Capítulo 3 - O Primeiro Amigo

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Já faz quase um mês que eu estou aqui e ainda me lembro de tudo que perdi quando vim para cá. Uma coisa tem me deixado triste, e com o tempo tenho esquecido um pouco da voz do meu pai. Sinto-me muito só e dói ficar sozinho. A felicidade parece ser inalcançável para mim agora, não há nada que eu goste... Nada que eu queira fazer.

Hoje estou num dia especialmente ruim; como se já não bastasse ter que viver aqui, agora me obrigaram a ir para uma escola nova no meio do ano letivo e ser aluno novo é uma droga. Quando minha mãe veio me dizer que eu iria para outra escola eu fiquei muito chateado, mas resolvi não questionar. Ainda tento ter o menor contato possível com ela e nem penso em iniciar uma discussão, já que não quero de modo algum ter contato com ela. Depois do incidente na cozinha, ela passou a me deixar almoçar no meu quarto, o que pra mim foi ótimo. Consigo passar quase o dia todo sem falar com ninguém.

Desço as escadas, já pronto para ir para a escola. Meu uniforme é ridículo: uma blusa branca com uns detalhes em azul nas mangas, com o desenho feio de um pássaro na altura do peito. Graças a deus ao menos posso ir de calça jeans, já que tenho pernas finas e odiaria ter que usar bermuda.

– Bom dia, filho. Espero que goste da escola nova – disse minha mãe com um sorriso no rosto. Por que ela sorri tanto? Até parece que estamos bem; nós nem nos falamos direito. Além disso, escutar que ela não me queria aqui acabou com qualquer chance de eu querer que nos déssemos bem.

– Bom dia – respondo secamente.

Ela ficou com um rosto entristecido. Atualmente, sempre que eu a respondo secamente, minha mãe fica com essa cara de quem já morreu. Sinceramente, isso me deixa muito feliz e é bom pra ela aprender como é sentir dor por causa dos outros.

Já do lado de fora da casa que por sinal não via desde que cheguei aqui nunca sai de casa, acredito que por eles acharem que estou em período de luto não devo ser perturbado ou simplesmente não se importam mesmo. Solene e Mellíssa vão comigo para a mesma escola, já não nos falávamos muito e depois do que aconteceu fiquei mais distante ainda de minhas irmãs, até evitamos nos olhar. Ficamos os três parados em frente a nossa rua esperando o micro ônibus da escola, que não demora muito a chegar. Assim subimos, e para minha surpresa ele estava bem vazio, tinha no máximo umas sete crianças, as duas gêmeas sentaram-se juntas e eu fui para um banco mais distante e assim a viagem seguiu.

Logo que o micro ônibus chegou, todos foram descendo perfilados. Eu fui o último a descer, realmente não queria entrar na escola, mas não tenho escolha: tenho que ir. Assim que entrei, procurei ficar perto de minhas irmãs, mesmo que não goste delas é meio assustador ficar sozinho no primeiro dia de aula. Vejo várias crianças andando e formando grupinhos, conversas alheias para todos os lados, típicos de uma escola comum e normal. Como é de costume, assim que o sinal tocou foi àquela correria. Eu, completamente perdido, tinha uma folha que minha mãe havia me dado com as informações sobre minhas aulas e salas, mesmo assim me senti um pouco perdido. Minhas irmãs foram subindo as escadas para suas respectivas aulas, eu mantive o meu orgulho e não as perguntei nada a elas, porém tive que ficar caçando a minha aula de sala em sala.

Após alguns minutos procurando achei minha sala, como se já não já não bastasse ser aluno novo, ainda serei o ultimo a entrar na sala. Assim que entro vejo os rostos dos colegas de classe olhando para mim, é muito desagradável isso.

– Olá? – me pergunta a professora fazendo uma cara de confusa.

– Oi — respondi com a voz um pouco trêmula, entregando um papel que dizia reentrava o que eu havia dito. — Eu sou aluno novo.

– Muito bem, mocinho... Sente-se ali que a aula já começou – me disse a professora, querendo apressar as coisas.

