CAPITÚLO II

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Meu coração ainda batia desenfreadamente quando a pequena e fofa causa do meu susto saiu pulando floresta adentro balançando o rabinho fofo.

Uma lebre.

Rio comigo mesma enquanto sigo meu caminho até a cidade, pensando em como deve ter sido uma cena engraçada - minhas expressões de pavor geralmente são -, pelo menos eu estava sozinha. Sigo caminhando pela rua cinza e perfeitamente pavimentada quando vejo as tais crianças que tinha escutado anteriormente. Eram duas meninas com cerca de 11 anos e um garotinho menor, de pelo menos uns 7 anos, que me lembrou inevitavelmente o meu irmão mais novo, talvez fosse pelo fato de ter o mesmo corte de cabelo que ele tinha na época (estilo coloquei uma tigela na cabeça e cortei) ou pelas bochechas redondas e fofinhas, mas a afeição pela criança caiu como uma bigorna sobre mim quando percebi que a voz infantil alterada era a dele e as meninas mais velhas estavam fazendo algo para incomodá-lo. Andei até lá calmamente pensando em usar minha autoridade natural de adulta para resolver a situação.

- Oi, pessoal, tem algum problema aqui? - Digo enquanto me agacho ao lado do garotinho surpreendendo os três que estavam absortos demais para perceber minha presença. Dois pares de olhos se arregalam ao me ver, pertencentes a uma garotinha loira de casaco cor de rosa e do garotinho, mas outro par de olhos azuis me encara em desafio. Ótimo, a pirralha quer brigar. Seus cabelos pretos e brilhosos estavam presos em duas traças laterais e contrastavam com a pele alva, ela parecia bem feroz para a idade.

- Nós não falamos com estranhos. - A menina de cabelos negros respondeu. Pensei em mil coisas que poderia dizer, mas fiquei com ainda mais medo da garota ofender meu ego, então simplesmente a ignorei e me voltei para o garotinho, questionando se estava tudo bem com ele, no entanto ele simplesmente me olhou com os olhinhos escuros, redondos e cheios de água, e saiu correndo.

- Por que vocês estão implicando com ele? - Perguntei irritada.

Naquele momento meu ego adulto foi literalmente atropelado por uma bicicleta infantil. A garota de trancinhas simplesmente avançou com a bicicleta sobre mim - e se eu não citei antes, ela era a única das crianças que estava sobre uma bicicleta -, tirando o pouco equilíbrio que eu tenho e me derrubando em uma posição bem mais que ridícula no chão, e ainda para fechar com chave de ouro ela me fuzilou com o olhar e disse ameaçadoramente: "Some daqui estranha!". E como se meu orgulho já não estivesse machucado o bastante uma voz diferente surge.

- Anna, o que você tá fazendo?! - Eu fui me levantando com calma planejando sair de fininho. Bati as mãos na roupa silenciosamente, tentando tirar qualquer mancha de sujeira.

- Vai para dentro, agora! E espera só a hora que a Mãe chegar. - Eu nem olhei para o lado para conhecer o dono da voz, simplesmente fiquei repetindo o mantra: Eles nunca mais vão te ver, não precisa sentir vergonha. Eles nunca mai...

- Ei, garota. - Ai, droga. Eu queria correr, mas como não tenho mais 17 anos e agora sou uma adulta madura e confiante, em vez de correr apenas me virei lentamente e encarei a pessoa que tinha me chamado. Meu rosto provavelmente da cor de um tomate.

- Peço desculpas pelo comportamento da Anna. - O garoto/homem de cabelos negros e brilhantes como os da garotinha me encara e apesar das palavras serem ditas em um tom sério a sua expressão parecia levemente divertida. "Ah, tudo bem. Sem problemas.", digo enquanto me viro e penso em seguir meu caminho o mais rápido possível. Não sei exatamente o que acontece quando alguma pessoa diferente fala comigo, uma vergonha imensa toma conta de mim, e minha vergonha não tem gênero favorito, ela aparece para qualquer, exatamente qualquer, pessoa, e com ele não foi diferente.

- Meu nome é Aaron... - Ele diz enquanto me segue.- o seu é?

Digo o meu nome a ele enquanto ele segue andando ao meu lado, um farfalhar em um arbusto da floresta no outro lado da rua deixa Aaron meio tenso, porém ele segue me questionando atentamente sobre várias coisas, já para mim o barulho é muito comum e faz parte da paisagem, e da cidade. Aos poucos eu fui perdendo a vergonha e nossa conversa se tornou fluída, andamos por alguns lugares e tomamos um café deliciosamente quente. E então, nesse fim de tarde agradavelmente frio, com o sol sumindo no horizonte, eu tive o prazer de conhecer Aaron Davis.

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