tampa. Sopa. Cheirava bem, lembrando-lhe que estava com fome, mas simplesmente não era mais satisfatório.

“Wei-xiong!” Nie Huaisang gritou quando ele e Wen Ning chegaram. “Trouxemos o jantar. Wen-didi fez macarrão e tofu frito.”

“Era tudo o que o pessoal da cozinha me deixava comer”, disse a-Ning, com um leve rubor nas bochechas. Para um ex-cadáver feroz, seu irmão mais novo ainda tinha muita inocência.

Huaisang riu. “Tive que convencê-los de que era por causa de seus preciosos jades. Ainda bem que eles estão acostumados a me ver comendo mais do que saladas e sopas medicinais.

“O que você fez para trocá-los?” Wei Ying perguntou, deliciando-se com o aroma de uma refeição saborosa.

Ele piscou, seu sorriso presunçoso. “Não sei o que você está sugerindo? Eles me amam aqui. Como demonstração de apreço pelo carinho deles, sempre me lembro de trazer ingredientes especiais do Reino Imundo.”

Wei Ying riu e pegou a cesta abandonada de Jiang Yanli. “Vamos, oh generoso. Vamos alimentar a nós mesmos e aos outros.”