A luz do pôr do sol suave filtra-se pelas cortinas, criando um ambiente sereno e acolhedor. São cinco e meia da tarde agora e estou sentada atrás de mesa, revisando os detalhes da ficha dos pacientes anteriores.
A terapia em grupo foi algo bem interessante para mim. Por mais que nenhum dos residentes tenham colocado a mão na massa, pudemos observar e aprender muitas coisas, como por exemplo o comportamento daquele que conduz, como controlar os pacientes e como fazê-los participar de forma interativa e dinâmica.
Ouço passos pelo corredor, seguido de batidas na porta e com um suspiro suave, me endireito sobre a cadeira e digo para entrar. Antes de entrarem, abro a gaveta que coloquei a ficha, me lembrando que não tive tempo de estudar o próximo paciente.
— Boa tarde, Dra. Russell. — a voz do guarda – que agora sei o nome; Rick – soa.
Então levanto meus olhos para encontrá-los e bem... Aqui está ele.
O paciente perigoso e misterioso que está sempre com algemas e guardas à sua cola.
O próprio enigma que despertou um sentimento intrigante dentro de mim, desde o primeiro momento em que o vi.
Sinto um leve desespero ao pensar que ficarei longos quarenta minutos dentro de uma sala, sozinha com um paciente. E que mais do que isso, aparentemente perigoso e totalmente envolto de uma áurea sombria e silenciosa.
Caminhando para se sentar cautelosamente na poltrona à minha frente, noto a expressão em seu rosto. Rancor e raiva oculta em suas íris. E uma certa tensão sobre seus ombros, o que não parece ser por ele estar aqui, mas por um motivo muito antes do que estar aqui.
Claro que também não esconde a expressão no rosto que diz claramente: não gostaria de estar aqui, nesta sala.
Coloco seu arquivo à minha esquerda e abro rapidamente na primeira parte, pensando no quanto deveria ter revisado antes.
— Obrigada por trazê-lo. — agradeço ao Rick.
— Estarei aqui fora. — sai logo em seguida, fechando a porta atrás de si.
Respiro fundo encarando o homem à minha frente que hoje está vestido com um moletom preto e calça da mesma cor.
— Olá, sou a Dra. Russell. — sua atenção está nas algemas em seus pulsos — Como posso ajudá-lo hoje? — falo com voz suave, procurando estabelecer um espaço de confiança e segurança.
Talvez para mim mesma.
Recebo um olhar fugaz antes de sua atenção se voltar para o meu crachá. Ele o encara como se fosse a coisa mais interessante do mundo e isso me causa um certo incômodo.
— Gostaria de compartilhar como foi a sua semana, então? — tento mais uma vez. Demora cinco segundos para que seus olhos se voltem para os meus.
— Não, eu não gostaria. — sua voz ecoa pelo cômodo.
Grave e baixa, quase em um sussurro. Não há emoção boa em seu timbre, a não ser o tédio e o desgosto, mas há um sotaque que não consigo identificar.
Um arrepio estranho percorre por todo o meu corpo e de maneira inconsciente, começo a folhear a ficha sobre a mesa, indo e voltando até finalmente parar em uma das observações da equipe.
Não há muitas anotações nessa página, então leio rapidamente.
Dra. Blake p/ observações gerais e notas de terapia:
"O paciente apresenta comportamento limitado. Não apresenta comportamento agressivo e/ou desorientado durante as consultas.
Resistência evidente durante terapia em grupo, recusando-se a compartilhar experiências pessoais.
Não costuma responder às perguntas e não participa da consulta individual.
Não expressa sintomas de ansiedade, depressão ou estresse extremo. Expressa forte apatia e insônia persistente."
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My Good Hell
General FictionDe todos os pensamentos ou sonhos que temos quando criança, me casar com um príncipe perfeito era o meu mais ambicioso desejo. Idealizei isso por toda a minha infância, onde seríamos grandes amigos e com o tempo, a paixão iria nascer. Viveríamos g...