Precedente: Sungchan, o forçador.

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Você já se sentiu forte, poderoso?

Sungchan nunca tinha se sentido assim. Pelo menos não até os 16.

Não podemos dizer que ele foi uma criança infeliz, ele tinha amigos e seus avós o criaram muito bem. Morava no distrito três e, mesmo que esse não seja o melhor, existia outros dois piores. O seu problema mesmo era a memória. Não a sua memória, mas aquilo que estava na memória dos outros.

Sua mãe e pai se conheciam desde crianças, era uma amizade construída ainda durante a escola. Ela vinha de toda uma linhagem enorme de forçadores e ele de uma família de vampiros. As duas linhagens sempre se deram bem, e quando na adolescência os dois revelaram estar namorando, ninguém se surpreendeu, ou se opôs. Já era algo óbvio de se acontecer e todos lidaram normalmente com isso.

Tudo realmente só deu errado quando, por um descuido, eles engravidaram. Os vampiros não são como aqueles contados em histórias de antes do Grande Ato. Vampiros são seres modificados assim como os outros, mas esses conseguem atrair a energia de outras pessoas para si. Eles não sugam sangue, conseguem ler mentes ou são super rápidos, também não vivem milênios de anos e sua palidez só ocorre quando estão perto de alguém doente ou, por algum motivo, sua energia interna não está de acordo com a energia exterior.

Sua gravidez foi de risco desde o começo. É de conhecimento geral que vampiros só devem ter filhos com outros da mesma raça, pois a energia necessária para a gestação de um é surpreendentemente alta, e a gestora precisa ceder a sua energia para o feto. Ela busca energia das pessoas que estão ao redor, canaliza e cede ao bebê. Mas sua mãe não era uma vampira, era uma forçadora. E forçadoras não fazem isso.

Forçadores sabem socar, são excessivamente fortes e têm uma densidade super alta. Toda a energia do seu corpo é programada para ser gasta por si, não por um feto. Não é difícil de entender o problema da gestação considerada de risco desde o começo, quando eles nem sonhavam que o bebê teria os poderes da mãe e do pai. Ou seja, além dele conseguir roubar a energia do mundo externo, era um bebê que precisava de muita para se desenvolver, sendo gestacionado por uma mãe que tinha muita energia mas também precisava dela para viver.

Infelizmente, não é necessário dizer que o Jung usou continuamente a energia da mãe durante a gestação. Aos sete meses a mãe não estava mais aguentando e foi feita uma cesárea para retirar ele, que mesmo tendo nascido três meses antes da hora tinha o dobro de um bebê normal em tamanho e peso. Ela não viveu muito tempo depois e seu pai também não. É difícil manter sua energia interior em paz com exterior enquanto se culpa pela morte da esposa.

Como criança ele se desenvolveu super rápido, como o esperado, e aos 14 já passava de 1,70 de altura. Não importa o que ele fizesse, o quanto ajudasse as pessoas ou seu bom desempenho na escola, tudo o que as pessoas lembravam era do motivo das mortes de seus pais. Todos o olhavam com pena e isso era tudo o que ele mais odiava. Ele obedecia quando os avós o mandavam estudar, obedecia quando falavam com quem ele podia fazer amizade ou não. Obedeceu quando eles o mandaram para aula de taekwondo, e depois para judô, caratê e todas as outras. Ele sempre obedecia.

Os avós tinham medo de Sungchan não conseguir gerenciar a energia que roubava de outras pessoas, e ele entendia isso. Entendia que era só preocupação. Por isso sempre obedecia. Obedecia e agradecia. Mas em algum momento a revolta da adolescência iria chegar até ele, e isso aconteceu aos 16 quando, para liberar energia e conter o estresse, começou com as lutas ilegais. Ele era poderoso, conseguia ganhar de forçadores muito mais velhos e mais experientes sem fazer o mínimo esforço. E foi aí que ele entendeu do que seus avós tinham medo, entendeu que os olhares que recebia não eram de pena e sim de receio. Quando lutava, seu corpo conseguia não só roubar energia, mas também canalizar ela em partes específicas, como uma defesa densa e dura contra socos e chutes. Ele era forte, poderosamente forte. E sentir o quão forte era, para o Sung, era a mesma coisa que se sentir vivo.

Quando atingiu a maioridade, um olheiro do exército implorou para ele servir à pátria, e ele não negou. As lutas não tinham mais sentido para si, ele não sentia mais a adrenalina que costumava sentir, e o que melhor que uma guerra para animá-lo? Nesse ano, conflitos no noroeste da pangeia estavam cada vez mais frequentes, e ele foi mandado para lá na mesma semana do seu alistamento. Foram dois anos servindo no antigo Canadá e mais um ano no antigo México, até ele precisar escolher entre desobedecer uma ordem direta ou matar crianças. Crianças inocentes.

Não é nem preciso dizer que a ética falou mais alto. Sinceramente, ele foi obrigado a obedecer toda a sua vida, durante criança sempre era o mais educado e quieto e durante a adolescência participou de aulas de diversos tipos de lutas apenas porque seus avós queriam, desobedecer uma vez não iria lhe matar. E se matasse, ele morreria defendendo aquelas crianças.

Foram 6 dias. Seis dias que ele precisou matar cada soldado que era mandado para matar ele. Seis dias que ele teve que proteger as 13 crianças dentro daquela casa. Foram seis dias para entender que tudo o que ele tinha feito nos últimos três anos, na verdade, não ajudou ninguém. Todos os conflitos que ali tinham eram apenas conflitos. Territoriais ou sociais, não dava o direito à associação do outro lado do mundo de se intrometer. Não quando todos estavam bem até os de fora chegarem. Eles brigavam por fome, por sede e frio enquanto os soldados tinham onde morar, o que comer e beber. Tudo isso tirado dali, daquela terra.

No sétimo dia lançaram uma granada na casa e todas as crianças morreram, mas enquanto estavam vivas ensinaram para ele o que ele já deveria saber desde que nasceu. Jung Sungchan não era só o mestiço sem pais, não era só um forçador qualquer. Ele é a pessoa que lutou até onde pode para salvar a vida de crianças que nem conhecia, e que faria isso de novo. É a pessoa que obedeceu a vida toda, mas soube a hora de desobedecer. Foi a pessoa pela qual os pais morreram, e hoje, ele é a pessoa que mantém a memória deles viva.

O Sung não é um vampiro, e mesmo que as pessoas olhem para ele e o julguem um forçador, ele também não é. Jung Sungchan é uma arma, uma arma feita para proteger quem precisa, para lutar por quem não pode. Para fazer história.

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