04 - Questões de família

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Três dias haviam se passado desde a estranha revelação de Greyond e sua oferta a Lilian para se unir ao grupo de guerreiros. No entanto, toda a conversa sobre um universo paralelo e a ideia de se tornar uma guerreira ainda pareciam absurdas demais para serem acreditadas. Como poderia existir tantas coisas sob os olhos de todos sem que ninguém nunca as tivesse notado? Ela sabia que Bluebell era real, afinal, havia tocado o garoto, embora agora questionasse se era apropriado chamá-lo de garoto, considerando a sua idade.

Além da descoberta em si, havia a situação dos recrutas que por si só gerava mais perguntas. Havia uma causa pela qual Greyond e Bluebell estavam recrutando voluntários. Que tipo de causa seria?

A paciência já havia se esgotado, precisava buscar informações sobre o irmão. Já havia meditado em seu quarto algumas vezes, em sua posição de foco, assim como de costume e não tinha mais ideias. Decidiu que não havia mais espaço para respeitar a privacidade do irmão. Embuida de grande frustração foi até o quarto do irmão e começou a revirar todas as coisas possíveis. Enquanto vasculhava o quarto do irmão, sua mente continuava a girar, tentando conciliar as informações dos últimos dias. Greyond e Bluebell representavam um infinidade de dúvidas, algo que preferia evitar pensar sobre. O trabalho e o curso a ajudavam a evitar esses pensamentos, mas em casa não havia refúgio, já não conseguia ocupar a mente de outra forma. Só conseguia expressar sua raiva, abrindo gavetas e arremessando objetos em busca de pistas. Tudo aquilo tinha que ser um grande equívoco, uma ilusão elaborada, mais uma brincadeira sem graça do caçula.

A iluminação era muito fraca, apenas uma luz fraca entrando por algumas frestas da janela fechada. O espaço era uma mistura de caos e personalidade. Pôsteres e adesivos de bandas de rock pelas paredes, desgastados pelo tempo, com dizeres agressivos - "FODA-SE" era o mais ameno deles. Num canto do quarto, fora do campo de visão, escondidos, encontrou uma pequena pilha de livros, em contraste com a imagem rebelde que Marcos tentava mostrar ao mundo. Ela sabia que seu irmão tinha um lado intelectual e artístico, que raramente revelava. Os títulos variavam de romances clássicos, a temas educativos e filosóficos, mostrando que Marcos era um leitor ávido, pensativo e questionador. Em uma gaveta, Lilian descobriu uma caixa de madeira, cuidadosamente escondida sob uma pilha de roupas. Ao abri-la, encontrou uma coleção de cartas e bilhetes, escritos com a caligrafia do irmão. Eram cartas que ele havia escrito, mas que nunca foram entregues. Algumas continham pensamentos, reflexões, outras eram cartas de desculpas destinadas a algum amigo, ou Lilian e Suzan. Leu algumas nas quais ele expressava o quanto as amava e se preocupava com elas. Todas de alguma maneira demonstravam seu carinho e compaixão. Coisas que ele bom em camuflar no dia a dia, com sua raiva e frustração. Encontrou por fim uma última carta, destinada ao pai que nunca conheceram:

"Pai,
Escrevo esta carta com uma mistura de emoções que têm fervilhado em mim há anos. A verdade é que, por muito tempo, eu me perguntei sobre você, sobre quem você é, sobre por que você partiu e sobre o que poderia ter sido se você tivesse decidido ficar.
Crescer sem um pai foi incrivelmente difícil. Minha mãe teve que assumir o papel de dois pais, além de cuidar de mim, ela precisou carregar o peso de sua ausência. Minha avó e minha irmã também tiveram que preencher esse vazio deixado por você. Eles mereciam muito mais do que isso.
À medida que cresci, percebi o quanto sua ausência moldou minha vida. Houve momentos em que me perguntei se você se importava, se alguma vez pensou em mim. Tantas perguntas sem resposta, tantas noites de incerteza e tantos dias de tristeza por não ter um pai para me guiar, para me ensinar e para estar ao meu lado.
No entanto, com o passar dos anos, aprendi a viver sem você. Aprendi a me tornar forte, a encontrar apoio naqueles que estiveram ao meu lado e a seguir em frente, apesar da sua ausência. Eu já não espero mais por você. Se um dia decidir aparecer, saiba que já não tenho interesse em saber sobre você. Já não importa mais.
Você perdeu tanto ao escolher partir. Perdeu momentos preciosos, risos, lágrimas e o privilégio de ver seu filho crescer. E, mesmo que você aparecesse agora, seria tarde demais. O dano já está feito, as cicatrizes já estão profundas demais.
Espero que, onde quer que você esteja, encontre a paz que não foi capaz de encontrar aqui. E saiba que, apesar de tudo, eu consegui superar sua ausência e me tornar alguém forte e capaz."

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⏰ Última atualização: Jun 04 ⏰

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