Oito.

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"Vê se vai, sem voltar. Não olha pra trás, tem gente que começa só depois do fim. "

EVA

Sorrio ao me olhar no espelho, soltando meus cabelos para trás, sentindo os fios macios tocarem na minha pele, até a cintura. A luz do sol refletia nele, mostrando o quão brilhoso estava a maciez e não contendo o tamanho do sorriso que se formou em meus lábios. Aliso lentamente com as palmas das mãos o vestido azul bebê, com alguns detalhes floridos branco com azul mais escuro, calço a rasteirinha também com detalhes floridos sorrindo. Meus dedos tocam no potinho de remédio, levando dois a boca, os engolindo com auxílio da água que fica na minha cômoda já para isso mesmo.

O cheiro de bolo de chocolate tomou conta de todo o ar, o sorriso que já estava sob meu rosto, se alargou ainda mais em uma ansiedade batendo no meu peito, com o coração palpitando vindo instantaneamente na minha cabeça a imagem da caldinha de chocolate, com granulado por cima que minha avó sempre faz... eu amo tanto, gosto tanto que sempre que sinto o cheiro parece que agita cinco crianças dentro de mim...

- Eva, minha filha.. desce aqui. - brada, calmamente, jogo o cabelo para trás novamente saindo quase que correndo para a cozinha. - Tem um homem te procurando, quem é em Eva? - semicerra os olhos para mim, com a boca em uma linha fina, a colher com calda de chocolate permanece apontada pra mim.

Ergo as sobrancelhas em confusão, olhando para a minha avó que mantém os olhos semicerrados pra mim.

- Não sei vovó. - levo a mão ao rosto, alisando minha própria bochecha com o polegar. - Queria o que? - pergunto, olhando para o bolo quase pronto na mesa, o cheiro tão gostoso, dando a plena vontade de comer ele diretamente.. assim, sem cortar.

- Deixou a sacola pra você. - mantém os olhos semicerrados pra mim, voltando a confeitar o bolo da forma que ela sabe que eu gosto.

Amo meus avós e não viveria sem, o carinho, afeto. Colo. Tudo, a criação maravilhosa que eles me deram me fizeram eu me tornar quem sou hoje em dia e mesmo com esse diagnóstico não fez mudar nada.

Ainda amo o carinho deles, os abraços.

Sorrio pra ela toda séria, vendo a sacola branca exposta na bancada com um papelzinho torto grudado, a letra de longe estava dando para perceber que é um garrancho, a escrita totalmente torta e descendo cada vez mais. Estico as mãos, puxando a sacola pela alça, a subindo mediamente aos meus olhos, não enxergando nada suspeito, a ponho novamente sob a bancada abrindo as sacolas duplas. Não contendo o sorriso imenso que se formou ao meu rosto e lábios, quando meu olhar bateu certeiramente no pote de sorvete sabor algodão doce, escrito grandemente a cor rosa de canetão preto e ao lado da embalagem um outro bilhete com a seguinte frase: " pote pequeno, pistache "

Olho pra minha avó que já não estava na cozinha, dando pulinhos de alegria na cozinha mesmo, os levando para o congelador. Puxo novamente, desta vez o bilhetinho torto e mal cortado preso na sacola, o subindo para meus olhos.

" Sei pra que não, mais é pra tu, pequena Eva. "

Dou risada, passando a mão no rosto, enquanto releio o papelzinho novamente, a letra estava me incomodando mas foi fofo. Até porque nunca imaginei um gesto fofo dele... se bem que com o presente, será que agora somos amigos?

Viro o papelzinho, vendo um pequena letrinha ali.

" aceito ser teu amigo. " escrito de forma errada, mas sorri de orelha a orelha, não conseguindo esperar a hora de vê-lo novamente.

MATARAZZO.

- Tu mandou sorvete pra Eva? - Dominó murmura, alto, com o celular virado pro meu rosto, com um sorriso de canto a canto. - Tá, tá zoando Mata?

- Uhum. - passo a língua nos lábios, semicerrando os olhos pra ele, o maior fofoqueiro. A parada é que só contei pra ele porque o maluco era o único disponível e eu mermo estava precisando contar, Baronesa não pisa aqui na favela desde o dia da sorveteria então era só caô pro meu lado.

- Caralho, essa é nova. - se levanta, rindo pra caralho. - Ta gostando da problematiquinha lá da boleira, porra. - ri de novo. - Esqueceu a vagabunda da Ali. - para de falar, assim que encaro seu rosto sério, com a glock apontada pro seu rosto em um gesto só. - Foi mal, tô feliz por você.

- Amizade. - falo grosso, cortando o assunto.

Falar da Alina é mexer com a pior parte que tem dentro de mim, na moral. A morte dela ainda não entrou na minha cabeça e nem vai, por culpa minha. Estar deixando a pequena Eva entrar está sendo traição com a Alina é ruim pra ela.

- A garota está aí na porta, procurando por você. - a voz da baronesa ecoa, com o dominó saindo da sala e ela com a cara séria. - Já sei porque está grudado nela, porque ela lembra a Alina, mas eu te digo uma coisa, se acha que vai ficar com ela pra preencher o vazio que sente por ter matado a minha irmã, isso não vai rolar, está ouvido Matarazzo? - aponta o dedo no meu rosto, mantenho o rosto sem expressão, deixando fixo no seu olhar. - Ela é parecida mais nunca será ela, nunca! Quer você queira ou não, o certo era você ter ido no lugar dela e não ela. Você destrói tudo que toca, e vai destruir essa garota, mais uma família que vai chorar com o culpado sendo você! Mas dessa vez, quem dará fim nela sou eu, escuta o que estou te falando, agora sai daqui, vai embora.

Sua voz de choro com os olhos cheios de lágrimas não me comovem, apenas movimento meus passos saindo da sala com a fala dela ecoando na minha mente, como se fosse um buraco vazio aonde somente existe seu rosto e as falas repetidas sem nenhum pudor.

" assassino. "
" ela nunca será ela. "
" ela morreu por tua causa "
" você vai destruir ela, destruir mais uma família. "

Passo ela porta segurando a glock com força, passando pela Eva, ouvindo somente um barulho que não me dei o trabalho de nem me virar pra ver.

" Mais uma família vai chorar sendo que o culpado é você. "

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