Sentei-me em uma mesa próxima à parede, quase no final da sala. Os lugares eram sempre em duplas, mas por sorte a carteira que peguei tinha dois lugares vagos, assim pude sentar sozinho sem problemas. Os colegas de classe não deram muita atenção para mim, um ou outro cochichava evitando me olhar diretamente, mas dava para perceber de quem é que falavam — eu, claro.

Já estou indo para a minha terceira aula do dia, continuo sem ter contato com ninguém, sempre tento me sentar em uma carteira com dois lugares vagos e os outros alunos não vieram falar comigo. Sabia que seria assim, aluno novo sempre sofre. Ao menos não me perco mais nas salas às quais preciso ir, e minha terceira aula do dia seria no último andar do prédio.

Assim que entro na sala percebo que as cadeiras eram poucas e acabei tendo que me sentar do lado de um garoto. Ele era bem mais alto que eu, negro, magro, tinha sobrancelhas grossas e a boca um pouco grande. Logo que me sentei, olhei para ele, que por sinal também havia olhado para mim. Foi um pouco estranho e constrangedor.

Assim que a aula começa, fico perdido. Não entendi bem o que o professor de ciências estava explicando, porém o garoto ao meu lado me mostrava o caderno dele que especificava cada coisa que o professor ia falando. Para minha surpresa esse garoto ao meu lado era bem inteligente e graças a ele pude acompanhar a aula sem ficar perdido.

No meio da aula, o sinal toca e pela pressa dos alunos para saírem, já sabia que se tratava do intervalo, saio devagar acompanhando esse garoto que havia sentado ao meu lado.

– Tá sendo difícil o primeiro dia? – me pergunta o garoto.

– Um pouco – respondi sem graça. — Não sou muito bom em fazer novas amizades.

– Meu nome é Wesley, comecei esse ano aqui nessa escola, eu era de outro estado – falou sorrindo.

– O meu é Abel, deve ter notado na chamada... Todos olharam para mim.

– O meu nome era o mais estranho até você chegar – disse rindo um pouco alto.

Não sem bem porque, mas achei-o tão engraçado, seu sorriso leve a forma que se expressa, tudo nele é bem legal, acredito ter encontrado meu primeiro amigo aqui.

Passei o intervalo todo conversando com Wesley, ele me falou da vinda dele para essa escola e também sobre alguns assuntos relacionados à escola. Como são os professores, quais são as melhores aulas e quem são os alunos problemáticos. Entre um assunto e outro com Wesley, avistei ao longe uma de minhas irmãs. Assim, dessa distância, não dá para saber quem é quem — apesar de que isso pouco me importa, não quero mesmo ter contato com elas.

Após um ótimo dia na escola volto para casa muito feliz. Achei que seria um desastre, mas encontrar o Wesley foi muito bom, pode ser de fato meu primeiro amigo nessa cidade. Nem mesmo olhar para minha mãe tira meu bom estado de espírito, apesar de que ela parada na minha frente com esse sorriso no rosto me incomoda muito.

– Como foi na escola, filho?

– Foi bem – respondo secamente. Ainda estou muito feliz, mas faço questão de não demonstrar isso para ela.

Nem dou atenção ao que ela disse em seguida, vou até o banheiro direto pra me banhar. Estou muito cansado e quero me deitar, mas ainda tenho que estudar para acompanhar a turma.

Pensei em escrever uma carta para minha tia, mostrar um pouco do meu descontentamento em estar aqui. Ela me largou em uma ilusão triste, onde tenho uma família. Esses dias que estive aqui passaram tão rápido, mal deu pra sentir não estou mais na minha realidade, ainda não encontrei meu lugar nessa casa, tudo mudou, a única coisa que permanece é a saudade de meu pai. Não sei como se faz para enviar uma carta e não pedirei ajuda a ninguém, ficarei aqui remoendo o meu descontentamento, ao menos agora eu tenho meu primeiro amigo.


Capítulos betados por @Lorena_Luiza 

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