Algumas ainda resistentes folhas laranja avermelhadas balançavam perigosamente nos galhos escuros das árvores que ficavam na frente do pequeno chalé alugado. Depois de um dia extremamente chuvoso e cinzento como era característico em Randolph, os primeiros e últimos fracos raios de sol surgiram pintando o céu com tons de rosa, laranja e amarelo, uma bela e inspiradora paisagem, digna de uma pintura feita por mãos talentosas, que no caso, não eram as minhas.
Não, eu não possuo nenhuma habilidade para esse tipo de arte, e nesse momento estou acreditando que não tenho habilidade para nenhum tipo, pois o notebook continua aberto, me encarando estava uma tela quadrada, perfeitamente em branco, encaro meu reflexo fracamente estampado ali e retiro os óculos e aperto a ponte do nariz enquanto cerro os olhos com força. Suspiro. A minha auto-pressão não está ajudando a inspiração a fluir, por isso decidi fazer outra coisa, que não seja observar a bela paisagem do pôr do sol através da enorme janela de vidro.
Levanto tirando o notebook que estava cuidadosamente posicionado sobre minhas pernas e empurro para o chão o cobertor felpudo e fofo de cor vermelha que me protegia do frio. Meus pés cobertos por meias grossas tocam o chão de madeira polida e escura, sinto um leve formigar que sobe do calcanhar até os joelhos, devido a posição de "índio" que estava por pelo menos uma hora. Apesar do desconforto, dou alguns pulinhos para exercitar os músculos que estavam parados, e sigo em direção a pequena e obscura escada localizada perto da parede posterior da sala, levando comigo o cobertor e o notebook já fechado.
Esse pequeno chalé que encontrei em um anúncio na internet parecia perfeito para o meu propósito, no entanto, apesar do silêncio ensurdecedor, da bela, solitária e quase triste paisagem e da misteriosa cidade totalmente à minha disposição, a inspiração se recusava a vir. Subo as escadas lentamente, observando os degraus opacos e desgastados, minha meia se agarrando às farpas da madeira a cada passo. Após pensar um pouco no que fazer enquanto ficava parada na porta do quarto encarando sem realmente ver um pequeno quadro de moldura escura retratando uma paisagem qualquer com um lago agora já esverdeado devido a ação do tempo sobre a tinta, decido dar uma volta pelas redondezas, afinal, dentre as opções de reler alguns dos livros que trouxe, assistir algum filme, era a opção de sair que mais traria inspiração. Abro as portas do pequeno guarda-roupas e retiro de lá sem pensar muito uma calça jeans de cor clara e uma blusa de lã preta. Tiro o conjunto de moletom cinza que estava vestindo, pensando brevemente que as roupas que separei estariam geladas, visto rapidamente as roupas escolhidas, sentindo um leve arrepio quando o tecido gelado do jeans toca minha pele, pego um grande casaco de lona vermelho que está estendido sobre a guarda de uma cadeira e vou em direção às escadas.
Entro na cozinha de cor creme, que poderia ter sido branca a um muito tempo atrás e pego meu celular sobre a mesa ao olhar a tela não vejo nenhuma notificação de mensagem e percebo que já são quase cinco horas da tarde e a temperatura é de 6°C, olho pela pequena basculante da cozinha e vejo os últimos raios de sol, quase sufocados pelas pesadas nuvens que cobrem o céu, dando seu adeus. Aqui em Randolph, no Estado de Maine, no geral, é muito raro passar o dia todo sem pelo menos alguns minutos de chuva e hoje não foi diferente, ao menos as chuvas de hoje foram rápidas e finas, então provavelmente o solo não deve estar tão molhado. Visto minhas botas que estavam descansadas ao lado da porta e pego algum dinheiro e minha identidade dentro da minha mochila, e as coloco no bolso lateral no casaco. Verifico se a janela está devidamente fechada e finalmente saio.
Ao abrir a porta a brisa úmida e gelada toca meu rosto. Olho para o céu tentando calcular a probabilidade de chover e eu acabar molhada e consequentemente resfriada, a probabilidade era grande, porém o leve medo de atravessar a estreita parte da floresta que fica em frente ao chalé que causava um frio na barriga me fez seguir em frente, bom, isso e o pensamento de observar um pouco a vida das pessoas que viviam ali, não que eu esperasse ver algo anormal ou algo do tipo, porém acredito que sempre podemos ver algo inspirador ou pelo menos curioso. O caminho através da floresta demorava apenas uns cinco minutos e levava a uma rua consideravelmente bem movimentada - para uma cidade pequena - onde haviam muitas casas, seguindo algumas quadras a frente havia uma rua central com algumas lojas, livrarias, cafeterias e uma grande biblioteca. Eu não havia explorado todos os pontos da cidade ainda, afinal estava aqui a apenas três dias.
Decido tomar um café e visitar algumas lojas enquanto atravesso floresta adentro, o único som que consigo ouvir nesse momento é o barulho das folhas secas abaixo dos meus pés, o ronco de algum carro solitário passando pela rua um pouco mais a frente e as vozes distantes e agudas de algumas crianças que estavam provavelmente brincando na rua, e então de repente algo interrompe meus devaneios pulando na minha frente fazendo meu corpo paralisar e meu coração bater desenfreadamente com o susto.
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Crônicas EntreMundos: Selvagem
FantasyA linha entre a realidade e a fantasia é tênue. Mas o que fazer quando está cada vez mais difícil distingui-las? Emma só estava atrás de um pouco de paz e inspiração quando foi passar uns dias em uma pequena, retirada e gelada cidade. No entanto, qu...