Os Anjos

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Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.

João 8.12


    — Não, não é assim que funciona. Você não pode simplesmente se tornar um de nós! — O mais velho estava preocupado com o amigo de objetivos terrivelmente bobos.

    — Você não sabe se eu não tenho o poder! Posso só não ter despertado ainda — retrucou o jovem.

   — Não é uma magia, nem um Dom, é um pacto! Um pacto com seres que vão te devorar se não for forte o suficiente para recebê-los. Eles sussurram na sua mente e cospem impurezas pelo seu corpo, você não vai se tornar um cavaleiro! — O Guerreiro pisou no chão com força e virou-se para o mais jovem. — Nem eu queria fazer isso, ninguém aqui queria! Todos nós estamos amarrados a demônios que vão nos arrastar para o inferno assim que essa guerra acabar — Viu que o mais novo estava assustado, era disso que precisava. — Isso na melhor das hipóteses. Se cairmos em batalha, esse "glorioso" destino chegará ainda mais cedo.

   — Mas...

   — Você não entendeu?! — disse ainda mais alterado. — Ninguém aqui quer isso, ninguém aqui quis isso em algum momento. Olha em volta! — Era possível ver os demais guerreiros com coletes e armas, todos com semblantes tristonhos, medo e arrependimento. — Estou sacrificando minha vida e meu destino por um presidente idiota que fala sobre democracia, mas se desentende com um outro desgraçado e nos obriga a entrar numa guerra por ele, enquanto os dois comem do melhor nos seus palácios.

   — Então, por que não fugiu? Por que não largou tudo isso?

   — Por você, Nian! — As palavras escaparam sem perceber. — Por minha mãe, por meu pai, por seus pais, pela senhora da padaria e o tio do bombom que sempre me dá um a mais quando compro lá, por essas crianças brincando na rua, pelos inocentes que agora estão em fogo cruzado — Khnum esperou ter o convencido e chegado ao fim do assunto.

    — Eu luto, não, eu fiz tudo isso para que possamos ter um lugar para morar e não temer uma bomba atômica nas nossas cabeças a qualquer segundo — reafirmou no silêncio do amigo.

    Não era segredo que estavam em guerra, muito menos que todos odiavam o presidente mesmo que em sigilo. Era impossível não odiá-lo, era seus filhos, maridos, netos e até mesmo suas esposas na guerra. Todos nesse país lutariam para defender o território e expandir o próprio no terreno dos invasores, qualquer um forte o suficiente para suportar um pacto com o diabo.

   Não se engane, esse país é cristão, assim como todos os outros envolvidos nesta guerra, todos se dizem servos de Deus lutando pelo bem. As igrejas aceitam de bom grado o fato de seus defensores serem endemoniados, manipulam a palavra santa e cospem no nome de Deus, mentindo e motivando os guerreiros. Para todos, inclusive para Nian, os cavaleiros eram, nada mais, nada menos, que os homens mais próximos de Deus, cujo a força sobrenatural e a fé inabalável fez com que domassem as trevas como o próprio Rei Salomão e fizeram deles seus servos para lutar nos campos de batalha e trazer a vitória. Contudo, Nian, agora entendera a verdade. Khnum sacrificou sua alma para lutar aquela guerra, a verdade que a maioria daqueles que tinham contato com o exército já sabiam...

   — Vá para casa, por favor — Khnum sorriu para o amigo. — Eu não quero que corra perigo.

   — Sei que você me vê como um irmão mais novo — insistiu Nian. Khnum balançou a cabeça com um olhar um tanto decepcionado. — Mesmo assim quero lutar como você! Também quero proteger a todos que eu amo — finalizou o jovem.

Contos de Terror - Pequenos PesadelosOnde histórias criam vida. Descubra agora